sexta-feira 27 de dezembro de 2024

A alquimista: Conheça Mônica Antunes, agente literária que fez Paulo Coelho vender mais de 320 milhões de livros no mundo

Então estudante de engenharia química quando conheceu o escritor, em 1988, a carioca radicada em Barcelona cuida de sua carreira internacional há 35 anos
Paulo Coelho e Mônica Antunes no escritório da agência Sant Jordi, em Barcelona, em 2014 — Foto: Arquivo pessoal

Por Ruan de Sousa Gabriel, de O Globo

A história é tão cheia de coincidências e improbabilidades que dava um best-seller. Talvez escrito por Paulo Coelho. Era 1988 — e a carioca Mônica Antunes tinha 19 anos, estudava engenharia química na Uerj e, por recomendação de seu professor de teatro, lera “O diário de um mago”, relato da aventura espiritual de Coelho no Caminho de Santiago de Compostela. Certa manhã, terminou a leitura tão estupefata que não sabia falar de outro assunto, irritando os colegas que precisavam estudar para as provas. Naquela noite, seu grupo de teatro tinha uma apresentação num café em Botafogo, na Zona Sul do Rio, e lá foi ela espalhar a palavra do mago. E não é que o autor estava lá? Mônica passou a noite com o olhar fixo nele, que reparou e foi falar com ela. A moça pediu um autógrafo, mas ele se recusou — o livro era emprestado de uma amiga.

Marcaram um encontro para o dia seguinte na Confeitaria Colombo, no Centro. Mônica apareceu vestindo um short rosa pastel e uma blusa florida e acabou acompanhando Coelho numa reunião na editora Eco, que o publicava na época e não estava botando fé em “O alquimista”. Dias depois, ele foi negociar com a editora Rocco e ela o acompanhou novamente. E assim foi crescendo uma amizade (que, dizem os mais venenosos, começou com o escritor paquerando a moça) que logo se converteu numa relação profissional.

‘Coautora’

No início de 1989, Mônica se mudou para a Espanha e Coelho fez uma proposta: e se ela tentasse vender os livros dele para editoras europeias? Mônica topou, virou agente literária e os dois iniciaram uma parceria que já dura 35 anos e converteu Coelho no maior best-seller brasileiro. Em “O mago”, a biografia do escritor, Fernando Morais chama Mônica de “coautora” do sucesso mundial do ex-parceiro de Raul Seixas. Ela, porém, diz que o mérito é todo de Coelho e nega que ele tivesse segundas intenções naqueles primeiros encontros.

— O Paulo ficou mesmo muito feliz de ter encontrado uma leitora tão entusiasmada — diz ela, em conversa por vídeo com o GLOBO durante uma estada no Rio, no início do mês. — Eu realmente acho que todo mundo deveria ler “O diário de um mago” e “O alquimista”. São livros que nos abrem para uma energia espiritual e nos dão uma confiança, nos mostram que somos parte de um todo e, ainda assim, responsáveis por nossas decisões.

Mônica tem 56 anos e um jeito afável. Ela é proprietária da agência literária Sant Jordi Asociados, sediada em Barcelona, em frente ao La Pedrera, lendário edifício projetado pelo arquiteto Antoni Gaudí (1852-1926). Coelho é seu único cliente. O contrato dos dois foi firmado em 1994 e nunca precisou ser renegociado: a agente embolsa 15% dos direitos autorais do autor (em alguns países, a fatia chega a 20%). Essa parceria já rendeu mais de 320 milhões de livros vendidos em 170 países.

Mônica Antunes e os livros de Paulo Coelho — Foto: Guito Moreto
Mônica Antunes e os livros de Paulo Coelho — Foto: Guito Moreto

Entre outras tarefas, Mônica coordena o trabalho de 89 tradutores — a edição bielorrussa de “O alquimista” foi fechada na véspera da entrevista — e supervisiona cerca de 1.200 contratos com editoras de todo o mundo.

Ela e Coelho (que vive em Genebra) se falam uma vez por semana por telefone — telefone fixo (o escritor não usa aplicativo de mensagens instantâneas).

O repórter não conseguiu falar com Coelho (cuja resposta automática de e-mail indica o celular de sua agente). Ele costuma se referir a Mônica como sua “melhor amiga” e dedicou dois livros a ela: “Na margem do Rio Piedra eu sentei e chorei”, onde a chama de “companheira de primeira hora”, e “Manuscrito encontrado em Accra” (“Para Mônica Antunes, que nunca desperdiçou suas bênçãos”). Ele também a homenageia no autobiográfico “O aleph”: “Muita gente pensa que Mônica é um pouco fria, mas não poderiam estar mais longe da verdade: no seu coração arde um fogo secreto, tão intenso como era na época em que nos encontramos”.

Boca a boca no metrô

Desde o início, conta Coelho no livro, sua futura agente estava “convencida de que um escritor brasileiro poderia ser traduzido e publicado fora do seu país”.

— Eu tinha plena confiança de que ia dar certo — conta Mônica. — Fui muito tocada pelos livros dele e eu não sou nem mais nem menos espiritualizada que as outras pessoas. O Paulo dizia que eu exagerava, que devia ser mais pé no chão. Realmente, o sucesso não veio do dia para a noite, mas as vendas foram aumentando e eu via o entusiasmo das pessoas recomendando os livros. Foi tudo fruto de um trabalho honesto, como é a literatura do Paulo.

Mônica confia muito na divulgação boca a boca. No início dos anos 1990, passava o dia andando de metrô em Barcelona com a cara enfiada nos livros de Paulo Coelho somente para fazer propaganda.

Em 1992, o autor começou a ser publicados nos Estados Unidos. “O diário de um mago” passou quase despercebido, mas “O alquimista” já saiu com uma tiragem parruda de 50 mil exemplares e converteu-se rapidamente num arrasa-quarteirão. Na época, o Jornal do Brasil perguntou a Mônica: “a que você atribui o sucesso de Paulo Coelho?”. “Isto que estamos vendo é só o início de uma febre”, ela respondeu. E foi mesmo. Até hoje, o livro vende mais de um milhão de cópias por ano nos EUA. Lá, é tradição dar “O diário…” de presente aos jovens no término do “high school”.

O sucesso de Coelho logo chamou a atenção dos tubarões do mercado editorial. Em 1993, a poderosíssima agente espanhola Carmen Balcells (1930-2015), motor por trás do boom latino-americano dos anos 1960, se ofereceu para cuidar da carreira do brasileiro. Coelho ficou balançado e perguntou a Mônica se toparia encerrar a relação. Ela foi firme: disse que confiava no trabalho que vinham desenvolvendo e que ele é que teria que demiti-la. Impressionado com a tenacidade da jovem de 25 anos, Coelho negou a proposta de Balcells. Até o fim daquele ano, Mônica venderia a obra do autor para 16 idiomas.

Coelho também foi cortejado por agentes americanos. Mônica lembra de um deles que, às vésperas do novo milênio, hospedou-se no Copacabana Palace, chamou o escritor para uma reunião e fez uma proposta milionária. Já ciente do que Mônica era capaz, Coelho apenas desejou que o americano aproveitasse a cidade.

— O Paulo já me disse que não queria mais se deslumbrar, como tinha acontecido durante a carreira dele na música — diz ela. — Se ele tivesse ido para uma agência grande, não sei se as coisas teriam sido iguais. Talvez ele não recebesse a mesma atenção que eu pude dar por representar só a obra dele.

Negociadora ‘duríssima’ e ‘exigente’

O GLOBO conversou reservadamente com dois editores que trabalharam com a dupla em diferentes momentos. Eles descreveram Mônica como “discreta”, uma negociadora “duríssima” e “exigente”, que cobra resultados e supervisiona pessoalmente todas as peças de marketing. “Não, você não está entendendo. É um livro do Paulo Coelho!”, ela teria dito quando um editor que ela havia abordado pediu para ler o manuscrito antes de dar andamento à negociação.

Mônica diz que a obra do escritor é como um “diamante”, que ela não gosta de ver tratado como se fosse “prata”.

Com voz doce, a agente confirma o que os editores disseram e até especula como surgiu um de seus apelidos: “Bruxa de Barcelona”.

— Eu acho que foram o Paulo e o Fernando (Morais, o biógrafo) que começaram com essa história de “Bruxa de Barcelona”. O Paulo tem um livro chamado “A bruxa de Portobello” — conta. — Em 2003, fizemos uma festa na Feira do Livro de Frankfurt e eu disse para o Paulo: “Todo mundo aqui deve estar querendo me bater”. Ele tinha acabado de lançar “Onze minutos” e eu fui muito exigente com todos: (com voz brava) “Por que você ainda não fez isso? Aquilo era para ontem!”

Coelho não publica inéditos desde “Hippie”, de 2018, e Mônica revela que ele nunca conta quando está trabalhando num novo projeto. Por isso, ela não sabe dizer quando virá à luz o próximo best-seller do mago da literatura brasileira.

— É um mistério. Um dia ele vai me ligar e dizer que botou o ponto final em mais um livro

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