26 de julho de 2023 4:24 por Da Redação
Por Rubens Valente, da Agência Pública
Há mais de seis meses o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) da gestão Flávio Dino promove uma blindagem sobre atos do governo de Jair Bolsonaro na pasta dos ex-ministros Sergio Moro, hoje senador, André Mendonça, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e Anderson Torres, que chegou a ficar preso por quatro meses no inquérito que apura a tentativa de golpe em 8 de janeiro, em Brasília.
A história da proteção ministerial começa em 3 de janeiro, logo depois das posses de Lula na Presidência da República e de Flávio Dino no ministério. Naquele dia, portanto há quase sete meses, a Agência Pública solicitou acesso, via Lei de Acesso à Informação (LAI), a uma listagem de diversos relatórios ou documentos “de inteligência” produzidos pelo MJSP de 2019 a 2022. Aqui vale lembrar que, em junho de 2020, o UOL revelou a confecção, no MJSP, de dossiês sobre policiais e professores antifascistas. Essa prática foi depois condenada pela ampla maioria dos ministros do STF em sessão plenária. Em 2023, a Pública revelou outro relatório do MJSP que informava a desnutrição e as doenças que vitimavam indígenas na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
Eu já havia feito pedidos semelhantes ao MJSP ao longo do governo Bolsonaro, todos repetidamente negados. Em janeiro mudou o governo, mas a negativa se manteve com os mesmos argumentos, incluindo parágrafos quase que inteiramente copiados pela gestão Dino. Um dos truques mais frequentes usados ao longo do governo Bolsonaro e repetidos pela gestão Dino foi dizer que os documentos não poderiam ser acessados porque a questão é regulada não pela LAI, mas pela lei de 1999 que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). É uma falsidade várias vezes explicada nos recursos da Pública. A lei que criou a Abin não pode ser superior à LAI no tema da transparência. A lei de 1999, por exemplo, nunca estipulou prazo para classificação ou desclassificação de documentos. Se aquela lei valesse mais que a LAI, estaria criado o sigilo eterno, tática, aliás, usada e abusada no governo Bolsonaro e que Lula, durante a campanha eleitoral de 2022, prometeu combater.
Nos recursos a essas negativas da gestão Dino, a Pública explicou que não existe uma lei de acesso especial e exclusiva para a atividade de inteligência, “a lei é única”, do contrário, “como pretende o MJ nas suas respostas, estará configurado o sigilo eterno, quando documentos são confeccionados livremente sem qualquer grau de sigilo, ou seja, sem classificação e por conseguinte sem prazo de desclassificação, e assim jamais chegarão ao conhecimento público”.
Contudo, indiferente a esse e a vários outros argumentos levantados pela Pública, em fevereiro passado o então ministro interino da Justiça, Ricardo Cappelli, negou o recurso sob a alegação de que “em temas afetos à segurança pública, tais como: criminalidade violenta, organizações criminosas, corrupção, lavagem de dinheiro, práticas ilícitas no espaço cibernético, entre outros, que integram o escopo de observação e análise da atividade de inteligência, classificam-se como hipóteses legais de sigilo e segredo de justiça”.
O argumento do ministro interino equipara a atividade de inteligência ao sistema judicial, uma distorção sob vários pontos de vista, uma confusão gritante entre conceitos e atribuições de dois Poderes distintos e uma manobra que nem mesmo a ditadura militar ousou fazer com seu famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI). Hoje a base remanescente de dados do SNI (outra parte foi destruída pela ditadura) é totalmente aberta à consulta pública no Arquivo Nacional. Os papéis do SNI nunca foram protegidos com a alegação de “segredo de Justiça”.
A decisão do ministro interino é datada de 1º de fevereiro. A Pública recorreu à Controladoria-Geral da União (CGU), que fez uma ampla análise de toda a questão e deu uma decisão inequívoca a favor do nosso pedido. Em 4 de abril, a secretária nacional de Acesso à Informação da CGU, Ana Túlia de Macedo, deu provimento ao nosso recurso e determinou que, no prazo de 30 dias, o MJSP disponibilizasse a resposta ao pedido das informações solicitadas sobre o período que vai de janeiro de 2019 a dezembro de 2022. Ela ponderou apenas que poderia haver supressão, com tarjamento, de “eventuais informações pessoais existentes na documentação que possam afetar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais”.