sábado 7 de setembro de 2024

A Rota do Mar e os rotos da praia !

É triste ver um lugar tão bonito e aprazível por Natureza, se tornar num acumulado de dificuldades para seus moradores, repasto eleitoral para profissionais da politica e dinheiro fácil para os especuladores imobiliários e seus laranjas.

18 de junho de 2024 7:32 por Da Redação

 

Foz do riacho Doce, em 1974. O rio ainda era balneável, com suas margens bordadas de coqueiros. Arquivo: Stanley de Carvalho

 

Por Stanley de Carvalho (*)

A família de minha mãe é de Riacho Doce, mas seus filhos somos todos nascidos em Viçosa,Al.
No final dos anos dos 70’s e inicio dos 80’s quando passei a frequentar mais assiduamente o então Distrito de mesmo nome este deveria ter perto dos 1200 moradores e o riacho que lhe deu nome ainda era balneável, com suas margens bordadas de coqueiros, com um aspecto bem provinciano e costumes bem parecidos com os dos municípios interioranos que se seguiam ao longo do Litoral Norte do estado. Garça Torta, vizinha, parecia ser um grande sitio ladeado por vila de pescadores.

A Localidade que mais tarde daria nome a uma conhecida novela se sabia existir mais por causa de seus bolos artesanais e lagostas que eram vendidos ao longo da estrada ou ao lado da Igreja do Livramento, no centro da Cidade, do que pelo petróleo maldito que um dia jorrou de suas entranhas, sugados pelo destemor do subversivo Edson de Carvalho. Mas, já está longe há décadas esse tempo de frustrada redenção para o Riacho Doce.

Mané da Auta, poeta e repentista popular, foto de 1984. Arquivo: Stanley de Carvalho.

A Descoberta do Éden

No começo dos 80’s, quem mais me chamava a atenção para o lado de cá eram o Bar Jangada, o Zinga Bar e a Casa da Bahia que aglutinavam “gente da Cidade”, alinhada e boêmia. Contrariamente, Garça Torta, recebia os primeiros “mochileiros”, excêntricos, cabeludos e barbudos, com sotaques sulistas, tecendo artesanato, pintando quadros e fumando seu baseado, na praia inóspita ou em encontros musicais noturnos em suas areias e vielas.

Riacho Doce ficava lá, a uns 600 metros de Garcia Torta. Religiosa, pacata, dormindo ás 22 horas, quando era desligado o gerador de energia e acordando de manhãzinha, para sair com suas jangadas ou subir nos coqueiros, para tirar o côco seco que iria ser usado para fazer os pé-de-moleque, brasileiras e outras iguarias.

Seresta na Lua Cheia – 1976. Arquivo: Stanley de Carvalho

A rotatividade ¨hippie¨ fez a Garça Torta ficar mais urbana do que o Riacho Doce que permaneceu tradicionalista. Ali as moçoilas começaram a usar roupas mais ousadas, tomar uns goles de cervejas nas barracas da praia, ensaiarem um namoro mais avançadinho, mas, também aprenderam dotes artisticos, iniciação ao surfismo, e até a preocupação com o meio ambiente. Garça Torta teve a primeira Lan-House da Região, a primeira confecção e vendas de roupas de praia, a primeira locadora de vídeo, a primeira Escola de Artes, a primeira escolinha de surfe e o primeiro fabrico de pranchas. O Riacho Doce pouco se apropriou das influências boas e positivas trazidas pelos mochileiros, a não ser o Mestre Garaba, preto, pobre e analfabeto, que, da convivência com os forasteiros¨ veio a se tornar um conhecido artesão de esculturas, usando pedras do mar. Garaba atualmente, com mais de 60 anos, vive afastado dos seus trabalhos; por motivos de saúde.

Hora de Acordar

Nos anos de 80, chega à Maceió o saudoso jornalista Reinaldo Cabral, trazendo do Sul do País a ideia de organização das comunidades das periferias, através da luta reivindicatória, para solução dos inúmeros e eternos problemas com que conviviam essas populações, em virtude do descompromisso dos parlamentares que eram eleitos, sucessivamente, e do desinteresse dos gestores públicos nos postos chave dos Poderes Executivos. Eu era funcionário publico e tinha como colega de trabalho José Antônio Magalhães Monteiro, sociólogo, negro, ex-padre maranhense, retornando do exilio político no Canadá e recém-chegado à Maceió, e também amigo da comprometida professora estadual Maria Ivone. Zé- e isso eu disse a ele várias vezes, foi um dos poucos comunistas coerentes a quem tive a felicidade de conhecer e que viria se tornar um grande amigo meu.

José Antônio Magalhães incentivador dos movimentos sociais de Riacho Doce e Garça Torta, nos anos 80, faleceu em 19 de junho de 2014.  Arquivo: Stanley de Carvalho.

Nessa época, as beijuzeiras de Riacho Doce viviam perseguidas no Centro de Maceió e isso serviu para nós, como ponto de partida para a criação de um vitorioso movimento comunitário que viria trazer inúmeras e importantes conquistas para as Comunidades de Riacho Doce e Garça Torta, ainda hoje presas fáceis de falsos lideres e políticos profissionais que as atrasam há décadas. Infelizmente, após a saída da nossa Diretoria, o Movimento sofreria descontinuidade, em função da despolitização que massacrou as gerações que se sucederam.

Apresentação da Banda Esquenta Muié de Marechal Deodoro, na Praça José Emídio, em Riacho Doce, em 1984. Arquivo: Stanley de carvalho.
Rainha do Beijú de 1985. Arquivo: Stanley de Carvalho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Beleza e Incertezas

Hoje, Riacho Doce, onde moro há 40 anos, voltou a ser, como vários outros, um Bairro atrasado, cheio de problemas estruturais, com alto índice de desemprego e meta de visitas quadrienais de políticos e aspirantes que conspiram contra a soberania e a cidadania dos incautos moradores das Periferias. Suas praias começam a ser tomadas pela especulação imobiliária que poluem as praias e precarizam os serviços de agua, esgoto, energia. Cheio de problemas estruturais ainda é forçada a ver o Estado e Prefeitura investirem milhões no Turismo, engodo que, do mesmo jeito que a SALGEMA nos anos 70, chega prometendo o paraíso, mas traz apenas problemas e perdas para as populações nativas.

É triste ver um lugar tão bonito e aprazível por Natureza, se tornar num acumulado de dificuldades para seus moradores, repasto eleitoral para profissionais da politica e mina de dinheiro fácil para os especuladores imobiliários e seus laranjas.

(*) Engenheiro civil e compositor.

 

 

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1 Comentário

  • Conheci Stanley na Secretaria de Agricultura em Maceió,por afinidades políticas e culturais nos tornamos amigos.Grande cartunista, ainda guardo com carinho um cartum que me fez por ocasião de um curso de irrigação em Penedo; não sabia da sua trajetória artística como compositor,mas como cartunista tem talento de sobra pra dizer sem palavras a realidade em que vivemos; acho que essa veia artista ficou no passado, faço um “apelo”, Stanley volta a fazer cartuns como antigamente.

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