Por Maurício Abdalla*, do Outras Palavras
Pastores, padres de internet, coachs, youtubers, influenciadores digitais, think thanks, mídia corporativa e outros formadores de opinião, com incentivos milionários de megacorporações e de redes internacionais de direita e extrema-direita educam o povo cotidiana e intensamente, para direcionar a sua forma de pensar e agir.
Os donos do capital aprenderam isso com Edward Bernays, sobrinho de Freud, criador da “Engenharia do Consentimento”, que escreveu em 1928:
“A manipulação consciente e inteligente dos hábitos organizados e opiniões das massas é um elemento importante na sociedade democrática. Aqueles que manipulam esse mecanismo oculto da sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder que comanda nosso país”. (Bernays, E. Propaganda. New York: Horace Liveright, 1928, p. 9)
Eles conseguiram, dentre outras coisas, fazer com que as pessoas acreditassem que sua vida social, pessoal e financeira, o acesso ao trabalho digno e aos bens necessários para uma vida decente e os meios para o reconhecimento social não têm nada a ver com a política e a gestão da economia, mas sim com suas crenças e seu desempenho individual. O resultado é a desconexão entre as opções políticas e eleitorais com a vida que os cidadãos levam.
Por isso, a mídia parece dizer (não sem razão) que, para Lula se reeleger e para que o povo opte pela esquerda e reconheça que a extrema-direita não é a solução, o governo precisa, em 4 anos, fazer com que todos tenham emprego com altos salários, carro do ano na garagem, todos os filhos matriculados em escolas e universidades de alto padrão, que façam churrasco com picanha todo fim de semana e sejam atendidos em hospitais do nível do Albert Einstein, em um país sem inflação, sem impostos, com todos os empresários e especuladores entrando na lista dos mais ricos da Forbes por causa de seus investimentos no Brasil. Só assim as pessoas poderiam pensar que talvez as opções eleitorais afetem sua vida.
Já para e extrema-direita, é suficiente falar em ideologia de gênero, comunismo, doutrinação nas escolas, ditadura da toga e outras bobagens e manipular os sentimentos religiosos do povo para se afirmar como opção político-eleitoral, enquanto sucateia os serviços públicos e os entrega à rapina das empresas privadas, destrói o meio-ambiente, acaba com as aposentadorias e os diretos dos trabalhadores, aumenta o desemprego, deixa morrer 700 mil na pandemia, faz a população comer ossos, aumenta o número de pessoas famintas e na miséria…
Esse quadro é resultado de um trabalho gigante de educação e formação das consciências, feito no decorrer de décadas e por diversos meios capilarizados e de grande eficácia.
Por isso, é de cair o queixo quando aparecem analistas-influenciadores digitais, como César Calejón, dentre outros, com conversa-fiada (mas de efeito) de que “a esquerda não tem a missão sagrada de salvar a massa ignorante de sua ignorância”, de que “o povo é adulto e sabe decidir” e de que a ideia de que a esquerda precisa educar o povo é “compreensão salvacionista” etc. (Live “Galãs Feios”, dia 28/10, a partir do minuto 9:00).
Ter canais e influenciadores de esquerda na internet é muito bom e eu os respeito muito. Fazem um trabalho necessário. Mas, é preciso saber que não é daí que devem sair o pensamento elaborado e as estratégias da esquerda. Os partidos de esquerda e movimentos sociais devem ter maneiras de fazer suas análises e elaborar suas estratégias de ação, formação de militantes e disputa de consciências na sociedade, se quiserem realmente travar a necessária guerra pela hegemonia.
Qual o sentido prático de adjetivar pejorativamente a tarefa histórica de educação popular e formação da consciência crítica, que cabe, sim, aos movimentos e partidos de esquerda? Que a esquerda se limite a comentar, a fazer performances e aparecer nas eleições, enquanto a direita sequestra de forma planejada e eficaz a consciência das classes que não detém o capital e as mantenha sob seu poder de influência?
Nada disso tem a ver com “visão salvacionista”, “ideia redentora” etc. Até porque, não é o uso de adjetivos interessantes e impactantes que torna uma análise correta. Mais uma vez, afirmo: internet e mídias digitais são meios (por isso o nome “mídia”) e não o fim da nossa ação transformadora. O que vale não é o que é bonito falar, mas o que é bonito fazer.