quarta-feira 15 de janeiro de 2025

Desastres naturais: imprevisibilidade e negligência

Perdas humanas e materiais
Reprodução

Por Geraldo Eugênio*

A tragédia que se abate sobre  o Rio Grande do Sul comove a todos brasileiros e perplexidade em todo mundo. A fúria das chuvas que caíram em uma ampla região concentradas em poucos dias é ameaçadora e em poucos dias as calhas dos rios e arroios transbordaram, as barragens encheram e algumas cederam, resultando  num rastro de morte e destruição.

Há poucos meses uma situação similar se deu no litoral de Pernambuco, atingindo de forma violenta os municípios de Recife e Jaboatão dos Guararapes. Afinal em algumas localidades foram mais de trezentos milímetros de chuva em um período inferior a vinte e quatro horas.

Em ambos os casos falamos de trombas de água que desabam sobre áreas delimitadas em um curto período em intensidade aterrorizante seja nos morros e córregos, seja nas planícies. Não há como se evitar certas ocorrências mas em parte dos casos ao se analisar os alertas, sejam técnicos ou não nos últimos dias e meses, há de se considerar que nem sempre as medidas mais acertadas foram tomadas. Tendo-se a impressão de que em boa parte dos casos os gestores apostam como se fosse um jogo qualquer e ficam torcendo para que o enunciado não ocorra. Pode até ser que em alguns momentos tenham sorte o suficiente para que não ocorra, mas o mais prudente é seguir os estudos e previsões e estarem preparados para os desastres sejam eles que configuração e proporção apresentarem.

Há um problema de gestão

No caso das regiões metropolitanas do Brasil há um denominador comum: ocupação indevida, consensuada, de áreas de reserva legal, preservação permanente e relevos de risco. Os gestores, por inépcia ou conveniência tentam fazer de conta que não ver os crimes ambientes que se cometem em suas jurisdições e na hora da cobrança, sem o menor constrangimento, tenta jogar a culpa para as administrações passadas, quase sempre tão desastradas quanto às atuais, ou para esferas que não têm muito a ver o que ocorre em sua porta. Há casos em que ao se analisar os orçamentos executados nos anos anteriores se chega à triste conclusão  de que nada ou quase nada do que deveria ter sido investido em áreas de risco foi realizado.

Uma segunda questão crítica diz respeito aos planejamentos estratégicos para as cidades e macrorregiões. Primeiramente, são obras de ficção. Documentos elaborados às pressas para se cumprir com alguma demanda de um credor ou uma legislação que exige sob ameaça de não se contar com outros recursos governamentais ou não. A terceira abordagem diz respeito à geografia humana e econômica das regiões metropolitanas em primeiro lugar.

Quase sempre, mais da metade dos recursos dos 27 entes federativos, à exceção de Brasília que, por si só é uma região metropolitana, são investidos na capital e municípios vizinhos no sentido de mitigar os efeitos da superpopulação. Para se avaliar as causas que levam à proliferação de favelas e ocupações indevidas poucos fazem o dever de casa em observar o que está ocorrendo nos municípios mais distantes seja a melhor opção de conter os fluxos migratórios em direção à capital dos estados e permitir uma vida mais digna aos seus cidadãos, em particular quando se leva em conta o fator habitação. 

Ninguém em sã consciência optará por construir uma  pequena casa em um córrego, morro ou área ribeirinha, caso conte com outra escolha. Considerando que o valor dos imóveis disponíveis à construção de conjuntos e condomínios populares é extremamente elevado, a opção que melhor se observa é lavar as mãos e sempre que haja alguma comoção se correr para as respostas mitigadoras à depender da conformação do relevo, à exemplo de construção de escadarias, mantas asfálticas, lonas, serviços de drenagem deficientes, quando não aterramento dos mangues e áreas baixas para se atender a demanda dos conhecidos planos diretores que levam em consideração bem mais a demanda do setor imobiliário do que a vida das pessoas e o bem estar da comunidade.

Por incrível que pareça, quase sempre há um aviso prévio

No caso de situações como as duas mencionadas: as regiões metropolitanas de Porto Alegre e Recife, há de se considerar que  os sistemas de previsão são falhos bem como os mecanismos de alerta uma vez somente em casos específicos, mesmo em país mais evoluídos do ponto de vista científico, há como se estimar não apenas a quantidade mas em particular os danos e as consequências de uma enchente, de uma seca ou de uma “tromba d`água”. De uma coisa estejam certos, nem que seja em um período de quarenta e oito horas alguns sinais do que poderia ocorrer ficaram claros para quem anda com os olhos  abertos. Valendo esclarecer que se considerando sua peculiaridade, o mesmo se dá em relação às secas.

O jogo de empurra-empurra

Tal como na maioria dos casos, o governo do Rio Grande do Sul, sem a menor cerimônia, tenta culpar o governo federal e a natureza por suas falhas. Afinal é este mesmo ente que literalmente destruiu a legislação ambiental que protegia as áreas de riscos em função do ´desenvolvimento` urbano falso e enganoso. O governo federal, ao qual cabe contar com sistemas de informações suficientemente capazes de prever situações de risco, não o faz da forma devida. Seja para delitos de todas as ordens, inclusive os ambientais. Os gestores municipais, quase sempre sócios ou reféns da expansão imobiliária seja horizontal, ocupando terrenos impróprios, ou vertical que adiciona alguns pavimentos a mais nos edifícios, exercendo o ouvido de mercador e faz de conta que não tem nada a ver com o ocorrido. A sociedade também tem sua responsabilidade, em particular as lideranças que tender a ver o resultado das ações a um curto prazo, também fazendo de conta que secas, enchentes, e outros desastres naturais são coisas do passado ou de um futuro com o qual não se deve preocupar uma vez que já não estarão mais aqui.

Enquanto isto a natureza continuará enviando sua fatura

O fato que toda esta pantomima pode enganar aos que pretendem ser enganados mas não à natureza. Sua capacidade de processamento de dados é implacável, bem como a de armazenamento de informações e, sem exceção, um dia a mais ou a menos, a fatura é emitida e chega causando medos, apreensões, mortes, prejuízos e desculpas. Além das falsas lamentações, a certeza de que a próxima calamidade já não ocorrerá em sua gestão. Uma conclusão  sombria mas, lamentavelmente é assim que a atenção com a terra tem sido conduzida. Seja no litoral ou no semiárido. O padrão é similar.

*Engenheiro Agrônomo, ex-Secretário de Agricultura de Pernambuco, Ex-diretor da Embrapa e atualmente Professor Titular da UFRPE-UAST, Serra Talhada, PE. Tem se dedicado à gestão de secas e mudanças climáticas no Semiárido.

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