21 de setembro de 2024 7:23 por Da Redação
Por Hildeberto Barbosa Filho*
Diz o poeta Sidney Wanderley, alagoano de Viçosa, que se aposentou. Mas, poeta se aposenta? Tenho as minhas dúvidas. O poeta, quero crer, é como o amante: nunca quer se aposentar. Sidney, no entanto, parece contradizer a regra, pois, depois de ter exercido o ofício poético por 45 anos (de 1976 a 2021), achou por bem se conceder “uma justa aposentadoria”.
Quem conhece Sidney, em verso e prosa, e sabe do rigor e do perfeccionismo que o dominam no trato com a palavra, não se surpreende. Autocrítico, irônico, mordaz, sarcástico, seu gesto, a princípio insólito, me parece um eloquente recado aos poetas de plantão, uma punhalada na patogênica mediocridade que grassa pelos salões culturais da república das letras.
No entanto, de fato, o poeta se aposentou. Mas o fez apenas do verso. Do verso, explorado com refinamento e desenvoltura nos dez títulos que fecham o seu legado. Títulos que trazem o exemplo de uma poética de viés construtivista, porém, sempre atenta aos apelos da matéria emotiva, o que define sua poesia como um perfeito artefato que equilibra forma e conteúdo, dentro da alta tradição do lirismo que pensa, sentindo, e que
sente, pensando.
Já, no terreno da prosa, o poeta continua em plena atividade, e me faz chegar às mãos um opúsculo, diria precioso e sugestivo, denominado Poesia etc. (Maceió: CBA editora, 2024), em cuja epígrafe, extraída de Jorge Luis Borges, a inteligência ferina se alia à argúcia do leitor, senão vejamos: “Há pessoas que sentem escassamente a poesia; em geral, elas se dedicam a ensiná-la”.
Sidney Wanderley, naquilo que entende como “especulações ociosas e considerações bem-humoradas de um poeta aposentado”, reúne uma série de pequenos textos em que autores, assuntos, obras, motivos, personagens, estilo, sutilezas da realidade estética e literária são abordados com leveza, perspicácia e humor ferino.
Drummond, Kenzaburo Oe, Raul Bopp, Belchior, Camões, Dylan Thomas, Kaváfis, Jorge de Lima e Saramago, entre outros, assim como livros, tipologias, jazz, poesia alagoana e aleatórios investimentos temáticos são como que analisados com base num minimalismo exegético a que não falta o gosto surpreendente do insight sutil e delicioso.
Sidney é um leitor especial. Um leitor agudo. Um leitor empático. Um leitor crítico. Em poucas palavras, no limite mínimo de um parágrafo ou de uma frase, vai à medula da coisa, capta o elemento essencial que caracteriza um conteúdo ou descortina um autor. Sabe ler, sabe selecionar, sabe colher a energia de um detalhe, a força de um pormenor.
Acerca das circunstâncias da poesia, eis o que nos ensina em rápidas tiradas: “(…) Quando a gramática se mete a exercer a crítica literária, estejamos certos de que a estupidez e a nescidade haverão de imperar” (P. 9); “(…) Os melhores versos são aqueles sonhados e não escritos; eles nos garantem uma hipotética imortalidade” (P. 13); “Poesia é isto, eu acho: ver o mundo em versos, ler o mundo em versos, dizer o mundo em versos. Escrevê-los” (P. 14); “Não se pode ser um poeta lúcido sem o domínio de alguns rudimentos da ciência de Pitágoras e de Euclides” (P. 70).
Já no que concerne ao universo da leitura, em texto emblemático, “Por que lemos”, afirma, entre outras razões seminais, que lemos “para dividirmo-nos e para multiplicarmo-nos. Para outrificarmo-nos, pois ninguém suporta ser só si mesmo o tempo inteiro” (P. 75).
Pensamentos como estes, somados às muitas citações pinçadas da escrita alheia, dão a dimensão do fino leitor que permanece ativando a sensibilidade e a inteligência do aposentado poeta Sidney Wanderley.
*Hildeberto Barbosa Filho é poeta, crítico literário e professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)