segunda-feira 25 de novembro de 2024

Brasil vive “maior colapso hospitalar da história” e especialistas projetam futuro dramático

Novo boletim da Fiocruz aponta somente dois estados em níveis de ocupação de UTI Covid abaixo de 80%, enquanto população enfrenta dúvidas sobre impactos da pandemia de 2021

18 de março de 2021 4:17 por Da Redação

Médicos fazem treinamento no hospital de campanha para tratamento de covid-19 do Complexo Esportivo do Ibirapuera | Divulgação

O Brasil vive o “maior colapso sanitário e hospitalar da história”, segundo a última edição do Boletim Extraordinário do Observatório Covid-19 Fiocruz. Com infecções e óbitos em decorrência do novo coronavírus em alta e recordes diários de estatísticas trágicas, a população enxerga um momento ainda pior do que a primeira onda, de 2020, e encara novas dúvidas sobre o futuro.

Atualmente, somente dois estados estão com níveis de ocupação de UTI Covid adulto abaixo de 80%, Roraima e Rio de Janeiro. Entre as 27 capitais do país, 25 estão em estado crítico, acima de 80%. Na última terça-feira (16), o Brasil registrou mais um recorde de número de óbitos em decorrência da doença. Segundo o Ministério da Saúde, 2.841 brasileiros perderam a vida em 24 horas, quantidade de mortes que se aproxima ao número de óbitos no atentado terrorista de 11 de setembro, nos Estados Unidos, que tirou aproximadamente 3 mil vidas.

As respostas para os questionamentos da população sobre os próximos meses deste ano também não são as melhores. Christovam Barcellos, pesquisador de saúde pública e vice-diretor do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz, avalia que o Brasil terá “graves problemas” pela frente enquanto não mudar estratégias e ações individuais, governamentais e institucionais.

“Estamos vivendo um momento muito dramático da pandemia. A tendência, infelizmente, é o aumento do número de casos, pressão sob os hospitais e aumento do número de mortos. Estamos vivendo uma aceleração da pandemia. É importante agora ter o maior número de restrições possíveis”, afirma. O especialista cita a vacinação como uma ferramenta poderosa para reverter esse cenário, mas que deve ser aliada a outros meios de combate ao vírus.

“Só vamos ter uma queda real da transmissão quando houver maior cuidado entre as pessoas e a vacinação em massa, que acreditamos que vá acontecer ao longo de 2021, sendo intensificada no meio do ano. Países que decretaram a limitação de mobilidade e, ao mesmo tempo, protegeram a população, principalmente os mais vulneráveis que dependem do trabalho informal, países que promoveram o lockdown, uma restrição do transporte entre municípios e paralelo a isso a vacinação, já têm decréscimo no número de mortes e casos, e um alívio nos hospitais”, observa.

Erros que não podem repetir

Stephanie Ítala Rizk, cardiologista do Hospital Sírio-Libanês que está na linha de frente do combate à Covid-19, lembra que o país acabou flexibilizando medidas essenciais, repetidas desde o começo da pandemia, ao perceber as primeiras quedas de médias móveis de infecções e mortes, o que não poderia ter acontecido.

“Acredito que o Brasil errou quando os casos estavam se reduzindo, era a hora de procurar vacinas de forma rápida e efetiva, e no relaxamento das medidas de isolamento social, essas medidas protetivas que a gente já sabe. O Brasil não tinha que ter relaxado. Muito pelo contrário, era hora de acelerar”, levanta.

Ela lembra ainda que a falta de disponibilidade da vacina combinada com poucas medidas protetivas, como o uso correto de máscaras e o isolamento social, foram fundamentais para o cenário de colapso do momento. “E, especificamente, neste mês de março, temos ainda o aumento de ocupação de leitos devido à nova variante, que, na observação clínica leva a crer que é mais grave e prolonga o tempo de internação no ambiente da UTI”, finaliza.

Vacinação em pauta

Diante do cenário de necessidade de integração de entes e forças de saúde, diversas entidades da área se reuniram para formar um grupo chamado Frente Pela Vida. O grupo formalizou neste mês apoio ao Pacto Nacional pela Vida e pela Saúde, um documento assinado por 21 dos 27 governadores do país com propostas de pactuação dos três Poderes e das três esferas da Federação na luta contra a pandemia.

O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, opina que movimentos como esse são essenciais por não haver uma resposta eficiente a nível federal. “A Frente Pela Vida foi uma iniciativa de várias entidades, organizações, conselhos, no momento em que estávamos começando a enfrentar a pandemia no país, por conta de não termos uma coordenação nacional que assumisse a tarefa, para que pudesse criar diálogos entre nós e construir alternativas. Elaboramos um Plano Nacional de Enfrentamento à Covid-19, entregamos ao Conass, ao Congresso Nacional e diversas organizações, mas infelizmente, até hoje, só não tivemos resposta do Ministério da Saúde”, disse.

Os governadores elaboraram um cronograma que tem como meta ter, pelo menos, 25% de toda a população do país vacinada contra a Covid-19 em abril. “Para isso, negociam um aumento da produção nacional: a Fiocruz deve passar a produzir 1 milhão de doses por dia (hoje produz 250 mil), e o Instituto Butantan já teve a linha de produção ampliada. Além disso, o Consórcio Nordeste está fechando um contrato para a compra da Sputnik V. Apesar da compra local, a ideia é fornecer doses para o SUS, a fim de que o insumo seja administrado pelo Programa Nacional de Imunizações”, divulgou o CNS, em nota. No gráfico abaixo, disponibilizado pelo Comitê de Dados da Secretaria de Estado de Saúde do Rio Grande do Sul, é possível ver a evolução da média móvel de óbitos em cada unidade da federação, proporcionalmente.

Municípios

O último boletim da Fiocruz cita que o município de Araraquara, em São Paulo, é “um dos exemplos atuais de como medidas de restrição de atividades não essenciais evitam o colapso ou o prolongamento da situação crítica nos serviços e sistemas de saúde”. De acordo com dados do Comitê de Contingência do Coronavírus  de Araraquara, a cidade ficou com 99% de ocupação de leitos de UTI e de enfermaria em 15 de fevereiro.

Naquela mesma data, a prefeitura elaborou um novo decreto endurecendo as medidas de isolamento social no município, com atitudes como a restrição de circulação de veículos e de pessoas pelas ruas, permitindo somente o tráfego de quem trabalha em um serviço considerado essencial, como supermercados, farmácias, postos de combustíveis, entre outros, e quem fosse utilizar esses comércios. Em 21 de fevereiro, o município de Araraquara ainda decretou um lockdown total.

Na tarde desta quarta-feira (17), um mês após as primeiras medidas, a média móvel de novos casos apresenta queda de 44%, a ocupação das enfermarias caiu para 82% e ocupação de UTIs ficou em 95%. A cidade chegou a ter 248 novas infecções em 20 de fevereiro, dado que também caiu em março. No dia 15 deste mês, por exemplo, foram registradas 32 novas contaminações. A quantidade de óbitos por semana também caiu no começo de março, sendo a primeira queda da estatística no ano, que só havia registrado aumentos até então.

O pesquisador Christovam Barcellos reflete as complexidades de diferentes municípios de lidar com a pandemia, já que o Brasil “tem locais com 12 milhões de pessoas e outros com 2 mil, 3 mil, 4 mil pessoas”. Mas, para ele, investir no atendimento primário é um dos caminhos para driblar a falta de recursos. “Esses municípios com população pequena, em geral, não têm hospital, têm uma equipe de saúde muito reduzida. O que pode fazer nesse caso? Investir no que a gente chama de atenção primária em saúde”.

Christovam diz que os gestores precisam valorizar e ampliar as condições de trabalho de agentes de saúde e médicos da família, por exemplo, para orientar a população e encaminhar os doentes mais graves para os hospitais localizados em cidades maiores e próximas. “Mas esse doente tem que ser encaminhado já com uma vaga no hospital. Deveria existir um pacto regional de várias prefeituras para que se tenha essa flexibilidade dos municípios maiores trabalharem junto aos municípios menores”, diz.

Um levantamento realizado pela reportagem, com dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) do Ministério da Saúde, mostra que os gastos dos municípios com a saúde em 2020 foram de valores bem próximos à média dos outros anos, apesar da pandemia.

Enquanto o gasto das maiores cidades do interior analisadas foi de R$ 4.777.813.856 em 2019, o mesmo recorte de 2020 foi de R$ 4.986.043.975. O total de gastos com a saúde nas capitais também não sofreu acréscimos significativos, sendo de R$ 29.734.626.225 em 2019 e R$ 31.300.043.241 em 2020. Uma explicação para isso pode ser o aumento de aporte da União, que levou à queda dos aportes de recursos próprios. A maior média per capita da saúde do país entre os locais avaliados foi de Brasília, no Distrito Federal, enquanto a menor foi do município de Cruzeiro do Sul, no Acre.

Fonte: Brasil 61

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