4 de setembro de 2024 8:43 por Da Redação
Por Ricardo Abramovay, do site Outras Palavras
Não há país com melhores condições de reunir a luta contra as mudanças climáticas ao esforço de proteger e regenerar a biodiversidade que o Brasil. A distância entre esses dois objetivos nos compromissos multilaterais, nos planos governamentais e nos investimentos privados é uma forte ameaça ao sucesso da luta contra aquilo que as Nações Unidas vêm chamando de “tríplice crise planetária” (clima, biodiversidade e poluição).
A presidência brasileira do G20 fortaleceu dois temas fundamentais na agenda global. O primeiro é a necessidade de que tenha início, de maneira internacionalmente coordenada, a taxação dos super-ricos. O segundo foi apresentado nas Nações Unidas em junho último e visa cumprir o segundo Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (Fome Zero). Trata-se da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
É urgente que a proteção e a regeneração da biodiversidade se desloquem igualmente para o topo da agenda global. A Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade —a COP16, em Cali, na Colômbia, a ser realizada entre 21 de outubro e 1º de novembro— é uma ocasião para que o Brasil seja protagonista decisivo nesta agenda que hoje, nem de longe, recebe a devida atenção. São muitos os desafios: pagamento por serviços ambientais, créditos de biodiversidade e patentes de organismos vivos, entre outros. Mas dois deles são especialmente importantes.
O primeiro é a interrupção imediata da destruição dos diferentes biomas latino-americanos, não só da maior floresta tropical do mundo, mas também do Chaco, da savana da Guiana, do Pantanal, do cerrado, da caatinga, da mata atlântica e dos pampas. Para isso, é urgente coordenar a inteligência policial no combate ao crime organizado, que está na origem de grande parte da devastação da Amazônia e que tem caráter claramente multinacional.
É fundamental também que o apetite dos investidores internacionais nas infraestruturas latino-americanas seja regulado e canalizado para iniciativas que respeitem os povos da floresta e beneficiem as populações dos territórios em que vão incidir.
O segundo desafio refere-se à agropecuária. O modelo com base no qual o Brasil tornou-se o epicentro do sistema agroalimentar global está fortemente ameaçado pelos eventos climáticos extremos, dos quais a atual seca na Amazônia e no cerrado é um exemplo. Grandes empresas produtoras de grãos já se deram conta de que a monotonia das paisagens agropecuárias reduz a resiliência e a capacidade de resistir à crise climática.
Pertence ao século 20 a noção, vinda da Revolução Verde, em que o caminho da riqueza está em produções monótonas, turbinadas por insumos químicos e ladeadas por área protegidas nas quais se concentraria a biodiversidade. Nosso desafio hoje é incorporar a biodiversidade ao interior da produção agropecuária.
Da mesma forma que liderou a mais importante transformação agrícola do mundo tropical no século 20, o Brasil pode ser líder na transformação ecológica do sistema agroalimentar global. A premissa para tanto é fortalecer a biodiversidade da agropecuária, não só para ampliar o leque de produtos que ela oferece, mas, sobretudo, para protegê-la diante do avanço da crise climática. A forte presença do Brasil em Cali será uma contribuição fundamental nesse sentido.
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, reproduzido com autorização do autor