Por Luiz Prado, do Jornal da USP
Com organização geral de Mónica Vermes, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e Marcos Holler, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a coleção traz uma dupla diferente de editores por volume. O livro dedicado ao Sudeste, por exemplo, ficou sob responsabilidade de Virgínia de Almeida Bessa, pós-doutoranda do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em parceria com Juliana Pérez González, doutora também pela FFLCH.
Os artigos foram recebidos até novembro do ano passado, seguindo o processo de avaliação por pares, correções e edições que resultaram nos livros publicados em outubro. “Conseguimos fazer tudo nesse curto período de tempo porque são trabalhos que já estavam prontos. A maioria dos capítulos traz resultados de pesquisas já realizadas”, comenta Virgínia. “A coleção é mais um trabalho de divulgação dessas pesquisas do que algo inédito, voltado para alimentar os cursos de pós-graduação.”
Isso não significa que os textos são acessíveis apenas para especialistas. A editora conta que, além de excelência acadêmica, preocupação didática também orientou o processo de composição dos volumes. Uma preocupação com a linguagem e a capacidade de inserir o leitor nos temas, explica. Esses temas, por sua vez, refletem justamente os interesses recentes de pesquisa que podem ser encontrados por todo o País, configurando o que Virgínia considera uma “radiografia espontânea”.
“A chamada teve justamente o propósito de destacar os trabalhos que estão sendo produzidos na academia mas não são hegemônicos”, explica a editora. “E mostrar que existem pesquisas feitas fora do eixo Rio-São Paulo, uma produção que só recentemente começou a se multiplicar, por conta, inclusive, da abertura de cursos de pós-graduação.”
Músicas de todo o Brasil
“Ao propor uma coleção sobre as histórias das músicas no Brasil, assim, no plural, a Anppom vem consolidar a superação de dois velhos paradigmas que, durante muito tempo, orientaram os estudos produzidos no País sobre as músicas do passado”, escrevem Virgínia e Juliana na Introdução do volume sobre o Sudeste.
“O primeiro deles é a concepção totalizante e metodologicamente unitária implícita na disciplina História da Música, ainda não totalmente suplantada nos cursos superiores. Além de ressaltar a diversidade de narrativas sobre os processos históricos envolvendo a produção musical no Brasil, o uso do plural é um convite à diversificação de objetos, à proposição de múltiplos olhares e à apropriação de diferentes métodos, teorias e abordagens, muitos deles resultantes de diálogos interdisciplinares.”
No livro dedicado ao Sudeste são 12 capítulos, escritos por pesquisadores e professores com formação universitária na área da música, mas com diálogos interdisciplinares, sobretudo com a antropologia, a sociologia e a história, além de outras áreas do campo das artes. Os textos tratam das relações entre música e mercado, características de instrumentos musicais, trajetórias biográficas, estratégias de resistência cultural de grupos tradicionalmente excluídos e a tensão entre memória e exclusão nas narrativas hegemônicas da historiografia musical. Da música experimental contemporânea da metrópole às tradições dos tambores japoneses em Atibaia, surgem abordagens etnográficas preocupadas com temas como memória e identidade.
“A coletânea de trabalhos apresentada neste livro demonstra o quanto as histórias das músicas no Brasil se beneficiam do diálogo com variadas disciplinas e se constroem na fronteira entre diferentes saberes, valendo-se não apenas dos conhecimentos oriundos da academia e do mundo letrado, mas também dos saberes tradicionais, da história pública e da práxis artística”, escrevem as editoras.
Coube a Inez Martins, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), e Thais Rabelo, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), o livro dedicado ao Nordeste. “Se, de um lado, a Região Nordeste surge de uma paisagem imaginada para o País em um tempo posterior à sua própria constituição territorial, por outro lado, ela é o resultado da multiplicidade de vidas, histórias, práticas, costumes que, em seu apagamento, dá origem ao discurso imagético para a região”, escrevem as editoras. “É sobre esse Nordeste plural, de histórias não lineares, de tradições, singularidades e conexões que os textos presentes neste e-book se propõem a refletir.”
Contando com a colaboração de pesquisadores de oito Estados da região, o volume é organizado em duas seções. Na primeira, o foco está nas práticas musicais em seus diversos contextos históricos, indo do registro escrito à tradição oral, em narrativas que procuram abordar visões panorâmicas sobre os Estados nordestinos. Já a segunda parte privilegia instituições, músicos e obras em seus contextos locais, substituindo uma visão mais generalista por imersões aprofundadas. Bandas de música, trajetórias individuais, músicas de povos nativos e a música religiosa ligada à Igreja são alguns dos tópicos que surgem na seção.
“As pesquisas apontam o quão viva e pulsante era a cena musical nordestina desde o século 16, do litoral ao sertão”, escrevem as editoras. “Por meio deste volume, os autores e autoras apontam suas descobertas, hipóteses e anseios; evidenciam elementos marcantes e também lacunas que precisam ainda de estudo e aprofundamento, desembocando na conclusão de que ainda há muito a ser investigado sobre o Nordeste musical brasileiro.”
Fernando Lacerda, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), e José Jarbas Pinheiro Ruas Junior, da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), são os editores do volume dedicado à região Norte. Com seis textos, o e-book passa pela música na Amazônia durante o século 18, a presença da música operística na região durante o Império e as primeiras décadas da República, o papel da mulher na educação musical em Belém, da belle époque até meados do século 20, a música em Roraima e um estudo sobre a viola de buriti, instrumento encontrado no sertão de Tocantins.
O livro que trata da região Sul, por sua vez, foi editado por André Acastro Egg, da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), e Márcia Ramos de Oliveira, da Udesc. De acordo com os editores, a publicação procurou trabalhos que abordassem o intercâmbio entre música e mídias, questões históricas sobre fazeres musicais, a relação com instituições importantes para a música da região, a trajetória de musicistas, os diálogos com a crítica e a teoria músical e o lugar das tradições orais de indígenas, caipiras, afro-brasileiros e migrantes.
“A partir da avaliação da equipe editorial e do conjunto de pareceristas que contribuíram para que essa coleção viesse a público, resultaram os capítulos que se mostram representativos da região Sul ao abordar os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, seja pela autoria dos textos e das instituições participantes, seja pela diversidade temática contemplada”, escrevem os editores na abertura do volume.
Fechando a coleção, a região Centro-Oeste ficou sob responsabilidade de Ana Guiomar Rêgo Souza e Flavia Maria Cruvinel, ambas da Universidade Federal de Goiás (UFG). Na introdução ao volume, as editoras destacam a contribuição que a coleção traz para a integração dos múltiplos atores envolvidos nas práticas musicais e musicológicas do Brasil, para além do predomínio das produções do Sudeste e da invisibilidade de outras localidades. “Uma iniciativa”, comentam Ana e Flavia, “atenta às reflexões de uma historiografia contemporânea concernente a visões que compreendam o regionalismo não como oposição ao globalismo, mas como necessário contraponto, uma vez que regiões são lócus onde atores sociais de fato vivem e atuam”.
Famílias musicais de Goiás no século 19, a musicalidade do Mato Grosso do Sul, a música e a liturgia católica, o lundu-canção na sociedade goiana no final dos 1800, as festas do Mato Grosso e o lugar e o papel das mulheres nos saraus e serestas da cidade de Goiás na passagem do século 19 para o 20 são alguns dos assuntos abordados pelos pesquisadores no volume.
“As histórias das músicas brasileiras redigidas no século 20 têm em comum uma pronunciada ênfase na música da região Sudeste”, escreve Marshal Gaioso Pinto, professor do Instituto Federal de Goiás, no prefácio que assina para o volume sobre o Centro-Oeste. Segundo Gaioso Pinto, essa historiografia, que aparece em trabalhos como os de Vincenzo Cernicchiaro, Renato Almeida e Vasco Mariz, não costumam se afastar do eixo Rio-São Paulo, com referências apenas esporádicas à música feita na Bahia ou em Pernambuco.
“Difícil saber em que medida essa situação se deve à escassez dos eventos musicais das regiões não contempladas na nossa bibliografia ou ao estágio de desenvolvimento da musicologia que teria por objeto de estudo esses eventos. As pesquisas de outras regiões, raras e por isso de grande valor, em geral não chegam a alcançar circulação nacional nas nossas histórias. Especificamente sobre a Região Centro-Oeste, a situação não poderia ser mais desencorajadora”, escreve Gaioso Pinto. “A Anppom, ao criar a série Histórias das Músicas no Brasil, dá um passo importante na tomada de consciência do tamanho do Brasil musical, ampliando as fronteiras do nosso universo de referências.”
Histórias das Músicas no Brasil, de Mónica Vermes e Marcos Holler (organização), Anppom, 5 volumes, disponíveis gratuitamente no site da Anppom.