Por Marcel Leite, do Mídia Caeté
A tragédia no Rio Grande do Sul trouxe um enorme alerta sobre as consequências da negligência e como é preciso ter mais respeito e atenção em relação ao meio ambiente. Embora o negacionismo climático venha cooptando mais e mais adeptos, existem mecanismos de prevenção e cuidado em casos de catástrofes relacionadas às condições do tempo.
É o caso do Plano de Mudanças Climáticas, um planejamento estratégico que visa reforçar a resiliência e capacidade de adaptação aos riscos referentes ao clima o e aos desastres ambientais. A elaboração desse documento está entre as medidas alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidades (ONU). Mesmo com tamanha importância, de acordo com levantamento do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), vinculado à Secretaria de Estado de Economia e Planejamento (SEP), do Espírito Santo (ES), Maceió está entre as capitais que não possuem tal plano. Dessa forma, a cidade não apresenta uma estratégia local para gestão do clima.
A ausência do Plano de Mudanças Climáticas é muito grave, porém não é exclusividade de Maceió. Segundo levantamento feito no início de maio – a partir da consulta com as respectivas administrações municipais – além da capital alagoana, estão na lista: Porto Alegre (RS), Belém (PA), Boa Vista (RR), Macapá (AP), Manaus (AM), Palmas (TO), Porto Velho (RO), Aracajú (SE), Maceió (AL), Natal (RN), São Luiz (MA), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Goiânia (GO) e Vitória (ES).
Ao jornal O Globo, o diretor geral do IJSN, Pablo Lira, afirmou que não ter esse planejamento atualmente traz severos riscos à população.
“O levantamento demonstra uma certa negligência dos gestores para a elaboração desse plano em 15 capitais. Se o poder público planeja e estabelece estratégias de gestão local para prevenção, mitigação e adaptação aos eventos climáticos extremos, ele consegue salvar vidas, amenizar danos e reduzir impactos de eventos extremos nos municípios”, diz Pablo Lira
O diretor continua sua fala pontuando que os eventos extremos se tornarão mais recorrentes, fato que exigirá mais preparação dos municípios para monitorar riscos e mitigar consequências. “Esperávamos que a pesquisa demonstrasse que a maioria das capitais brasileiras teriam cumprido a elaboração do plano municipal de mudanças climáticas, e o resultado é preocupante. Demonstra um nível de negligência e falta de responsabilidade dos gestores dessas 15 capitais”, afirma.
O Plano de Mudanças Climáticas é fundamental também para estabelecer metas para redução de emissões de poluentes, planejar o manejo de populações em áreas de risco e traçar projetos para o desenvolvimento sustentável.
Ausência de Plano Diretor e Plano de Mobilidade Urbana
O Plano de Mudanças Climáticas não é o único planejamento em falta na capital alagoana. É de conhecimento público que Maceió vive um cenário caótico em seu trânsito, provocado pela falta de estrutura, pela ausência de uma atualização urgente do seu Plano Diretor e pelo crime ambiental da Braskem, cuja ação provocou o afundamento de diversos bairros e a consequente interdição de vias importantes.
Nesse contexto, a Prefeitura de Maceió não enviou a tempo o Plano de Mobilidade Urbana (PMU) – o prazo determinado pelo Ministério das Cidades para municípios com mais de 250 mil habitantes se encerrou no último dia 12 de abril.
De acordo com a lista mais recente, atualizada no dia 16 de abril e disponibilizada no site do ministério, a capital alagoana não consta entre as cidades que enviaram a documentação. Agora, sem esse envio, Maceió entra no grupo daquelas que não podem receber verbas federais para a mobilidade urbana.
A entrega do PMU é obrigatória para o recebimento de repasses do Governo Federal desde o ano de 2012. O documento se trata de um planejamento que contempla a circulação de pessoas e bens, além dos veículos, priorizando o pedestre e o transporte coletivo. Ele também precisa estar alinhado com as regulamentações urbanísticas e com as metas ambientais estabelecidas.
O professor Dilson Ferreira explica ainda que os dois planos estão intrinsecamente ligados e que se complementam para o desenvolvimento de qualquer região e relembra que Maceió não pode se dar ao luxo de abrir mão de recursos federais tão fundamentais.
“Os dois planos conversam entre si, pois o PMU dá subsídio para o Plano Diretor e ambos são instrumentos importantíssimos para a cidade. Eles compõem um conjunto de instrumentos. Não ter o plano de mobilidade é abrir mão de recursos federais disponíveis para projetos de mobilidade integração. Assim, você abre mão realmente do desenvolvimento do município. Não adianta: se você não tiver para onde se deslocar, a cidade não se desenvolve”.
Temporais na capital, alagamentos e falta de planejamento
Na quinta-feira, 15 de abril, poucas horas de chuva já foram o suficiente para apresentar o cenário de transtorno generalizado causado pela falta de infraestrutura em Maceió: alagamento, congestionamento intenso e interdição de vias.
Imagens e vídeos compartilhados pela população demonstram a gravidade provocada pela ausência de esgotamento sanitário, além das consequências das numerosas ruas interditadas pela Braskem, Defesa Civil e própria Prefeitura de Maceió, gerando ainda mais transtornos de mobilidade e dúvidas sobre a situação de suas galerias.
Já na semana passada, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu alertas sobre as intensas chuvas em todo o Estado. Além do Inmet, a Superintendência de Prevenção em Desastres Naturais (SPDEN) da Secretaria do Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH/AL) emitiu avisos sobre a possibilidade de chuvas intensas e acúmulos significativos de água na metade leste de Alagoas, mais especificamente no Litoral, na Zona da Mata, no Baixo São Francisco e no Agreste.
O integrante do movimento BR Cidades em Maceió, arquiteto e urbanista Airton Omena, resume o problema a uma fase crítica de planejamento e urbanização enfrentada pela capital alagoana, somados a uma intensificação das instabilidades climáticas.
“O atraso na revisão do Plano Diretor numa cidade com tantos colapsos em andamento, do afundamento pela mineração, a erosão costeira e a intensificação dos períodos de chuva e calor, afetam diretamente o direito à cidade previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade”, pontua o arquiteto.
E finaliza:
“Dito isso, essas constantes inundações e consequente destruição de patrimônio público e privado pelos alagamentos, como temos visto acontecer recorrentemente nos primeiros meses de 2024, são um evidente reflexo do despreparo do município com seu número insuficiente de técnicos para resolver de forma sistemática a quantidade de problemas que a cidade acumulou durante os anos de falta de planejamento e ordenamento territorial fundamentado na função social da terra e dos deveres da municipalidade em garantir a qualidade de vida na cidade”.
Omena faz referência, ainda, à obra ‘Cidade Restinga’, de Ivan Fernandes Lima, para tratar sobre as questões de chuva e drenagem a partir do bioma onde a cidade cresce: “é apontado o claro descompasso das políticas públicas e projetos e sua inserção, dissonância com a paisagem e a realidade da geografia natural do município”.
Esse descompasso é caracterizado por alguns problemas, segundo Omena, como a constante impermeabilização do solo, verticalização da cidade em áreas de APP e a pouca arborização urbana e saneamento ecológico deficiente.
O que diz a Prefeitura de Maceió?
A Mídia Caeté entrou em contato com a Prefeitura de Maceió. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Maceió (Semurb), a gestão “está em fase de contratação para a realização de uma consultoria técnica especializada para a criação de um Plano de Mudanças Climáticas. Com processo aberto e instaurado desde fevereiro de 2024, o município de Maceió se prepara para atender os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e pensar em estratégias e soluções ambientalmente concretas para enfrentar a crise global climática prevista para os próximos anos”.
A prefeitura informou ainda que “a Defesa Civil Municipal criou e coordena o Previne Maceió, plano de enfrentamento ao período chuvoso. Neste plano, há ações realizadas em quatro etapas: 1. Prevenção; 2. Preparação; 3. Resposta; 4. Restabelecimento. As ações começam a ser implementadas meses antes do início do período chuvoso, preparando a cidade para passar pelo período chuvoso com o menor dano possível. O plano tem em seu escopo as atividades desenvolvidas por cada pasta em situações de eventos extremos, como fortes chuvas e/ou inundações.”