quarta-feira 27 de novembro de 2024

Sob chuva, Brigada Militar despeja famílias afetadas pela enchente de prédio público em Porto Alegre

Desocupação ocorreu sob chuva e vigência de alerta meteorológico da Defesa Civil. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, esvaziamento do prédio se deu por risco de queda de marquise – a polícia, entretanto, enfileirou ocupantes debaixo dessa mesma cobertura

17 de junho de 2024 3:53 por Da Redação

Despejo ocorreu sem decisão judicial apresentada ou permissão de acesso à Defensoria Pública. Foto: Vinícius Cassol/MLB

Por Gregório Mascarenhas, do Matinal 

Durou menos de 12 horas a Ocupação Sarah Domingues, que habitou o prédio da antiga sede da Fundação Estadual de Proteção Ambiental, um edifício público estadual de 13 andares, interditado desde 2013. Apesar da vigência de um alerta meteorológico para Porto Alegre, de chuva intensa com risco de alagamentos, ventos fortes e descargas elétricas, a Brigada Militar foi acionada para conduzir a desocupação no começo da tarde deste domingo, dia 16 de junho.

Segundo o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), a ocupação era composta por famílias de várias localidades afetadas pelas inundações no Rio Grande do Sul, sobretudo da zona norte de Porto Alegre, de Canoas e Eldorado do Sul. Outras duas ocupações já haviam tomado forma no Centro Histórico de populações afetadas pela enchente de maio, uma na rua Fernando Machado e outra no antigo prédio do INSS.

De acordo com a assessoria de comunicação da polícia, o despejo de cerca de 200 pessoas deu-se “em razão do perigo à segurança das pessoas na edificação, que já havia sido interditada por apresentar risco de queda de marquises” – entretanto, ocupantes foram enfileirados debaixo justamente dessa cobertura, logo depois do esvaziamento do prédio público, que fica no Centro Histórico, entre as avenidas Júlio de Castilhos e Mauá, na esquina com a rua Carlos Chagas.

A polícia informa que famílias de ocupantes foram encaminhadas em ônibus Brigada Militar à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento, no Palácio da Polícia. Questionada pela reportagem sobre qual órgão teria acionado a Brigada para a desocupação, tanto a assessoria do governo estadual quanto a Secretaria de Segurança Pública (SSP) não responderam.

Ocupantes foram enfileirados debaixo justamente da marquise em risco de queda | Cortesia

“Chegaram com porrada na porta”

Durante a ação da polícia, houve utilização de gás de pimenta dentro do prédio, segundo relato do arquiteto Raiê Roca Antunes, integrante do MLB. Para ele, a operação não teve “nenhum amparo legal”. “Chegaram com porrada na porta para derrubar, causando mais estrago do que as pessoas que estavam lá dentro”, relatou. “As famílias foram desabrigadas pela segunda vez – primeiro pela inundação, agora pelo governo do estado.”

Ele avalia que o prédio apresentava boas condições estruturais, apesar de diversos problemas – depois de saqueado, sequer tem fiação elétrica. Tampouco foi limpo após a enchente, e tinha o primeiro andar ainda tomado por lama. “Com investimento, poderiam ser 13 andares de moradia”, argumentou.

A vereadora porto-alegrense Biga Pereira (PCdoB) esteve presente na desocupação, e afirma que se apresentou como possível mediadora, por ser integrante da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana na Câmara Municipal, mas que foram, ela e sua assessora, fisicamente agredidas por dois policiais. “Já fizemos boletim de ocorrência e exame de corpo de delito, e representarei contra os brigadianos que nos agrediram”, afirmou.

“Nossa cidade foi tomada – qualquer pessoa vê em qualquer esquina – pela especulação imobiliária, pela construção civil, e assim o povo que não tem moradia é tratado”, acrescentou a parlamentar, em entrevista à Matinal.

De acordo com o Censo, o número de imóveis que não estão permanentemente ocupados em Porto Alegre mais que dobrou entre 2010 e 2022. No Centro Histórico, cerca de 30% estão vazios, segundo levantamento do pesquisador André Augustín, publicado no Sul21. A região é uma das que concentra prédios públicos que estão sem uso, segundo levantamento da Faculdade de Arquitetura da UFRGS.

Defensoria Pública só teve acesso ao prédio após desocupação

O despejo ocorreu sem decisão judicial apresentada e sem permissão de acesso à Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE). “Depois da desocupação física do prédio, foi permitido à DPE que ingressasse no edifício. Conversamos com o comando da operação, e a orientação da BM era identificar todas as pessoas, lavrar um termo circunstanciado – o que se faz quando o delito em tese seria de menor potencial ofensivo – por esbulho possessório”, relatou o defensor público João Otávio Carmona Paz à reportagem.

De acordo com uma nota à imprensa emitida pela BM, a retirada da população desabrigada foi realizada “após negociação com os ocupantes, mediante identificação. Os ocupantes que se negaram a se identificar optaram por serem conduzidos à 2ª DPPA para assinarem termo circunstanciado para liberação. Foi oferecido a todas as famílias encaminhamento para abrigos organizados com estrutura adequada e assistência social”, diz o comunicado.

Questionada sobre a fila de ocupantes debaixo da marquise em risco de queda, a Secretaria de Segurança Pública não respondeu até a publicação desta reportagem.

O MLB, todavia, diz que ocupantes foram levados a abrigos próprios, do movimento ou de entidades parceiras, em ônibus organizados pelo próprio movimento.

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