quinta-feira 24 de outubro de 2024

A nova ‘classe média’ foi para a extrema direita

O país é menos pobre, mas não menos injusto do que uma geração atrás
A elevação da escolaridade não abriu oportunidades de melhores empregos e a frustração vem alimentando rancores sociais que favoreceram o bolsonarismo – Valter Campanato/Agência Brasil

Por Valerio Arcary, no Brasil de Fato

1. A mobilidade social está mais intensa ou não? Como dizem os franceses, a porta da ascensão social está aberta ou fechada? Este tema alimenta uma polêmica na qual não existem posições ingênuas. Um pouco de perspectiva histórica pode ser útil. O crescimento médio real anual do PIB, por exemplo, nos dez anos que vão de 1995 a 2004, período inicial de estabilização do real, foi somente de 2,4%. Entretanto, segundo o IBGE, a população economicamente ativa (PEA) era estimada: em 1985 em 55,0 milhões; em 1990, 64,5 milhões; em 1995, 74,2 milhões; em 2000, 77,5 milhões; em 2010, 95,21 milhões e hoje em 105 milhões. São mais de 37,3 milhões de carteiras assinadas com direitos da CLT, segundo o Caged do Ministério do Trabalho, e mais de 13 milhões de funcionários públicos. Mas algo em torno de 40 milhões estão na informalidade. Entre eles encontramos 10 milhões de ultra precarizados que têm patrões, só que sem carteira assinada, mas, também, 25 milhões que trabalham por conta própria, os “empreendedores”, o embrião de uma proto “pequena burguesia” que luta para viabilizar um negócio.

Uma compreensão da complexidade desta estratificação social deve considerar que existem 39,2 milhões de aposentados e pensionistas, mas 26,28 milhões recebem somente até um salário mínimo. Finalmente, mas não menos importante, temos 20,7 milhões de famílias beneficiados pelo Bolsa-família. Resumo da ópera, o país é menos pobre, mas não menos injusto do que uma geração atrás. Politicamente, o mais impressionante na evolução dos últimos dez anos, é que a classe trabalhadora se dividiu e, pelo menos metade dos trabalhadores de renda média, dependendo da região, mais acentuadamente no Sul, Centro-Oeste e Sudeste, os remediados, girou para a extrema direita e são o núcleo de apoio da extrema direita.

2. A curva demográfica brasileira é, também, fascinante e inquietante: todos os anos, mais ou menos 1,5 milhão de jovens brasileiros procuram o primeiro emprego. Isso mostra o dinamismo da expansão da força de trabalho disponível, e a necessidade de altas taxas de crescimento do PIB para reduzir o desemprego. Nunca tivemos tantos adultos jovens. Diminuiu a proporção de crianças e jovens, enquanto a expansão da população idosa ainda corresponde, grosso modo, à metade dos países centrais. Mas esta “janela de oportunidade” vai se fechar em meia dúzia de anos. As contrarreformas neoliberais iniciadas nos anos noventa com FHC não foram revertidas. O crescimento médio do PIB em torno de 4% entre 203/13 trouxeram uma sensação de alívio. Mas a decadência precipitada pelo golpe institucional de 2016 – as reformas trabalhista de Temer e previdenciária de Bolsonaro – acentuaram a precarização do trabalho. A elevação da escolaridade não abriu oportunidades de melhores empregos e a frustração, especialmente na faixa entre os jovens de 24 a 35 anos, vem alimentando rancores sociais que favoreceram o bolsonarismo.

3. Durante pelo menos três gerações, desde os anos trinta até o final dos anos oitenta do século XX, prevaleceu no Brasil a experiência de que os filhos viveriam melhor do que os pais. Esta expectativa era compartilhada, tanto pela imensa maioria das camadas populares que se deslocaram dos interiores para as cidades, sobretudo na grande onda migratória para o triângulo estratégico do Sudeste, quanto pela classe média eurodescendente em formação. Mas isso mudou. Uma das consequências da estabilização do regime democrático-eleitoral dos trinta e cinco anos que nos separam de 1988 foi a redução desta esperança. Durante a alternância dos governos de centro-direita liderados pelo PSDB de FHC nos anos noventa, e de centro-esquerda liderados pelo PT, sob o regime da democracia liberal, o capitalismo brasileiro passou a ter um crescimento lento. O PIB per capita estagnou. A extrema miséria diminuiu, surgiu o SUS, a Previdência beneficia 38 milhões de aposentados e pensionistas, a universalização do acesso à educação pública cresceu, mas o país não é menos injusto.

4. Mas é bom lembrar que crescimento do PIB não deve ser confundido com desenvolvimento econômico e, tampouco, com menor injustiça social. Um país pode ter crescimento do PIB, mesmo sem aumentar a diversificação do seu parque produtivo, mesmo sem agregar mais valor às commodities agropecuárias que exporta, mesmo sem incrementar a industrialização, mesmo sem elevar a produtividade média do trabalho, mesmo sem alterar a sua posição dependente no mercado mundial. Um país pode crescer sem diminuir a disparidade social que separa os que vivem do trabalho e os que vivem da renda do capital. Um país pode elevar lentamente – quase por inércia – a escolaridade média de sua população, quando parte de um patamar muitíssimo baixo como o do Brasil, sem diminuir o atraso cultural, se comparado com a evolução escolarização dos países centrais.

Na verdade, as sequelas sociais dos últimos trinta e cinco anos só não foram piores porque o crescimento econômico desacelerou, mas a taxa de fecundidade caiu ainda mais vertiginosamente, mantendo quase estável o PIB per capita. Em 1970 a mulher brasileira tinha, em média, 5,8 filhos. Trinta anos depois, em 2000, esta média era de 2,3 filhos. Em 2006, era de 1,8. No mundo, no final do século XX, a taxa de fecundidade era de 2,9 filhos por mulher, nos países mais desenvolvidos a taxa era de 1,5 e, nos países menos desenvolvidos, em torno de 3,2. Hoje é de 1,57 e continua recuando.

5. A redução da pobreza medida pela ampliação do consumo dos últimos três anos, em função de uma expansão média do PIB de 3%, não permite concluir que tenha diminuído a desigualdade social. Só prova que o piso da renda dos mais pobres aumentou. Na verdade, a apropriação da riqueza nacional pelos grandes capitalistas cresceu, também, em proporção do PIB, e de forma mais significativa. Como a distribuição da renda é um jogo de soma zero, mas um jogo em movimento, quando o bolo cresce mais devagar que no passado, mas o número de bocas com apetite continua aumentando no mesmo ritmo que antes, para alguém ganhar um pedaço maior, alguém teve que ficar, proporcionalmente, com um pedaço menor.

Os que perderam participação na riqueza nacional foram os assalariados com educação média um pouquinho mais elevada, inclusive os que possuem nível superior nas universidades privadas, ou, na tradição brasileira, os trabalhadores mais especializados ou, sindicalmente, mais bem organizados: professores, bancários, funcionários públicos e servidores de estatais e, também, metalúrgicos, petroleiros, químicos, etc. Esse processo não diminuiu a desigualdade social, nem aumentou a coesão social.

Ao contrário, cresceram os rancores e ressentimentos entre remediados e pobres. A ironia cruel da história é que este estrato social mais prejudicado foi, nas origens, a base social que permitiu o surgimento dos sindicatos que potencializaram a CUT, o PT e a liderança de Lula. A popularidade atual do lulismo se apoia entre os mais pobres, menos escolarizados e, portanto, entre os setores do povo que, antes de 2002, votavam a favor de qualquer governo nacional (ou estadual ou municipal) e, portanto, contra a oposição. Logo, não deveria nos surpreender que uma parcela se posicione hoje contra Lula. Mas não é somente a evolução de variáveis econômicas que explica o peso político-eleitoral do bolsonarismo. A extrema direita conquistou hegemonia ideológica. Mantém maioria na “velha” classe média eurodescendente de proprietários e profissionais liberais de elevada escolaridade. Mas conseguiu adesão entre as camadas médias de trabalhadores.

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