16 de maio de 2023 11:07 por Da Redação
O músico tradicional, em sua consciência estética, busca transformar o choro em peça de museu — velharia sacralizada pelo tempo — vibrando num saudosismo passadista, mumificando a música, incapaz de compreender o novo, desprovido de uma dimensão dialética da realidade. Às vezes falta um pouco de leitura sobre o movimento chorístico brasileiro, ou seja, a própria história social do Choro, enquanto gênero instrumental, o que o impede de assimilar algumas tendências e variáveis. Evidente que há honrosas exceções. Mas as vezes misturamos alhos com bugalhos, embaralhando o baralho.
Um fato curioso, mas de vida tenaz, são as comemorações do Dia do Choro, que aqui em Maceió (e em todo o país) se celebra em 23 de abril, data do suposto nascimento do genial compositor, flautista arranjador, saxofonista e maestro Pixinguinha.
Consultando os arquivos implacáveis do pesquisador alagoano Claudevan Melo deparei com um documento em manuscrito, xerocado do cartório de registro de nascimento da terceira circunscrição do Rio de Janeiro, que comprova de vez e para sempre que Alfredo da Rocha Vianna Filho (Pixinguinha) veio ao mundo a sete de maio de 1897. A celebração do Dia do Choro em outra data é um equívoco que fere a verdade histórica e redunda num erro que irá se perpetuando, justamente pela falta de pesquisas e consulta documental. Geralmente essas comemorações ou homenagens (palavra de origem sórdida) saem pela culatra pelo descuido mesmo ou por se escorar em informações de ouvido. Porém bem mais importante que a data é a obra. E a Obra de Pixinguinha é imortal.
“Aos sete dias do mês de Maio de mil oitocentos e noventa e sete, nesta Capital e Cartório, compareceu Alfredo da Rocha Vianna, morador à rua do Paraíso quinze, e por ele foi dito que em sua casa no dia quatro do corrente às nove horas da manhã Raymunda Maria da Conceição, natural da Capital Federal, de trinta e três anos, solteira, filha de Eduwiges Maria da Conceição, deu à luz uma criança do sexo masculino, de cor preta, que toou o nome de Alfredo, filho natural do declarante. E de tudo para constar lavro este termo que, depois de lido, assina o declarante com o escrivão e as testemunhas Bernardino Gomes Ribeiro, brasileiro, solteiro, artista, morador à Travessa Dona Elisa, dezoito e Francisco da Rocha Vieira, brasileiro, solteiro artista, morador à rua Bom Jardim, nove. Eu, Manuel Joaquim da Silva Junior escrivão subscrevi”.
O músico tradicional pretende tocar eternamente em berço esplendido o “Pedacinho de céu”, sem enxergar outros paraísos em sua volta. Este choro de Waldir Azevedo (27/1/1923-20/9/1980) é uma preciosa obra-prima de 1951, dedicada às suas filhas, mas a beleza é uma coisa comum neste mundo, como disse Borges e temos que ter olhos para vislumbrar o novo.
Já o musico sem preconceitos é madeira que cupim não rói, ele executa autores do passado, mas estuda as composições que surgem e regula um repertório que se renova constantemente. Não estacionou no século XIX, circula entre seus pares com técnica e emoção, ouvindo compositores jovens ou desconhecidos, sem submissão ao pensamento estagnado. Eu já escrevi aqui neste mesmo espaço que o compositor alagoano de Choros escreve para o esquecimento, pois parece que o passado se sobrepõe ao presente. Quem só se fixa no antigo, sem abrir as portas para o inesperado que pulsa, age em um mundo de sombras e se condena a viver numa espécie de sarcófago dourado.
Concluo com este delicioso epigrama do poeta satírico Marcial (século I de nossa era):
Miraris ueteres, Vacerra, solos
nec laudas nisi mortos poetas.
Ignoscas petimus, Vacerra: tanti
non est, ut placeam tibi, perire.
Na congenial tradução livre de Augusto de Campos:
Só admiras os velhos, só a arte
dos mortos move a tua pena.
Sinto muito, meu velho, mas não vale
a pena morrer para agradar-te.
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(* ) Livre atirador e artista popular é o autor de Juvenal Lopes: o comandante do samba. (Maceió: Ideário/Sergasa, 2007).
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O saber não tem data finita