Giacomo Vicenzo, do Ecoa
Um rinoceronte-branco-do-norte pode pesar mais de duas toneladas. Com dois grandes chifres e ágil, a espécie adulta não tem predador natural. Ainda assim, Súdan, o último macho da subespécie, passou os últimos dias de sua vida protegido por guardas armados com fuzis na área de conservação do Ol Pejeta, no Quênia.
O grosso calibre das armas resguardava o animal dos únicos seres que poderiam levá-lo à morte e para a beira do precipício da extinção: os seres humanos – que caçam os rinocerontes para remoção e venda no mercado ilegal de seus chifres, que têm valor elevado.
Nas reservas, é comum ver os gigantes com os chifres serrados. Os cuidadores fazem isso para afastar caçadores furtivos, que não se intimidam nem mesmo com a guarda armada. Os chifres crescem novamente, assim como nossas unhas, sendo constantemente aparados para proteger seus donos da cobiça humana.
Mas foi o implacável tempo que alcançou o rinoceronte: em 19 de março de 2018, aos 45 anos, Súdan, que já tinha idade avançada para a espécie, piorou do seu quadro de saúde. Ele enfrentava uma infecção em uma das patas traseiras, que o impedia de ficar em pé. Foi quando a equipe multidisciplinar responsável por seus cuidados optou por sua eutanásia.
O último dia de vida de um gentil imponente
Com pele grossa, e a aparência de um animal pré-histórico que pode resistir aos embates mais selvagens e ainda sair vitorioso, assim são os rinocerontes – olhando mais de perto, Súdan era definido como um “gigante gentil” pelos tratadores e equipe, um animal dócil, que amava comer cenourinhas e carinho atrás da cabeça e da orelha.
“A subespécie de Súdan sobreviveu por milhões de anos, mas não conseguiu resistir à humanidade” – assim escreveu a fotojornalista americana do National Geographic Ami Vitale em seu Instagram no dia do sacrifício do animal.
Ami conheceu Súdan em 2009 em um zoológico na República Tcheca, pouco antes de ele ser transferido para a reserva no Quênia, e registrou boa parte de sua vida, assim como o seu último dia, em fotos e em um documentário.
“Dizer adeus ao Súdan, o último rinoceronte-branco-do-norte macho, enquanto ele morria, foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Estávamos testemunhando não apenas a morte dessa criatura majestosa e o fim de uma subespécie, mas também estávamos assistindo a nossa própria ruína”, diz Vitale em exclusiva para Ecoa.
unto com os membros da equipe que cuidavam de Súdan, a fotojornalista pôde fotografar o gigante por uma última vez e abraçá-lo gentilmente junto com James Wenda, um dos cuidadores do rinoceronte durante os nove anos em que esteve na reserva.
Nosso destino está ligado ao destino dos animais. Sem rinocerontes e toda a vida selvagem, sofreremos mais do que a perda da saúde do ecossistema, será uma perda da nossa própria imaginação, da admiração e de belas possibilidades. Espero que este momento marque a humanidade para que reconheça o quão interconectados realmente somos, Ami Vitale.
Para Zacharia Mutai, cuidador chefe de rinocerontes-brancos-do-norte na reserva do Quênia, o dia da partida de Súdan foi de dor por todos os que o acompanhavam.
“Durante todo o tempo em que ele esteve aqui meu trabalho era garantir sua comida, água e saúde. Súdan nos atendia por nome e adorava quando coçávamos sua orelha e barriga”, diz Mutai para Ecoa.
Embora ele tenha partido, Súdan vive em nossas memórias e foi um embaixador para todas as outras espécies de rinoceronte. Ele se foi, mas seu nome e legado permanecem, Zacharia Mutai, cuidador do último rinoceronte-branco-do-norte macho.
Uma última esperança aos descendentes de Súdan
Após a morte de Súdan, restam apenas dois animais da subespécie, que também vivem na reserva do Quênia, protegidos pelo pelotão armado. São duas fêmeas, neta e filha de Súdan – sendo uma delas infértil e a outra incapaz de se reproduzir sozinha.
Agora, Zacharia Mutai, segue os cuidados com as duas fêmeas e a esperança restante está no laboratório. Cientistas querem reproduzir a espécie in vitro com o material genético armazenado de diversos rinocerontes-brancos-do-norte.
Cientistas do Projeto BioRescue já criaram 24 embriões puros de rinoceronte-branco-do-norte usando oócitos (óvulo) e material genético de rinocerontes-brancos-do-norte falecidos anteriormente. Os embriões serão transferidos para uma mãe substituta de rinoceronte-branco-do-sul em um futuro próximo.
Se eles conseguirem trazer de volta essa espécie, também significará esperança para mais de 42.000 animais atualmente listados como ameaçados, bem como para mais de 1 milhão de espécies de plantas e animais que estão previstas para desaparecer.