18 de julho de 2023 6:58 por Da Redação
Por Luiz Nassif, do Jornal GGN
Do Jornal Nacional a jornais impressos, o músico João Donato – falecido ontem (17) – foi apresentado como um dos pais da bossa nova. Não foi. Não participou do movimento, mudou-se para os Estados Unidos no ano do lançamento do LP pioneiro de João Gilberto.
Depois, voltou e transformou-se em um dos mestres referenciais da música brasileira, como o pernambucano Moacir Santos, o carioca Luiz Eça.
A confusão sobre sua influência foi obra de Rui Castro, em seu livro sobre a bossa-nova. Castro fez uma pesquisa relevante em um livro bem escrito. Havia somente um porém: não conhecia nada de música brasileira. Sou testemunha ocular e auricular porque, muitas vezes, ele recorria a Gutenberg, o Baiano, meu amigo e frequentador de boemia da época, atrás de informações sobre a música brasileira. Participei pessoalmente de algumas dessas aulas.
Além disso, ao seu conhecido preconceito somou-se a visão extraordinariamente preconceituosa de Ronaldo Bôscoli, seu guru na elaboração do livro. Em vez de entender a música brasileira como um processo, Bôscoli teimava em situar a bossa nova como um início, um corte na música brasileira. Antes, seria apenas bolerão e baião. Além desse preconceito, Rui insistia em depreciar Jacob do Bandolim, por alguma crítica que fez à bossa nova
Entrevistei-o uma vez n a TV Gazeta e ele não tinha ideia de que uma das maiores gravações do Chega de Saudade foi justamente a de Jacob; que Dolores Duran tinha sido a “princesinha do baião”.
Certa vez, entrevistei Baden Powell para a Folha, que contou o óbvio: “nós, os músicos continuamos a fazer o que sempre fazíamos, ai apareceu uma garotada da Zona Sul que trouxe o tema barquinho, praia e chamaram de bossa nova”.
Baden referia-se ao violão da rádio Nacional que, no início dos anos 50, já juntava Garoto, Laurindo de Almeida, Bola Sete, além do violão de Luiz Bonfá, que trouxe a influência do bolero. Rui não sabia da enorme sofisticação harmônica que o bolero trouxe para o gênero canção.
Na época do lançamento do livro, Rui distribuiu uma fita cassete com algumas preciosidades que ele recolheu em sua pesquisa. Apresentou na forma de um programa de rádio. Começava mostrando um duo de Garoto ao violão e Johnny Alf no piano. Ambos já faziam a batida da bossa nova – Alf com a mão direita, nas notas finas. Encerrada a gravação, Rui decretava: “como vocês viram, isso é jazz, não é bossa nova”. Em seguida mostrava o acordeón de João Donato, a mil por hora: “como vocês viram, isto é bossa nova”.
Imediatamente liguei para ele informando do erro: a faixa de Alf-Garoto era pré-bossa nova; a de Donato era um samba sincopado da melhor espécie.
Na verdade, a grande contribuição de João Gilberto para a música brasileira foi ter assimilado a batida introduzida por Garoto e colocado, debaixo dela, o que de melhor a música brasileira produzira até então – entre os diversos ritmos, tinha especial predileção pelo samba sincopado e pelo samba-choro dos antigos conjuntos vocais.
Conheceu Donato, aliás, como colega de um desses conjuntos – não me lembro se dos Garotos da Lua ou Namorados da Lua. Na época, Donato sequer era aceito pelos conjuntos da bossa, nas boates da época, porque seu estilo era considerado muito irrequieto.
Daí sua iniciativa de mudar-se para os Estados Unidos, aproximar-se das principais figuras do jazz, beber na música latina (especialmente a cubana) e, muitos anos depois, quando nem bossa nova havia mais, voltar para o Brasil e tornar-se o músico referencial para gerações e gerações de instrumentistas brasileiros.