quarta-feira 27 de novembro de 2024

Destruição provocada pela Braskem acaba com o Cepa

População questiona o fechamento de escolas no maior complexo educacional da América Latina, onde petroquímica realiza atividades

26 de março de 2021 10:48 por Da Redação

Fachada do Cepa, um dos maiores complexos educacionais da América Latina | Valdir Rocha/Agência Alagoas

Por Thania Valença

“Se vai afundar o solo, por que continuam cavando?”

Essa é uma das tantas perguntas que a população de Maceió faz às autoridades do Estado e do País, diante de uma tragédia sem precedentes: a destruição de cinco bairros – Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol – na capital de um dos estados do Nordeste brasileiro. Desde meados de 2018, os cinco bairros de Maceió estão “desaparecendo”, com seus habitantes obrigados a deixar casas, apartamentos e negócios sob a ameaça de serem “engolidos” pelo solo.

É também a pergunta que um morador do Pinheiro fez, diversas vezes, ao gravar, em vídeos que estão circulando nas redes sociais e no WhatsApp, atividades de mineração da Braskem S/A em área do Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (Cepa). Residente naquela região há mais de 50 anos, o morador cobra explicações do governo estadual, da prefeitura, do Ministério Público, do Judiciário e da Assembleia Legislativa sobre a ação da mineradora, apontada como responsável pela destruição de uma parte expressiva da capital alagoana.

Nos vídeos, que mostram atividades de mineração dentro do Cepa, o morador relembra que a Braskem, junto com a Defesa Civil, começou obrigando a população do Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol a desocuparem seus imóveis. Agora, expulsa os estudantes.

Assista:

Conhecido como um dos maiores complexos educacionais da América Latina, o Cepa é agora o centro da tragédia provocada pela multinacional Braskem S.A, empresa do Grupo Odebrechet. Localizado numa das avenidas mais movimentadas de Maceió, o complexo reúne 11 escolas e quase oito mil alunos. Gerações de alagoanos foram formadas ali, da educação infantil até o ingresso em instituições de ensino superior, período que vai de 1958 até o ano de 1971, quando as escolas mais antigas foram construídas.

“Diante dessa tragédia, queremos saber qual o futuro do Cepa” – indaga a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal), professora Consuelo Correia, revelando que diretores de quatro escolas receberam notificação da Braskem sobre o fechamento dessas unidades. Segundo ela, a entidade sindical está mobilizada pois, “se tem algo acontecendo com alguma escola pública de Alagoas, isso afeta nossos filiados e automaticamente é problema do Sinteal sim”.

No caso do Centro educacional, continuou Consuelo Correia, são várias as escolas atingidas no maior complexo educacional da América Latina.

Vista parcial do Cepa nos anos 1960 | Fonte: História de Alagoas

Seduc: é fake

Em nota a seus acionistas, em novembro de 2019, a Braskem divulgou que iniciara processo de paralisação da atividade de extração de sal e de funcionamento das fábricas de cloro-soda e dicloretano localizadas no bairro do Pontal da Barra, em Maceió. Mas não revelou quando e como os poços serão fechados.

Os vídeos mostrando atividade de mineração e a revelação do Sinteal de que diretores de escolas foram notificados pela Braskem, contrariam essa declaração da empresa.

Secretário Fábio Guedes nega que escolas tenham sido seladas | Agência Alagoas

“Fomos procurados por diretores de escolas que nos disseram ter recebido a visita de pessoal da Braskem sob a alegação de que precisavam instalar sonares para identificar abalos e tremores. Na visita, esses funcionários entregaram aos diretores o mesmo documento entregue aos moradores dos bairros atingidos, com informações sobre processo de indenização e ações de evacuação de área”, revelou a presidente do Sinteal.

O fato foi comunicado ao secretário de Estado de Educação, Fábio Guedes, que definiu como fake news as notícias sobre o fechamento de escolas do Centro Educacional de Pesquisa Aplicada.

“A Secretaria de Estado da Educação tomou conhecimento de um vídeo que circula pelas redes, informando que escolas do Cepa, o Centro Educacional de Pesquisas Aplicadas, teriam sido seladas pela Defesa Civil, em decorrência de um suposto afundamento de solo. A Seduc esclarece que o conteúdo do vídeo é falso, pois, até o momento, não foi notificada sobre qualquer procedimento semelhante, realizado pela Defesa Civil do Estado ou do município de Maceió, com quem mantém diálogo permanente”.

Na nota, Fábio Guedes diz que repudia a disseminação de fake news, considerando as notícias “uma clara tentativa de provocar pânico na população e instabilidade social, num momento em que a transparências de ações é fundamental para a sociedade”.

Segundo a nota, todos os atos públicos e demais iniciativas da área educacional são divulgadas nos canais oficiais de comunicação (site e redes sociais) da Seduc, para conhecimento de toda a população.

Assista ao vídeo que circulou nas redes sociais:

Desmonte

Apesar do desmentido do secretário Fábio Guedes, os diretores reafirmaram ter recebido notificação da Braskem informando sobre o fechamento das escolas Laura Dantas, Afrânio Lages, Moreira e Silva e Princesa Isabel. Estas, como mostra o vídeo do morador do Pinheiro, foram lacradas pela mineradora.

Assista:

Na verdade, desde o ano passado, o governo alagoano vem promovendo o desmonte do Cepa, tendo iniciado o processo com a realocação de algumas unidades. Em janeiro de 2020, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) interditou as Escolas José Correia Titara e Vitorino da Rocha, duas das mais antigas unidades do Cepa, levando a comunidade estudantil a fazer diversos protestos.

Apesar dos prejuízos aos alunos, professores e demais funcionários, a mudança acabou acontecendo, com a Escola Correia Titara sendo transferida para o povoado Massagueira, no município de Marechal Deodoro, e a Vitorino da Rocha para um imóvel alugado no bairro do Farol.

O projeto de fechamento e realocação incluiu ainda a escolas Rosalvo Ribeiro e Alberto Torres, no bairro de Bebedouro, localidade também destruída pela mineração da Braskem.

Assim, ampliam-se os prejuízos resultantes do impacto geológico causado pela empresa, tecnicamente apontada por especialistas como responsável pelo afundamento de cinco bairros.

Entenda o caso

Os danos geológicos foram descobertos no começo de 2018 quando, após fortes chuvas e um tremor de terra, surgiram rachaduras em ruas e imóveis na região do Pinheiro. Um ano depois, o fenômeno também foi registrado em imóveis do Mutange, Bebedouro e, por último, no Bom Parto. Chamado a analisar o fenômeno geológico, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) concluiu que a causa do afundamento de ruas e as rachaduras nos imóveis foi a extração de sal-gema feita pela Braskem.

A empresa extraiu sal-gema em área urbana com falha geológica por mais de quatro décadas.

Imóveis abandonados após afundamento do solo em Maceió | Ailton Cruz

Técnicos da Defesa Civil identificaram três principais fissuras, cada uma com cerca de 1,5 km de extensão, afetando 2.480 moradias somente no Pinheiro. Mais de dois anos depois, foi reconhecida a necessidade de realocação de todos os imóveis e da população dos cinco bairros.

Com suas vidas desmoronando, os moradores dessas localidades conseguiram, em 2019, que o Conselho Nacional de Justiça mediasse um acordo entre a mineradora Braskem e os Ministérios Públicos Estadual e Federal, Defensorias Públicas Estadual e da União.

O outro lado

Depois do relatório da CPRM, a Braskem S.A garantiu colaborar com as autoridades na implementação das soluções para o problema que a extração de sal-gema provocou.  A empresa reafirma que tem compromisso com a segurança das pessoas.

A empresa pretende encerrar o pagamento das indenizações até o fim de 2022. Segundo o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, o departamento jurídico da empresa informou que a Braskem dispõe de aproximadamente R$ 10 bilhões para cumprir os acordos firmados na Ação Civil Pública dos Moradores e na Ação Civil Pública Socioambiental.

“Criada em agosto de 2002 pela integração de seis empresas da Organização Odebrecht e do Grupo Mariani, a Braskem é, hoje, a maior produtora de resinas termoplásticas nas Américas  e a maior produtora de polipropileno nos Estados Unidos. Sua produção é focada nas resinas polietileno (PE), polipropileno (PP) e policloreto de vinila (PVC), além de insumos químicos básicos como eteno, propeno, butadieno, benzeno, tolueno, cloro, soda e solventes, entre outros. Juntos, compõe um dos portfólios mais completos do mercado, ao incluir também o polietileno verde, produzido a partir da cana-de-açúcar, de origem 100% renovável” – é o texto com o qual a empresa se define.

Planta Cloro-Soda da Braskem, em Maceió | Divulgação

Com sede administrativa em São Paulo, opera 29 unidades industriais em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas.  As duas unidades industriais da Braskem em Alagoas estão instaladas em Maceió (produção de Cloro Soda ) e Marechal Deodoro (produção de PVC).

Enquanto os alagoanos de Maceió lutam para garantir seus direitos, a Odebrechet anuncia que ainda este ano inicia processo de venda de sua fatia de 38,3% do capital da petroquímica Braskem. A venda faz parte das obrigações a ser cumpridas em seu plano de recuperação judicial.

Segundo o jornal Valor Econômico, que divulgou essa informação no final do ano passado, o processo de coleta e estruturação de todas as informações necessárias à venda está em fase de finalização.

Ao se referir ao processo de venda, analistas econômicos sempre se referem a dois problemas enfrentados pela empresa. No México, onde há impasse na negociação de fornecimento de matéria-prima entre o governo mexicano e a empresa, paralisando as plantas no país, e no Brasil. Aqui, ressaltam os analistas, há o problema do afundamento do solo em bairros de Maceió, cuja reparação de danos e indenizações vão exigir valor superior a R$ 11 bilhões.

Como tudo começou

A história da Braskem em Alagoas começa em 1941, quando o Conselho Nacional do Petróleo perfurou o solo nas áreas de mangue da Lagoa Mundaú, em busca de petróleo.

Planta industrial da Salgema nos anos 1970 | Fonte: História de Alagoas

“A firma contratada, entretanto, não teve sucesso com o petróleo, mas encontrou um “leito” de sal-gema na região do Mutange, em Maceió. Segundo relatório apresentado à Codeal em junho de 1970 pelo professor Abel Tenório Cavalcante, os poços eram os Al-2 e o Al-3 e a empresa constatou “a existência de 80m de sal-gema, de alta pureza, na região de Maceió, a uma profundidade de 1.000 metros”.

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6 Comentários

  • Os malditos capitalistas sempre desejaram abocanhar o Cepa. Conseguiram! Colocando em dúvida agora se realmente há um problema muito grave de desabamento de toda aquela área que pega o Farol e adjacências e engole os bairros da parte baixa. Uma ’empresa’ ocupa uma área gigantesca onde viviam e ainda vivem cerca de 50 mil pessoas e já começa a fazer novas escavações exatamente no Cepa!? Oque realmente existe aí?! O povo quer saber. Terá força para arrancar a verdade?

    • Verdade Maria José a mais de 4 décadas destruindo a Cidade, o CEPA tem uma história a ser cumprida e toda sociedade Alagoana sabe da importância dele, destroem nossos lares, saúde, educação e nossa paz , ONDE ESTA O ESTADO INCUSIVE O DE DIREITO???? não podemos continuar aceitando esse absurdo #ForaBraskem de Maceió

  • Excelente matéria, bem completa, que historia o caso Salgema/Braskem e sua presença em zona urbana. Alguns documentários e matérias publicadas na imprensa dão conta da resistência de ambientalistas à implantação da Salgema-Braskem na orla urbana, com a liderança do professor José Geraldo Marques (Ufal). E também mostram que políticos e a imprensa se calaram sobre esse escândalo, devidamente comprados.

    • Desde 2018, na qualidade de presidente da associação de moradores da Gruta do padre, venho lutando, brigando contra todos esses danos causados pela Braskem; No início, muitos me chamavam de louco, que isso jamais chegava à sua porta. hoje, a realidade é outra, todos estão vendo que era verdade, infelizmente.

  • #forabraskem

  • interessante é lembrar que houce intenso debate na época sobre os benefícios e malefícios de instalação da mineradora em Maceió. Os argumentos favoráveis predominantemente de ordem econômica se fizeram valer: Políticos, empresários, instituições diversas, imprensa (apesar de disponibilizar espaço para o debate, era notadamente favorável à implantação do empreendimento) apontavam o crescimento econômico que seria gerado pela mineração como fator de desenvolvimento econômico e social para o município e para o Estado, pois, pelo porte do investimento, criaria empregos industriais e de qualidade, sendo um início de libertação do emprego rural ligado à cana-de-açucar e do serviço público desqualificado, irradiando seus benefícios indiretamente para os mais diversos setores produtivos. Lamentável não terem vislumbrado a possibilidade de uma possível tragédia como a que acabou se abatendo sobre a população afetada. Os contemporâneos daquela época podem se lembrar que os principais argumentos giravam em torno dee um possível vazamento do produto da mineração ou até mesmo uma explosão, mas jamais se foi cogitado que o problema mesmo estaria sob o solo. Que, devido a própria limitação tecnológica da década de 70, acredito que não houvesse como mensurar o risco de natureza geológica. Esse que acabou sendo o pivô da tragédia. Considerando que não há caso similar para comparação, tanto no tempo como no espaço, ficamos sem ter como dizer que essa era uma tragédia anunciada, pois já havia ocorrido algo semelhante em tal lugar em determinado momento. Não. Nós é que seremos referência para outros empreendimentos de mineração ao redor do mundo. Sou um dos afetados. Estou insatisfeito. Devido o conjunto de mudanças provocadas no meu cotidiano e de meus familiares, não vejo a resposta financeira proposta como a solução mais adequada, pois, os custos subjetivos dos imprevistos gerados pela mudança de localidade, não se compensam financeiramente, mas reconheço que é o melhor a ser feito agora. Espero que os acordos sejam cumpridos em sua totalidade e desejo ânimo e boa sorte àqueles que ainda se esforçam para se adaptar a este momento tão atípico de suas vidas.

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