1 de fevereiro de 2022 11:45 por Da Redação
Por InfoSãoFrancisco
Na manhã de ontem (31), a 3ª. Vara da Justiça Federal em Sergipe emitiu decisão favorável à ação movida pela Sociedade Canoa de Tolda – proprietária da histórica Luzitânia – contra o órgão federal que deverá realizar o imediato resgate da embarcação e sua instalação em local seguro.
A inacreditável novela do panorama cultural nacional que tem como estrela a bela canoa de tolda Luzitânia tem, desde o início da manhã dessa segunda-feira, a possibilidade de um final feliz.
Surge no horizonte a perspectiva de que, em prazo não tão longo, a remanescente da mais tradicional classe de embarcações cargueiras do Baixo São Francisco, as canoas de tolda, volte à paisagem das águas do grande rio. Missão sacramentada, ainda em 1999, quando foi adquirida pela Sociedade Canoa de Tolda com o compromisso de restauro da centenária canoa em condições de navegabilidade.
No início do dia, como resposta à Ação Civil Pública de Tutela Liminar (processo no. 0800503-51.2022.4.05.8500 que pode ser acessado aqui) que a Sociedade Canoa de Tolda moveu contra o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na última sexta feira (28), o Juiz Edmilson Pimenta, da 3ª. Vara da Justiça Federal em Sergipe publicou uma histórica decisão favorável aos objetivos da organização: o órgão deve, imediatamente, promover o resgate da Luzitânia e conduzi-la a local em total segurança.
Essa manobra é o objetivo geral do elenco de demandas judicializadas para o salvamento da canoa Luzitânia, bem móvel tombado pelo IPHAN em 2010, que está naufragada desde o dia 23 passado na Reserva Mato da Onça, no alto sertão alagoano do Baixo São Francisco, como vem noticiando o InfoSãoFrancisco.
Comedida com a comemoração do evento, a Sociedade Canoa de Tolda apresenta o outro viés do caso, como explica Carlos Eduardo Ribeiro Jr, membro fundador da entidade e um dos responsáveis pela conservação da Luzitânia ao longo de mais de vinte anos: “Para nós é uma vitória algo estranha, pois tivemos, sem o devido diálogo civilizado da parte do IPHAN, engrossar o tom com um órgão que, ao longo de uma relação institucional de mais de vinte anos, sempre atuou como um ente de estado, não de governo, de forma cooperativa com nossa entidade nas questões do Patrimônio Cultural do rio São Francisco: uma relação muito além da canoa Luzitânia”.
Com efeito, em 2011 o IPHAN convocou pessoas de toda a bacia do Velho Chico para, em Petrolina, ser escrita a Declaração Nacional do Valor Cultural do Rio São Francisco, da qual a Sociedade Canoa de Tolda é signatária. Em seguida, em 2012, em cooperação com a Canoa de Tolda, o órgão realizou o 1º. Seminário Paisagem e Patrimônio Cultural em Penedo, Alagoas, evento que provocou a produção e publicação do Roteiro Para o Levantamento de Referências Culturais da Paisagem Cultural da Foz do Rio São Francisco.
Ainda de acordo com Carlos Eduardo, “os acontecimentos recentes envolvendo a Luzitânia são incoerentes tanto com a trajetória de um órgão estratégico para a nação e de seu excelente corpo de colaboradores que, por razões diversas merecedoras da necessária atenção da sociedade, visivelmente não podem colocar em prática suas competências, expertises e compromissos de cidadãos/servidores públicos na proteção essencial de nosso patrimônio cultural: a Luzitânia é apenas um deles, mas ganhou valor simbólico amplo com seu naufrágio, que poderia muito bem ser associado ao trato que nossa cultura tem recebido.”
Entenda o passo a passo jurídico para garantir o resgate da Luzitânia
De forma simples, podemos fazer um panorama do quadro que foi criado e evoluiu desde a sexta feira passada (28).
Foi realizada, por uma entidade da sociedade civil, uma ACP – Ação Civil Pública (processo no. 0800503-51.2022.4.05.8500) com um pedido de liminar para obrigar o IPHAN a realizar as ações listadas na demanda que são, basicamente quatro:
1- A remoção da canoa para um local seguro;
2- A limpeza integral da embarcação após a retirada da água;
3- O inventário e a proteção dos inúmeros componentes removidos da canoa;
4- A transferência da canoa para o local onde serão feitas as ações de conservação tendo como o objetivo maior o retorno à navegação
A ação foi somente contra o IPHAN, não incluindo a União, ou qualquer outro órgão ou estatal.
O fundamento da ação é a proteção do patrimônio, direito à cultura, sendo o fundamento utilizado pelo Juiz Edmilson Pimenta na decisão emitida hoje pela manhã, citando expressamente o estatuto do IPHAN. Nele, está claro que uma de suas obrigações institucionais é a proteção do patrimônio cultural, seja ele artístico, arquitetônico, histórico.
A decisão da Justiça considerou e deferiu todos os quatro pedidos demandados.
O prazo estabelecido pela decisão judicial tinha como data final o dia de hoje (no momento do fechamento da matéria o IPHAN ainda não tinha sido notificado).
A importância da decisão está no reconhecimento, pela Justiça Federal, de que o patrimônio cultural é um direito difuso, e ainda por acatar a legitimidade da Canoa de Tolda em suas ações de proteção desse direito.
É interessante que a decisão foi promulgada sem a necessidade de audição da parte contrária (o IPHAN).
Na ACP movida pela Canoa de Tolda, não há qualquer menção a verbas indenizatórias, sendo todas as demandas relacionadas única e exclusivamente para a adequada conservação, proteção e preservação da canoa Luzitânia.
Daqui para a frente o IPHAN tem essa obrigação a ser cumprida e, naturalmente, tem o direito a recorrer da decisão. Porém como o prazo está fechando, o órgão não terá tempo hábil para a suspensão da liminar no TRF – Tribunal Regional Federal.
É a velha história: decisão judicial, primeiro a gente cumpre e depois discute, se não estiver de acordo.
Jerônimo Basílio, advogado, é um dos coordenadores da equipe Jane Tereza Advocacia e Consultoria de suporte jurídico da Sociedade Canoa de Tolda
Apoie o resgate da canoa Luzitânia
A Sociedade Canoa de Tolda e o InfoSãoFrancisco lançaram campanha de arrecadação de fundos para a canoa Luzitânia através da plataforma Catarse, que está configurada para adesões de qualquer valor, de modo a somar em prazo extremamente curto (de apenas 20 dias), o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) que serão aplicados no resgate, reboque da Luzitânia até local seguro e sua retirada da água.
Clique no quadro abaixo e realize sua contribuição.
Até o fechamento da matéria, não era conhecida posição do IPHAN e a canoa Luzitânia ainda se encontrava naufragada na Reserva Mato da Onça.