20 de novembro de 2024 2:49 por Da Redação
Por Ricardo Melro*
Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a celebração das conquistas históricas do povo negro no Brasil contrasta com a dura realidade enfrentada por comunidades quilombolas em Alagoas. Em um cenário marcado por exclusão social e descaso histórico, muitas dessas comunidades ainda vivem sem acesso a um direito humano fundamental: a água potável.
Entre os casos mais emblemáticos está o da Comunidade Quilombola Serra Verde, situada na zona rural de Igaci/AL. Apesar da ação civil pública movida pela Defensoria Pública de Alagoas para exigir a implementação de soluções estruturais de abastecimento, o Poder Judiciário negou, até o momento, o pedido liminar. Enquanto isso, os quilombolas permanecem à margem das políticas públicas, lutando diariamente para garantir o mínimo existencial.
A luta por dignidade e o papel da Defensoria Pública
Desde 2021, a Defensoria Pública tem atuado em defesa dessas comunidades por meio da criação do programa Expresso Quilombola e de ações judiciais e mobilização de órgãos públicos. Foi justamente durante esses expressos que a DPE constatou que a maioria dos quilombos não possuíam acesso à agua potável.
Foi quando, então, a DPE constatou que, desde 2021, o programa “Água & Mulher” foi concebido pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH) para atender comunidades quilombolas, especialmente as lideradas por mulheres, com um orçamento inicial de R$ 21,4 milhões. No entanto, devido a impasses burocráticos, os recursos não foram efetivamente aplicados. Em resposta, a Defensoria Pública moveu ações judiciais e enviou múltiplos ofícios aos órgãos competentes, buscando reverter esse cenário.
O ofício nº 1150/2024 da Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL) evidenciou a gravidade do problema ao reconhecer que a comunidade Serra Verde foi deixada “no limbo”, fora da área de concessão e sem perspectivas de inclusão nos projetos existentes. Esse documento, por si só, reforça a inércia e negligência estatal em relação a populações vulneráveis.
Impactos do descaso estrutural
Segundo dados da Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio, citados na ação judicial, levando-se em consideração dados de 2015, 57,7% da população quilombola de Alagoas ainda não tem acesso regular à água potável, enquanto 26% das moradias carecem de saneamento básico. Esses números revelam uma realidade alarmante, agravada pela discriminação estrutural que perpetua o racismo ambiental e social contra essas comunidades.
“A negação do acesso à água vai além da privação de um recurso essencial; trata-se de um ataque direto à dignidade humana”, afirmaram os defensores públicos Isaac Souto, Daniel Alcoforado, Ricardo Melro e Lucas Valença, que subscreveram a peça. O impacto na saúde, na segurança alimentar e nas condições de vida é devastador, especialmente em um estado com histórico de intensas secas.
Próximos passos e esperança de mudança
Apesar da negativa inicial do Poder Judiciário, o processo segue em tramitação, aguardando julgamento definitivo. A Defensoria Pública insiste na necessidade de medidas estruturais, como a perfuração de poços e a destinação prioritária de recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOEP). Além disso, pede a inclusão dessas comunidades nos planos estaduais de saneamento.
Este Dia da Consciência Negra convida à reflexão sobre as desigualdades que ainda persistem no Brasil. Enquanto a memória de Zumbi dos Palmares é celebrada como símbolo de resistência, quilombolos em Alagoas continuam enfrentando batalhas cotidianas por direitos básicos.
A mobilização coletiva e a pressão social são essenciais para garantir que histórias como a de Serra Verde não sejam esquecidas. Afinal, a luta por água potável é, acima de tudo, uma luta por vida, dignidade e justiça.
*É coordenador do Núcleo da Proteção Coletiva da Defensoria Pública do Estado de Alagoas