Por Gustavo Kaye, do Agenda do Pode
Chico lhe deu guarida em Roma, em 1970, depois de a casa dela no Rio com Mané Garrincha foi metralhada. Caetano estendeu a mão no momento mais desesperador da sua vida, nos anos 1980, quando ela pensou mesmo em abandonar a carreira de cantora
“Nunca houve ou haverá uma mulher como ela”, por Chico Buarque
Se acaso você chegasse a um bairro residencial de Roma e desse com uma pelada de meninos brasileiros no meio da rua, não teria dúvida: ali morava Elza Soares com Garrincha, mais uma penca de filhos e afilhados trazidos do Rio em 1969. Aplaudida de pé no Teatro Sistina, dias mais tarde Elza alugou um apartamento na cidade e foi ficando, ficando e ficando.
Se acaso você chegasse ao Teatro Record em 1968 e fosse apresentado a Elza Soares, ficaria mudo. E ficaria besta quando ela soltasse uma gargalhada e cantasse assim: “Elza desatinou, viu.”
Se acaso você chegasse a Londres em 1999 e visse Elza Soares entrar no Royal Albert Hall em cadeira de rodas, não acreditaria que ela pudesse subir ao palco. Subiu e sambou “de maillot apertadíssimo e semi-transparente”, nas palavras de um jornalista português.
Se acaso você chegasse ao Canecão em 2002 e visse Elza Soares cantar que a carne mais barata do mercado é a carne negra, ficaria arrepiado. Tanto quanto anos antes, ao ouvi-la em “Língua’’ com Caetano.
Se acaso você chegasse a uma estação de metrô em Paris e ouvisse alguém às suas costas cantar Elza desatinou, pensaria que estava sonhando. Mas era Elza Soares nos anos 80, apresentando seu jovem manager e os novos olhos cor de esmeralda.
Se acaso você chegasse a 1959 e ouvisse no rádio aquela voz cantando “Se acaso você chegasse’’, saberia que nunca houve nem haverá no mundo uma mulher como Elza Soares.
Caetano Veloso também homeageou Elza nos 90 anos, textos publicados em janeiro de 2021 no Globo. Eis o texto de Caetano:
“Seu brilho é a prova de que o Brasil não é mole não”, por Caetano Veloso
Elza Soares é uma das maiores maravilhas que o Brasil já produziu. Quando apareceu cantando no rádio, era um espanto de musicalidade. Logo ficaríamos sabendo que ela vinha de uma favela e desenvolvera seu estilo rico desde o âmago da pobreza.
Ela cresceu, brilhou, quis sumir, não deixei, ela voltou, seguiu e prova sempre, desde a gravação de “Se acaso você chegasse’’ até os discos produzidos em São Paulo por jovens atentos, que o Brasil não é mole não.
Celebrar os 90 anos e Elza é celebrar a energia luminosa que os tronchos monstros não conseguirão apagar da essência do Brasil.