quarta-feira 11 de dezembro de 2024

A taxa de juros e a concentração de renda, por Luís Nassif

Ao contrário do que dizem os economistas neoclássicos, não há forças de mercado neutras. Há apenas ideias e poder de implementá-las
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Por Luís Nassif, do Jornal GGN

O passo inicial foi a ultra financeirização da economia ocidental. A relação inicial entre produção e preços foi para o espaço. Todos os negócios foram financeirizados e os preços passaram a ser fixados por movimentos especulativos de ondas.

Processo similar ocorreu na grande onda especulativa de fins do século 19 até a grande crise de 1929. Não bastavam os ativos tradicionais – ações, empresas. Criaram-se toda espécie de derivativos, derivativos de derivativos, em um processo exponencial de criação de bolhas.

O mesmo acontece agora com derivativos, títulos de dívida, criptomoedas, bets. O mundo virou um cassino. E esse cassino transborda para a política monetária.

A política monetária não reflete o nível real de atividade econômica, mas as expectativas dos agentes econômicos, manipuladas por uma parceria ignominiosa com a imprensa. É o terrorismo com a tal da gastança, ou então com a taxa de emprego nos Estados Unidos, com o nível de inflação, qualquer motivo é invocado para aumento de juros.

Blair Fix, um economista baseado em Toronto, preparou um paper comprovando o óbvio: as taxas de juros são, antes de qualquer coisa, uma variável distributiva, e não uma variável para trazer “mercados ao equilíbrio financeiro”.

Em vez de “taxa de juros” ele emprega o termo “taxa salarial”. Uma das razões é que ambas são taxas de retorno: os salários são o retorno sobre o emprego; as taxas de juros são o retorno sobre o crédito. E as taxas de retorno são “variáveis distribucionais”, que determinam como o bolo de renda é dividido.

Lá fora, como aqui, quando se fala em aumento do salário mínimo, empresas e muitos economistas reclamam sobre a redução dos juros. Mas quando os credores aumentam as taxas de juros, falar de distribuição de renda é um tema ausente do debate público. “Em vez disso, temos uma enxurrada de jargões econômicos, termos como “taxa natural de juros” ou “taxa de desemprego não aceleradora da inflação”.

Irônico, ele diz que uma possibilidade é que os economistas saibam algo que os mortais comuns não conhecem. Talvez eles tenham olhado para as evidências e concluído que as taxas de juros têm efeito “neutro” na distribuição de renda. Outra possibilidade, continua ele, é que o jargão macroeconômico seja principalmente uma distração.

Quando o estudo da economia política ganhou fôlego, no século 19, pensadores como Karl Marx e Henry George reconheceram que distribuir renda envolvia conflito óbvio. Aí entra John Bates Clark tentando mostrar que o conflito era desnecessário, “provando” que, em um mercado competitivo, cada agente recebe de volta a riqueza que criou. Assim nasceu a teoria da “produtividade marginal”. Ou seja, todos ganham o que merecem e em uma economia de mercado não existe a luta de classes. Para ser correta a teoria, teria que se assumir que a sociedade produz uma única mercadoria. “Então, por que os economistas estabeleceram uma teoria que estava claramente errada?”, indaga ele.

A primeira explicação é que a teoria da produtividade marginal dizia às pessoas poderosas o que elas queriam ouvir – que a distribuição de renda é “justa”.

A segunda explicação é que a teoria combinava bem com a obsessão emergente com o crescimento econômico. Se tratassem toda sociedade como uma única empresa, os economistas poderiam usar uma função de produção para “explicar” o crescimento econômico. Essa função assumia não apenas que cada classe ganhava seu “produto marginal”, mas que suas parcelas de renda eram constantes. Enfim, poderiam criar seus modelos tratando a questão da distribuição de renda como uma questão não problemática. A teoria ficou muito mais fácil.

Blair foi buscar no Google a frequência de utilização de “crescimento econômico” e “distribuição de renda” nas publicações econômicas.

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Agora, à medida que a era dos combustíveis fósseis diminui, diz ele, o crescimento econômico se tornará uma relíquia do passado e os economistas serão arrastados de volta ao negócios de estudar como o bolo da renda é dividido.

A divisão do bolo

Aí se entra em um conceito, o da sabotagem estratégica , desenvolvido pelos economistas políticos Jonathan Nitzan e Shimshon Bichler. Trata-se da prática de restringir a capacidade produtiva ou limitar o potencial econômico de uma sociedade para maximizar os lucros e o poder de grupos dominantes, especialmente corporações e elites financeiras. Esse conceito entra na teoria que definir o capital como relação de poder, não como um recurso físico ou produtivo.

Há várias maneiras de exercer esse poder. Os autores dão três exemplos de sabotagem estratégica:

  • Indústria Farmacêutica : Restrição ao acesso a medicamentos por meio de patentes ou controle de preços.
  • Setor Energético : Redução da produção de petróleo ou gás para criar volatilidade e aumentar lucros.
  • Financeirização : Priorizar ganhos especulativos em vez de investimentos em setores produtivos, restringindo o crescimento econômico real.

Voltando a Blair Fix, ele desenvolve o seguinte raciocínio:

  1. Crédito gera renda. Ou seja, o tomador recebe o crédito e vai montar seu negócio ou adquirir algum bem, gerando renda.
  2. Juros são os royalties pagos pelo uso do crédito. Quanto maior os juros, maior o royaltie sobre um insumo básico.

Há um bordão dos financistas, de que o dinheiro que administram é a poupança do trabalhador. Blair montou um gráfico comparando o percentual de renda do trabalho e de juros dos americanos. O eixo horizontal classifica os americanos pelo percentil de renda; o eixo vertical plota a relação juros-salário. À medida que se chega à crosta superior dos assalariados, a renda de juros explode.

Por isso, qualquer aumento de juros aumenta a concentração da renda e envia mais dinheiro para as pessoas que possuem mais crédito. E as que possuem mais crédito são justamente as que mais ganham.

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A conclusão óbvia é que as taxas de juros são uma arma de guerra de classes – não  apenas entre capital e trabalho, mas entre finanças e produção.

Ao contrário do que dizem os economistas neoclássicos, não há forças de mercado neutras, que alocam renda em proporção à produtividade. Há apenas ideias e poder de implementá-las.

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