15 de agosto de 2023 4:54 por Da Redação
Por Maria Tereza Barros
A redação do site 082 Notícias, conversou com o professor José Geraldo Wanderley Marques, um dos participantes da Mesa de Bate-Papo, no último domingo 13, quando participou como palestrante junto com os professores, Heloísa de Moraes, Golbery Lessa, Edilma Bonfim e Márcio Ferreira, além do cineasta Cacá Diégues, na 10ª Bienal Internacional do Livro, em Maceió, sobre a coletânea de Breno Accioly.
José Geraldo Marques, sertanejo, natural de Santana de Ipanema, Alagoas, é reconhecido por sua valiosa contribuição a Ciência e à Literatura, foi Secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência por dois mandatos. Escritor, poeta, é membro da Academia Alagoana de Letras e recebeu do Ministério da Cultura o Prêmio Nacional Vanucci pelo conjunto de sua obra. Como poeta afirma – “Ai de mim se não fosse a minha poesia, que tem forte efeito catártico para mim! ”
Ao conversar sobre o Bate-Papo, que ocorreu neste domingo, em homenagem a obra do também alagoano de Santana, Breno Accioly, o professor José Geraldo, afirma que a criação literária tem seu valor terapêutico reconhecido com ênfase na psicanálise freudiana. Zé Geraldo como é conhecido por seus amigos e pessoas mais próximas, dialogou com a redação do 082 Notícias sobre literatura, humanidade, pessoas, vidas, destinos. Sobre Breno Rocha Accioly, natural de Santana do Ipanema, sertão alagoano, (1921-1966), filho de Manoel Xavier Accioly e Maria de Lourdes Rocha Accioly. Médico formado no Rio de Janeiro, dedicou-se à Leprologia. No Rio também se firmou como escritor. Chegou a morar em Maceió e em Recife.
“É difícil acreditar que um Kafka ou um Breno tivessemconseguido manter o que lhes restava de organização mental se não fosse através de sua escrita ‘caótica’ ”. Comenta o professor José Geraldo.
082NOTÍCIAS – Como o senhor identifica o potencial criativo na criação literária?
José Geraldo – A criação literária tem o seu valor terapêutico reconhecido com ênfase na psicanálise freudiana. Freud, recomendava que seus analisados mantivessem um diário. Temos exemplos de três suicidas clássicas: Florbela Espanca, Virgínia Woolf e Sylvia Plath, que parecem ter conseguido adiar a sua autodestruição até o limite que o seu poder de criação literária permitiu. “Virgínia e Sylvia, inclusive, com diagnóstico de doenças mentais severas”. Antonin Artaud com a contundência descritiva da sua loucura e respectivo tratamento psiquiátrico. Posso afirmar: “Ai de mim se não fosse a minha poesia, que tem forte efeito catártico em mim”!
Pinheiro em pranto (Êxodo)
Seria excesso ou falta de juízo?
Pois agora dão prazos
Chamados de avisos!
Não calculam os prejuízos
Por dentro das vossas almas
– Deixai logo as vossas casas
Como se fez no Egito!
– Mas, se não há terra prometida
Teremos de criar asas
Depois de despedidos
Do Paraíso perdido?
Oh Senhora das Tempestades
Segurai os vossos guizos
Que os guizos da cascavel
Ainda estão em nosso ouvido!José Geraldo W. Marques – 2020
082Notícias – Breno Accioly tem um conjunto de obras (Cogumelos, Dunas, Os Cata-Ventos, João Urso, Maria Pudim, e as inéditas Isabela e Pedras) de conteúdo denso, marcado por traição, violência, desconfianças, vinganças doentias construídas pelas mentes perturbadas de seus personagens. Qual das obras mais lhe impressiona?
José Geraldo – Para mim, a escrita máxima de Breno está no conto “O Condado de Green”, totalmente dissonante de todo o resto o resto da obra brenyana. É como se ele tivesse conseguido inverter temporariamente a sua loucura e investido na composição de um belíssimo poema marítimo
A respeito da obra de Breno Accioly, segundo a crítica – O Condado de Green possui lanternas, os faróis, os botes, os veleiros e os vapores da baía de Jaraguá, antes das obras do porto, nos tempos da ponte de desembarque, dos trapiches e da luz do farol brilhando por cima da Catedral. Consta: “Os navios passavam no tempo da lua e, nas noites de ancorar, com lanternas e faróis acesos, a ilha presenciava o Condado de Green sair da sua solidão”.
Há quem diga que o Condado de Green poderia ser uma ilha no mar de Java, ou estar no Arquipélago de Salomão, ser uma insignificância no Pacífico, mas num paraíso, sem ninguém supor que existisse – sem rota, sem bússola, mas repleto de paz. “No Condado de Green não há lógica, nem moral”.
082Notícias – O que mais poderia destacar na obra de Breno Accioly?
José Geraldo – Eu gostaria de enfatizar o lado poético de Breno, sobre a qualidade literária ímpar. Na sua obra “sombria” o conto João Urso é digno de figurar ao lado dos melhores contistas mundiais. Não sei se proposital ou intuitivamente, mas ele consegue dar uma estrutura sofisticadíssima: a abertura é uma protofonia e o encerramento é uma linda apoteose. No meio, a “loucura corre solta”. Coisa de um Ionesco (Eugène) ou de um teatro do absurdo.
082Notícias – O que é interessante aprender nesse estilo ou tendência literária tão ímpar?
José Geraldo – Que o anormal do outro pode ser apenas uma forma de normalidade, que o limite entre a razão e a des/razão é muito tênue, que o diferente merece compaixão. Claro que depende também da estruturação mental, dos conceitos do leitor. Foi isso o que eu aprendi, mas reconheço que a leitura exige um esforço sobrehumano de empatia.
082Notícias – Em seu Conto “As Agulhas” (Breno Accioly), há envolvimento de situações de abusos, angústia, trauma, frustração, conflito entre a necessidade de resoluções e desespero. Que observações caberiam?
José Geraldo – O que considero mais interessante nesse conto é a estratégia tão recorrente na obra de Breno, que é apropriar-se de nomes de pessoas notoriamente conhecidas na cidade e com eles batizar personagens muitas vezes esdrúxulos e dissonantes do personagem real. Ele inverte a malignidade das suas metamorfoses, transforma um louco real num até certo ponto polido cavalheiro.
“As criações literárias são portas e janelas abertas ou fechadas, tudo depende das circunstâncias e das paisagens internalizadas”, afirma o Professor José Geraldo Marques.
Pinheiro em pranto (Êxodo)
Triunfará a sensatez?
Será o monstro contido?
– Perdida está a memória
Do teu ninho construído
Com sacrifício da vossa vida,
Minha senhora,
E a do vosso marido.
Há rachaduras visíveis
Há arranhões escondidos
Estes doem tanto tanto
Que geram prantos contidos!
Há silêncios eloquentes
E há falares mal-ditos
Cruzando os céus da cidade
Há muito medo na gente
Que tudo viu e tudo sabe;
Por que então fazes trevas
Por que há tantos calares?José Geraldo Marques – 2020.
É impossível conversar com o José Geraldo Marques sem destacar sua singular dedicação a questão das causas relacionadas ao Meio Ambiente. O escritor poeta, ambientalista, tem profundo respeito pela humanidade, gosta particularmente de Carl Jung, conheceu pessoalmente Nise da Silveira e com relação aos povos originários conviveu pessoalmente com Davi Kopenawa Yanomami.
José Geraldo faz um convite à sociedade para participar no dia 17/08, na 10ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, para ver o relançamento do livro: “Rasgando a Cortina do Silêncio”, sobre a tragédia ocorrida nos cinco bairros de Maceió, em destaque o bairro do Pinheiro.
1 Comentário
Prof. Geraldo é um daqueles PRESENTES que a Vida nos dá.
Quem teve a oportunidade de conhece-lo como pessoa e ou professor sabe do que estou dimensionando. Gratidão