Paulo Abrão conversou com os editores da CEBRI-Revista
Paulo Abrão é professor e advogado. Doutor em Direito pela PUC-Rio e Visiting Scholar na Brown University. No Brasil, foi Secretário Nacional de Justiça, presidente do Comitê Nacional para Refugiados e presidente da Comissão de Anistia. Foi diretor do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul e Secretário Executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Diretor Executivo do Washington Brazil Office.
Segue a entrevista concedida por escrito aos editores da CEBRI-Revista.
A extrema-direita vem avançando nos EUA e Brasil. Análises acadêmicas apontam que existe um espelho entre a extrema-direita americana e a brasileira. Muitos líderes do Brasil se inspiram e são treinados em debates nos EUA. Com a sua experiência no WBO, como o senhor vê essa associação entre a extrema-direita americana e a brasileira? Seria possível argumentar que, com uma vitória de Trump, a extrema-direita brasileira seria energizada? Como o senhor vê a ação em rede da extrema-direita no eixo Brasil-EUA?
Paulo Abrão: Sim, a extrema-direita está conectada e articulada não apenas no Brasil e nos EUA, mas internacionalmente, de uma maneira mais ampla. Embora seja um setor político ultranacionalista, isso não impede que ele atue como uma rede internacional e transfronteiriça muito articulada, que conecta personalidades, partidos políticos e diversos grupos da sociedade civil. Essa conexão tem nas redes sociais uma plataforma eficiente de reprodução de práticas, táticas e estratégias de cooptação de pessoas e de questionamento do sistema e das instituições democráticas. Evidências mostram que as organizações que dão suporte a estes movimentos de extrema-direita nos EUA também estão assessorando a ação articulada da extrema-direita do Brasil no exterior. Esse tipo de suporte era comum em favor de grupos políticos de outros países latino-americanos, a novidade está no engajamento com o Brasil. É possível dizer que Brasil e EUA estejam agora mais identificados nessa conexão, diante das similitudes das tentativas frustradas de insurreição golpista que aconteceram no 6 de novembro de 2021 e no 8 de janeiro de 2023. Uma eventual vitória de Trump certamente energiza a direita brasileira, mas a articulação entre os grupos políticos extremistas dos dois países já não depende mais disso.
Embora seja um setor político ultranacionalista, isso não impede que [a extrema-direita]atue como uma rede internacional e transfronteiriça muito articulada, que conecta personalidades, partidos políticos e diversos grupos da sociedade civil.
O WBO tem se destacado por defender a democracia brasileira em Washington. Após o 8 de janeiro, diversos eventos e reuniões com políticos estadunidenses foram organizadas e lideradas pelo WBO. Com base nessa experiência, como tem sido o processo de convencimento e advocacy do regime democrático brasileiro perante as forças políticas em Washington? Quais têm sido as principais dificuldades e entraves para que as forças políticas democratas e republicanas compreendam a necessidade de se ajudar a democracia brasileira?
PA: O mundo está cada vez mais interconectado. Essa é uma realidade da nossa era. As distâncias físicas foram encurtadas pela tecnologia – não apenas a tecnologia da comunicação, mas também dos deslocamentos humanos e do fluxo de capital. Portanto, a interdependência entre os países aumentou, e é nesse sentido que o debate sobre direitos humanos, meio ambiente e democracia se internacionalizou. O que o WBO faz é, entendendo esse contexto, favorecer o fluxo de informações confiáveis, em primeira mão – informações levadas por protagonistas democratas e relevantes da sociedade civil brasileira – para interlocutores internacionais, de maneira a influenciar positivamente o ponto de vista desses interlocutores a respeito do que ocorre no Brasil. O momento mais crítico deste trabalho foi durante as últimas eleições presidenciais, e a principal dificuldade foi sensibilizar a atenção para a realidade brasileira. Tão logo cada um de nossos alertas prévios para esses interlocutores se confirmaram, o ambiente de receptividade fluiu.
[…]a interdependência entre os países aumentou, e é nesse sentido que o debate sobre direitos humanos, meio ambiente e democracia se internacionalizou.
Nos últimos anos, observamos uma crescente preocupação global com a desinformação e o uso de plataformas digitais para minar a confiança nas instituições democráticas. Considerando a atuação do WBO em Washington, como o senhor avalia o impacto da desinformação sobre a percepção da democracia brasileira no exterior, especialmente nos EUA? Há iniciativas em andamento para combater esse fenômeno junto às autoridades americanas e influenciar o debate sobre o Brasil?
PA: Isso não acontece apenas por meio das redes sociais. Quando falamos sobre isso, as pessoas pensam imediatamente em Elon Musk e no Twitter/X, mas a questão vai muito além do debate sobre a regulação de uma plataforma como essa. Atores relevantes da extrema-direita brasileira têm ido pessoalmente a Washington para difundir informações falsas a respeito do que acontece no Brasil. Por isso o WBO se esforça para recolocar as informações em seu devido lugar apresentando fatos. A versão que a extrema-direita está difundindo nos corredores e comissões parlamentares de Washington, assim como no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, é a de que as medidas judiciais tomadas contra os protagonistas do golpe frustrado de 8 de janeiro de 2023 são mera perseguição política. Afirmam que o Brasil vive um tipo de “ditadura judicial” com a conivência do poder executivo e que a liberdade de expressão no Brasil está sendo violada pela Corte Suprema. Não é algo restrito às redes sociais, portanto. De toda maneira, é preciso entender que há diferenças entre as concepções jurídicas dos dois países tanto sobre a adequação e necessidade de uma regulamentação das plataformas digitais, quanto sobre o estabelecimento de restrições legítimas à liberdade de expressão. A extrema-direita brasileira está sabendo operar nos EUA por dentro dessas diferenças.
A cooperação internacional entre grupos pró-democracia tem se intensificado diante das ameaças autoritárias globais. Como o WBO tem colaborado com organizações americanas e de outros países na promoção de políticas que defendam os valores democráticos? Quais são as principais áreas de cooperação entre o WBO e outras instituições internacionais para fortalecer a democracia no Brasil e no continente americano?
PA: O WBO tem hoje mais de 70 organizações brasileiras filiadas. Essas organizações trabalham muitas vezes na base, próximas às pessoas e às comunidades que são mais afetadas pelas mudanças climáticas, pelas violações de direitos humanos e pela violência racial, de gênero e política. O que nós fazemos é potencializar o trabalho dessas organizações filiadas ao WBO, para que elas mesmas possam levar sua própria voz a interlocutores internacionais. Ajudamos a construir alianças, redes de solidariedade e intercâmbio de conhecimento sobre as boas práticas internacionais comparadas de promoção dos valores democráticos. Hoje nossas principais áreas de cooperação são meio ambiente e mudanças climáticas, democracia e monitoramento de movimentos políticos extremistas e ações para fortalecimento internacional da sociedade civil organizada. A novidade é que recentemente constituímos uma “Aliança Brasil Office”, com uma estrutura nos EUA (Washington Brazil Office), uma no Brasil (Associação Brasil Office) e outra na Europa (Europe Brazil Office). Esperamos reforçar e estreitar as articulações entre os movimentos democráticos brasileiros com os organismos multilaterais, governamentais, organizações sociais e políticas nestes três territórios.
*Entrevista enviada por mídia escrita em 29 de outubro de 2024.