Partindo do princípio de que o parlamentar esteja bem intencionado e tenha a preocupação republicana de colaborar com o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), as regras utilizadas hoje para repasses de emendas necessitam de aperfeiçoamento, não apenas de visibilidade, mas, principalmente, de método.
O SUS vem sofrendo com subfinanciamento desde sempre, problema que se agrava tanto com a agregação de tecnologia necessária, quanto na disponibilidade de novos insumos, tais como medicamentos de custo elevado.
Tradicionalmente, as emendas eram utilizadas para colaborar nesse financiamento e consideravam o tamanho dos municípios, um elenco de programas de aplicação considerados como prioritários para incentivo financeiro.
Tudo dentro de um plano pensado e discutido, inclusive, com a sociedade civil organizada, mantidas nessas emendas um critério de distribuição mais equilibrado e dentro de um propósito maior.
As tais emendas PIX, no atual modelo de liberação de recursos, não obedece a nada disso. Primeiramente, não considera um plano mais abrangente para aplicação; em segundo, as propostas surgem do imaginário político que não considera as necessidades do sistema, mas, tão só e apenas, o prestígio político e o olhar da troca de vantagens. Portanto, para esse recurso, a regra acaba sendo “cada um gasta onde deseja e como acha que deve gastar”.
Tais condutas, na prática, inviabilizam a proposta de construção de um sistema de saúde descentralizado, hierarquizado por nível de complexidade e com controle social, princípios organizativos previstos na lei de criação do SUS.
A distorção ocasionada pela lógica exclusiva da vantagem política, sem considerar as necessidades do sistema, permite que cada gestor (prefeito) pense por si as mais variadas propostas, muitas absolutamente incompatíveis com o porte populacional, ou sem efeito na melhoria da realidade epidemiológica da população.
Outra distorção que pode ser destacada se dá pelo fato de, não havendo uma repartição solidária de recurso, um município recebe mais recursos que sua possibilidade de investir na melhoria do sistema de saúde e fica “inventando aplicação”, sem objetivo qualificado, enquanto para o outro falta recurso para o essencial.
Na saúde, algumas ações só são eficientes quando se tem forte homogeneidade, a exemplo de vacinação e controle de aedes. Vírus não respeita fronteira, cuidar apenas de um local sem respaldo da ciência da epidemiologia é, na prática, desperdiçar dinheiro.
Além disso, ainda tem o outro aspecto a ser considerado. Como não há lógica na distribuição de recurso, um município pequeno que receba muito recurso pode investir em melhorar sua capacidade diagnóstica, mas se não há melhoria em municípios de maior parque tecnológico, não terá pra onde enviar seu paciente. Um usuário, por exemplo, se o diagnóstico com câncer, ou outra patologia que exija serviços bem mais especializados necessitam ter o segmento de seu tratamento onde há oferta especializada, algumas das quais impossíveis de serem descentralizadas para todos os locais por falta de profissionais, mas, principalmente, por falta de lógica organizativa e de segurança.
Imagine se um município de 4 mil habitantes resolver adquirir um acelerador linear para tratamento de pacientes com câncer. A baixa utilização, por falta de gente com indicação para radioterapia naquela localidade que o serviço exige, proporcionaria mais riscos ao paciente que cuidado, devido à sensibilidade do equipamento e da necessidade de constante treinamento da equipe envolvida.
O SUS se baseia num tripé: RECURSOS HUMANOS, FINANCIAMENTO e MODELO DE ATENÇÃO. A emenda Pix atrapalha os três.
Com relação a recursos humanos, proporciona uma possibilidade de distribuição de pessoal que considera apenas o fator “poder pagar”, sem avaliar a realidade epidemiológica.
No financiamento, em Alagoas por exemplo, criou distorções de ter município com até 4 vezes mais aplicação em real por habitante/ano, na saúde, que outro e isso não ajuda na organização, (dados SIOPS).
No modelo de atenção, proporcionou que cada um pense por si, permitindo que haja implementação de serviços para apenas alguns municípios exclusivamente para sua população, desconsiderando a integralidade e a universalidade.
Em nada a emenda PIX colabora com o SUS. Se os parlamentares têm, realmente, interesse republicano, não deveriam ficar preocupados com a proibição da emenda PIX, porque ela mais atrapalha do que ajuda.