Por Eduardo Maretti, da RBA
Depois de quatro anos de Jair Bolsonaro, as chamadas prévias na Argentina neste domingo (13) voltam a colocar o Mercosul em xeque, com a vitória do ultradireitista Javier Milei. Chamadas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (Paso), são realizadas no país vizinho para que os partidos definam os candidatos à eleição presidencial que, em 2023, acontece em 22 de outubro (primeiro turno) e em 19 de novembro, caso haja segundo turno.
A presença do extremista de direita como líder das primárias já preocupa os progressistas e mesmo conservadores democratas na América do Sul. A ascensão de Milei é em grande parte decorrente da crise econômica em que a Argentina está mergulhada desde o governo do neoliberal Mauricio Macri.
Mas a crise é também política. A volta do peronismo ao poder com Alberto Fernández na eleição de 2019 não colocou o país nos trilhos. O atual presidente herdou de Macri um acordo de US$ 57 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Posteriormente, já no governo Fernández, o então ministro da Economia, Martin Guzmán, liderou negociações para uma reestruturação da dívida no valor de US$ 45 bilhões.
Em março de 2022, afirmou que o acordo seria mantido, depois de se reunir com a chefe do FMI, Kristalina Georgieva. Mas a inflação alta e crise fiscal aguda derrubaram Guzmán quatro meses depois.
Seu substituto, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, anunciou há duas semanas que a Argentina efetuaria o pagamento da parcela ao FMI, por meio de uma ginástica financeira. A inflação do país é hoje de astronômicos 115,6% e quase não há reservas e margem fiscal.
Missão impossível?
Nesse ambiente, analistas consideram uma ironia que o candidato peronista para suceder Alberto Fernández seja justamente Sergio Massa. A tarefa de convencer a maioria do país de que, eleito, vai resolver a crise econômica (e política) interminável que o atual presidente não conseguiu solucionar parece inalcançável.
É nesse “caldo” que surge Javier Milei, o extremista de direita que se diz “anarcocapitalista”, defende dolarizar a economia e acabar com o Banco Central, promete facilitar a posse de armas de fogo, e, em junho de 2022, escandalizou o país ao afirmar que a venda de órgãos humanos seria apenas “mais um mercado”.
Peronismo rachado
A responsabilidade pelo cenário é, em grande parte, da própria esquerda peronista, que governa há quase quatro anos com brigas internas, boicotes e desavenças. A ex-presidente e atual vice, Cristina Kirchner, e Alberto Fernández, considerado de esquerda moderada, são quase inimigos dentro do próprio governo.
À RBA, uma professora da Universidade de Buenos Aires aliada do kircherismo diz que “o fracasso é coletivo: todas as partes do Frente de Todos (a coalizão governista) têm responsabilidade, mas Alberto Fernández tem a principal, por ter feito um péssimo governo”.
Para essa fonte, não foi a suposta sabotagem de Cristina que levou a esse fracasso do governo. “Foi péssimo por ‘mérito’ próprio”, ironiza a professora. Mas, se o fracasso “foi de todos”, acrescenta, foi também de Cristina por ter sido a mentora do atual governante, que, por sua vez, “foi quem colocou Guzmán a negociar com o FMI”.
Quem governa sou eu
Em março de 2022, pouco depois de fechado o acordo com o FMI, o racha no interior do grupo governante ficou explícito. “Quando me propuseram assumir o comando, eu sabia que teria de tomar decisões e esperava que me acompanhassem, mas não me acompanharam”, afirmou Fernandez em entrevista. “Escuto todos, mas sou o presidente, e quem tem que tomar as decisões sou eu”, disse ainda.
Dois dias depois, o então ministro da Economia Gusmán manteve o discurso e declarou que o acordo com o FMI era “um passo à frente” para a “estabilização macroeconômica”. Não foi.
A bola está agora com Massa, que, de aliado de Cristina, passou a ser seu adversário, depois voltou ao peronismo kirchnerista e agora é o candidato peronista que comanda uma economia em crise, de uma coalizão rachada.