6 de abril de 2023 11:06 por Da Redação
Por Leandro Demori, do portal A Grande Guerra
Em fins de abril de 2007 a Petrobras emitiu um documento que passou batido dentro da burocracia da empresa. Era uma liberação de acesso incomum. No papel timbrado com seu logotipo oficial, a Gerência de Engenharia da Petrobras SIX – a Unidade de Industrialização de Xisto da petroleira, situada em São Mateus do Sul, no Paraná – autorizava o engenheiro Jorge Hardt Filho a entrar com seu computador pessoal da marca Toshiba dentro das dependências da fábrica.
O documento é este aqui:
Jorge Hardt Filho conhecia cada palmo daquele lugar. O engenheiro químico foi um dos primeiros a chegar na planta industrial da SIX no começo dos anos 1970, quando a empresa estatal tentava criar uma tecnologia própria para a extração de óleo e de outros derivados das pedras que afloravam na região paranaense. Anos depois, eles conseguiriam. A técnica – única no mundo, mais eficiente e ecológica que as demais operadas em outros países – foi patenteada sob o nome de Petrosix®.
Mal se aposentou da Petrobras SIX, Jorge Hardt passou a atuar como consultor de empresas privadas do setor, em um típico movimento de porta giratória, quando funcionários públicos adquirem conhecimento no Estado para depois fazer carreira no mercado. Naquele momento, em 2007, quando teve acesso às dependências da fábrica de sua ex-empregadora levando na bolsa seu computador Toshiba, Hardt trabalhava para a consultoria Tecnomon. Contratada pela SIX, a Tecnomon participava de um projeto de modernização da planta da Petrobras.
Pouco mais de um ano depois, Jorge Hardt foi novamente contratado por uma empresa privada, desta vez a Engevix, empreiteira que ficou famosa por ser uma das investigadas durante a operação Lava Jato – seus diretores e o próprio presidente foram presos sob ordens do então juíz Sérgio Moro. O nome de Jorge Hardt está em destaque em outro Documento Interno do Sistema Petrobras, este emitido em fins de setembro de 2008.
No papel, a Petrobras pedia que fossem enviados a Hardt e a outras pessoas “documentos classificados como corporativos, reservados e confidenciais”.
A partir desses acessos, Jorge Hardt e três funcionários aposentados da Petrobras SIX protagonizaram uma trama que descambaria em investigações sobre pirataria industrial, uso indevido de documentos secretos, armações contra a petroleira e uma tentativa de vender um processo de transformação do xisto que seria uma cópia do Petrosix.
Rodando o mundo
O contrato de 18,2 milhões de dólares determinava que a Engevix levaria o Petrosix para ser negociado no Marrocos, nos Estados Unidos e na Jordânia. Um trecho do contrato mostra que Hardt foi escalado para o time da empreiteira.
Dois anos depois, ao fim do contrato, os projetos do Marrocos e dos EUA foram abandonados. Na Jordânia, no entanto, a prospecção andou: a Petrobras recebeu autorização do governo jordaniano para estudar a exploração de reservas de xisto na área de Wadi Maghara, a 2ª melhor do pais.
Mas a Petrobras precisava de um parceiro para dividir os custos e os riscos da operação. Em fevereiro de 2011, com os estudos da Engevix na mão, a petroleira firmou acordo com o Forbes & Manhattan, um banco canadense que possui participações ou opera empresas mineradoras pelo mundo. O que parecia um salto em direção ao globo se mostraria, em pouco tempo, uma passada de pernas monumental.
Você pagou com traição
Machado foi além: mostrou imagens comprovando que a Irati exibia em seus prospectos informações privadas retiradas de dentro da Petrobras SIX. E o mais chocante: a Irati teria requerido, poucas semanas antes, licença para pesquisa e mineração de áreas próximas à planta da SIX no Paraná, região que estava mapeada apenas em estudos geológicos confidenciais realizados pela própria Petrobras SIX. Como a Forbes tinha acesso àqueles materiais?
As conversas com a Forbes & Manhattan foram interrompidas naquele mesmo dia. Aprofundando a investigação, os funcionários da Petrobras descobriram mais um movimento dos canadenses: por meio de outra de suas controladas, a Forbes estava tentando explorar xisto na Jordânia, justamente o país onde Petrobras e Forbes mantinham parceria para exploração conjunta. Mais tarde, viria à tona que o próprio governo jordaniano questionara os canadenses, em uma reunião ocorrida no começo daquele ano de 2012, para que a empresa esclarecesse a razão de o grupo estar buscando explorar a mesma área por duas vias diferentes. A Forbes mostrava uma mão e escondia a outra.
Hacker aqui?
As suspeitas se intensificaram quando a petroleira fez uma busca por novos requerimentos de patente no Brasil e no exterior: tanto aqui como lá fora, Jorge Hardt Filho, João Carlos Winck e João Carlos Gobbo apareciam como requerentes de patentes de um processo muito semelhante ao Petrosix, chamado Prix. Nas descrições comerciais do Prix, ele era apresentado como um processo “com mais de 30 anos de comprovada operação”.
Era mentira. O Prix, na verdade, jamais foi testado na prática. É, até hoje, um projeto em papel. Os “mais de 30 anos de comprovada operação” se referem, obviamente, ao Petrosix. O Prix era, de fato, um “Petrosix melhorado”.
Informações privilegiadas
No relatório, a Petrobras salientou ainda que os contratados da Engevix João Carlos Gobbo, Jorge Hardt Filho e João Carlos Winck foram as pessoas que tiveram acesso às informações usadas ilegalmente pela Forbes & Manhattan.
A investigação interna apontava ainda, com base em registros, que os três ex-funcionários da Petrobras fizeram “visitas à SIX que não se limitaram ao período e às exigências do contrato com a Engevix”. E destacou: “no contrato firmado com a Engevix existe previsão impondo à Contratada o dever de sigilo das informações disponibilizadas pela Petrobras, o que se estende para suas subcontratadas, de maneira que qualquer utilização indevida de informações por funcionários da Engevix ou suas subcontratadas ensejaria a obrigação de indenização dos prejuízos causados”.
E la nave va
A Petrobras descobriria mais tarde que a Forbes tentara ainda vender um projeto para uma empresa chinesa usando imagens internas obtidas nas dependências da SIX.
Investigação seletiva
O pai de Gabriela Hardt, a juíza substituta de Moro em diversas ocasiões durante a operação, também passou incólume. A Engevix, para a qual Jorge Hardt trabalhou, teve seus negócios revirados pelos investigadores da Lava Jato. Foi Gabriela Hardt que determinou, por exemplo, a prisão de José Dirceu por acusação de ter recebido propinas da própria Engevix que empregou seu pai. O caso da Petrosix, no entanto, passou em branco pelos olhos sempre atentos de Curitiba.
Ao vencedor, as jazidas
1️⃣ Notificar extrajudicialmente as empresas por uso de propriedade intelectual para impedir que continuem usando os materiais;
2️⃣ Desaconselhar “futuros contratos com a empresa FORBES & MANHATTAN e qualquer empresa a ela vinculada direta ou indiretamente”.
Dois meses antes de deixar o poder, no entanto, Jair Bolsonaro não apenas ignorou a recomendação da própria Petrobras de nunca mais fazer negócios com os canadenses, como vendeu a Petrobras Six justamente para eles, a mesma Forbes & Manhattan que tentou passar a perna na estatal durante anos.
A Forbes pagou cerca de R$ 200 milhões pela fábrica, o equivalente a apenas um ano de lucro da SIX – e levou junto a tão cobiçada tecnologia Petrosix. De um jeito ou de outro, venceu.
O governo Lula tem agora 15 meses para passar o controle total aos canadenses da recém privatizada Petrosix. Uma investigação no Tribunal de Contas de União, que corre sob sigilo, pode esclarecer ainda mais os pontos obscuros desse negócio. Ainda dá tempo de evitar o pior.