Por Mateus de Albuquerque, do Medium
A cena circulou nas redes: no dia 3 de maio, durante o Jornal do Almoço, telejornal vespertino da RBS, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul, o repórter Marco Matos passou a questionar dois cidadãos, em um barco, sobre a situação em que estavam em meio à enchente, no município de Arroio dos Ratos (RS). Não são poucas as vezes em que a RBS foi criticada por focar excessivamente em depoimentos lamuriosos das vítimas da tragédia, evitando posicionamentos questionadores às autoridades públicas.
Um dos moradores surpreende Marco e, ao invés da tradicional resposta que narra sua situação, passou a fazer uma denúncia ao vivo, gravíssima: desde que a mais-que-centenária mina de carvão mineral da Copelmi na cidade teve a instalação de novos diques, os alagamentos passaram a ser recorrentes. Segundo o morador, há até processo no Ministério Público estadual, sobre a questão. Desconcertado, Matos se afastou do morador.
O assunto permaneceu em silêncio na imprensa. Eu, particularmente, fiquei um tanto quanto pasmo: como ninguém apurou a gravidade dessa denúncia? Isso me motivou a ir atrás de algumas histórias da Copelmi, publicadas nesse fio. Em resumo, a Copelmi é extremamente próxima do poder e influente. Além disso, os problemas relatados pela população à mina de Arroio dos Ratos não são inéditos.
Fui atrás então do denunciante, cujo nome sequer foi mostrado na reportagem do Jornal do Almoço. Encontrei o meu homônimo, Mateus Rodrigues, importunando vários moradores de Arroio dos Ratos que localizei na internet. A esses o meu muito obrigado. Devido às condições do sinal de internet e telefone, Mateus teve de falar comigo por escrito. Segue, abaixo, a entrevista que a RBS não fez.
Qual o seu nome? Você é de Arroio mesmo? Mora desde quando aí? O que faz da vida?
Meu nome é Mateus Barros Rodrigues. Moro em Arroio dos Ratos há 41 anos, e há 29 no endereço atual. Sou motorista.
Na entrevista rápida ali na RBS, você disse que desde que a Copelmi colocou os diques na mina de Arroio, as enchentes começaram a aparecer. Pode explicar um pouco mais isso?
Sim, há 9 anos começou a mudar nossas vidas, pois a mineradora fez uma contenção (dique) no lado direito do arroio que passa margeando a cidade. Esta contenção é feita para a proteção da mina, para não parar os trabalhos nos dias de chuva e de cheia do arroio. Quando o carvão do lado direito do arroio se esgotou, a Copelmi começou a exploração do carvão no lado esquerdo, assim vieram para perto da cidade, cerca de 5 metros das casas.
Aí fizeram uma nova contratação no arroio, desta vez do lado esquerdo, para proteção da mina, e assim diminuindo a largura do espaço onde o arroio naturalmente teria para diluir o fluxo das águas. Com essas contenções, as águas das sangas (arroios pequenos ) que cortam os bairros dentro da cidade, 3 pequenos arroios, ficaram com limites de vazão, fazendo que as águas fiquem repensada nos bairros mais baixos. A enchente iria acontecer, a diferença seria que as pessoas teriam tempo de sair, tempo de tirar suas coisas, tempo de salvar tudo o que foi adquirido com dificuldade por tanto tempo de trabalho.
Como você acredita que a não instalação dos diques teria afetado nas chuvas de agora?
Durante os primeiros 20 anos, desde que passei a morar no atual endereço, não tive enchente. Só foi começar a acontecer depois da chegada da mineração. Se não tivesse feito os diques, teria os campos e a mata virgem da beira do arroio para as águas espalharem até chegar nas casas. Seria mais lenta, a chegada das águas, isto se é que chegaria às casas.
Na entrevista você também mencionou uma denúncia pelo MP. Quando essa denúncia foi feita? Como está andando isso?
Tenho várias denúncias no Ministério Público e no dia, horas antes de acontecer, fiz uma denúncia às 12:30 pro WhatsApp do MP e tive como resposta que estão entrando em contato e deram 24 horas pra empresa fazer alguma coisa para ajudar a amenizar a cheia na cidade.
A Copelmi demonstrou alguma iniciativa de tentar compensar os estragos causados pelos diques?
Não, a Copelmi não vai compensar, pois a empresa alega que segue todas as normas de segurança e que são cobrados pelos órgãos estaduais e municipais.
A mina da Copelmi em Arroio dos Ratos tem mais de 100 anos. Do seu conhecimento, você conhece outros problemas provocados pela mina aos moradores de Arroio, para além dessa situação dos diques?
As minas próximas à cidade têm uns 10 anos. Tem problema nas casas como rachaduras, pó de carvão e barulho alto de movimento de máquinas pesadas à noite.
A imprensa está pautando muito pouco a relação das mineradoras com as chuvas de agora. A que você acha que se deve isso?
A imprensa do estado do Rio Grande do Sul não faz nada de notícia relacionado a isso, pois é uma mineradora muito grande e que gera um valor alto de imposto, então não tem interesse do estado, nem do município de expor esses problemas. Assim como aconteceu em Minas Gerais com a Vale só será notícia aqui quando a Copelmi matar inúmeras famílias com sua mineração.
Para finalizar, como está agora a situação de Arroio dos Ratos?
A atual situação de Arroio dos Ratos é de muita sujeira, pessoas com suas casas e comércios destruídos, pouco apoio das autoridades e nenhuma responsabilidade da Copelmi. A mineradora colocou 2 caminhões pipa nas ruas pra lavar as casas e calça das e está usando isso como portfólio de ajuda humanitária.
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O Mateus, assim como outros moradores de Arroio dos Ratos e do Rio Grande do Sul inteiro, perdeu tudo em sua casa. Ele pediu para divulgar esta chave pix: 008.181.140-37 para quem quiser ajudar.