Fumar faz mal à saúde, mas o hábito durante a gravidez pode ser nocivo tanto para a gestante quanto para o bebê que ainda nem nasceu. Os impactos do tabagismo são bem conhecidos: risco de malformação congênita, maior taxa de abortamento (perda do bebê até a 20ª semana de gestação), risco de óbito intrauterino, prematuridade e restrição de crescimento. O cigarro ainda pode causar outras repercussões graves ao longo da vida da criança, como alterações neurológicas que afetem o desenvolvimento cognitivo e psicomotor.
Segundo um estudo recente, fumar na gravidez também pode reduzir o desempenho acadêmico em crianças expostas ao tabagismo pré-natal. O levantamento foi liderado por pesquisadores da Austrália e publicado em junho no periódico Addictive Behaviors.
Uma revisão sistemática conduzida pela equipe levantou dados de 19 estudos, que envolviam 1,25 milhão de participantes, e encontrou a associação do tabagismo com a piora no desempenho acadêmico. O grupo também realizou uma meta-análise, com dados de oito pesquisas envolvendo mais de 723 mil pessoas, e constatou que crianças expostas ao cigarro pela mãe tinham um risco 49% maior de baixo desempenho acadêmico, em comparação com aquelas que não foram expostas ao fumo no útero.
Em um dos trabalhos, feito na Austrália, foi relatada piora no desempenho das crianças que eram filhas de mães fumantes nos domínios envolvendo ortografia, escrita e literatura e matemática. Em outro trabalho, esse realizado na Islândia, os resultados apontam pontuações de 5% a 7% menores no desempenho acadêmico de crianças entre 10 e 16 anos expostas ao cigarro na gestação. Já uma pesquisa nos Estados Unidos reforça que o tabagismo pré-natal foi associado à piora no desempenho em literatura, ortografia e aritmética.
“Uma meta-análise bem-feita, como é o caso deste estudo, é a maior evidência científica que temos na literatura. Esse resultado vem demonstrar, de forma incisiva, uma piora do desempenho escolar relacionado ao tabagismo. Isso abre um sinal de alerta para indicar que outros problemas podem estar relacionados também”, avalia o ginecologista e obstetra Rômulo Negrini, coordenador-médico da Obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Problema de saúde pública
Apesar de todos os esforços e campanhas antitabagismo realizados no mundo, o cigarro continua sendo um problema de saúde pública global. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 7% das mulheres fumam todos os dias, sendo que 2% delas o fazem durante a gravidez.
No Brasil, mesmo com a redução significativa na quantidade de fumantes nos últimos 35 anos, o número de tabagistas continua alto. Em 1989, 27% das mulheres e 43% dos homens fumavam; em 2023, esse percentual caiu para 9,6% das mulheres e 15,9% dos homens, de acordo com o Ministério da Saúde.
“Melhorou muito em relação ao que era, mas ainda tem muito a melhorar. Se pensarmos que uma em cada dez mulheres fuma, isso ainda é bem preocupante. Não temos dados específicos de tabagismo na gestação, mas deve girar em torno dos 2% que a OMS calcula”, analisa Negrini.
Efeitos deletérios
Os efeitos nocivos do tabagismo na gestação são estudados desde a década de 1980, com vários trabalhos demonstrando os efeitos deletérios do cigarro. A fumaça do tabaco tem cerca de 7 mil compostos tóxicos, que afetam o desenvolvimento fetal.
Essas substâncias atuam estreitando os vasos, o que dificulta a circulação sanguínea. Ao mesmo tempo, o monóxido de carbono presente na fumaça do cigarro ocupa o lugar do oxigênio na hemoglobina, fazendo chegar menos sangue e menos oxigênio para o bebê, que não consegue crescer adequadamente. “Estima-se que cerca de 10% dos casos de prematuridade sejam decorrentes de tabagismo na gestação. Além disso, o tabagismo materno é responsável por quase 20% dos casos de bebês que nascem com baixo peso”, alerta Negrini.
Outro risco é o de gravidez nas trompas, a chamada gravidez ectópica. Isso acontece porque as substâncias do tabaco alteram a motilidade de pequenos cílios presentes nas trompas, que são os responsáveis por levar o embrião para dentro do útero. “Sem a motilidade adequada, o embrião se implanta dentro das trompas e essa gravidez não poderá seguir. Na maioria das vezes, é preciso operar para reduzir o risco materno”, explica o ginecologista e obstetra.
Bebês com restrição de crescimento — seja devido ao tabagismo materno, seja por outras questões — ainda são mais propensos a ter diabetes e hipertensão. Negrini ressalta, no entanto, que a maioria dos ginecologistas e obstetras não relaciona o tabagismo ao desenvolvimento da criança a longo prazo. O que se reforça no pré-natal, na maioria das vezes, é a questão do risco de aborto, restrição de crescimento e prematuridade.
“Ter um estudo como esse pode ajudar a abrir os olhos não somente dos obstetras, mas também das mães tabagistas, pensando nos riscos acadêmicos dessas crianças. A decisão de cada mulher é individual, mas cabe a nós, médicos, fazermos essa ponte entre a literatura científica e a vida real”, observa o especialista.
Por Agência Einstein