22 de março de 2022 8:56 por Fátima de Sá
PLANETA ÁGUA
Água que nasce na fonte
Serena do mundo
E que abre um
Profundo grotão
[…]
Águas escuras dos rios
Que levam
A fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população…
[…]
Água que o sol evapora
Pro céu vai embora
Virar nuvens de algodão…
Gotas de água da chuva
Alegre arco-íris
Sobre a plantação
Gotas de água da chuva
Tão tristes, são lágrimas
Na inundação…
Águas que movem moinhos
São as mesmas águas
Que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Pro fundo da terra…
[…]
Em 1981, Guilherme Arantes, ainda um jovem cantor/compositor, cantou Planeta Água, letra e música de sua autoria[i] em um festival de música brasileira. Embora tenha sido classificada em 2º lugar (sob protestos do público), nunca deixou de ser cantada, fazendo sucesso até hoje e nos levando a reflexões.
Celebração e Reflexão
Nessa letra, é possível visualizar o ciclo da água e muitos de seus usos. Hoje é celebrado o Dia Mundial da Água, e cantar essa música nos faz refletir sobre esse recurso tão útil e cada vez mais tão maltratado. E torna-se escasso por irresponsabilidade e omissão.
Neste dia, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) destaca a importância dos lençóis freáticos. O compositor nos faz recordar que essas águas superficiais sempre voltam humildes/ Pro fundo da terra/ Pro fundo da terra…
Faça um exercício sem sair do local onde você mora! Qual a condição de qualquer curso d’água que você pode enxergar perto de sua casa ou por onde você transita?
Águas subterrâneas
A ONU Brasil afirma que as águas subterrâneas representam 99% da água doce no planeta. No entanto, é um recurso negligenciado, mesmo sendo “a única fonte de água das pessoas” em alguns lugares do mundo. Também, alerta para a condição transfronteiriça das águas subterrâneas, e os impactos das mudanças climáticas sobre as águas em geral.
Contudo, precisamos reavivar a memória e lembrar de alguns pontos que afetam as águas desse planeta e que vêm sendo cada vez mais negligenciados: 1. Nas cidades, notadamente nas metrópoles, há a crescente exploração do lençol freático para o abastecimento de prédios cada vez mais altos; 2. O uso crescente de agrotóxicos, que aumenta com os grandes empreendimentos do agronegócio – o agrobusiness tão propagandeado como tech e pop – que contamina o ar, o solo e o lençol freático; 3. A falta de saneamento básico na grande maioria dos municípios, com destaque para as zonas periféricas das grandes cidades, incluindo-se aí a insuficiência no fornecimento de água potável, o lançamento de efluentes não tratados em cursos d’água, o tratamento inadequado dos resíduos sólidos e a falta de educação ambiental, entre outros.
Ética do Uso da Água
Em 2002, a Unesco divulgou no Brasil, uma publicação resultante do trabalho da Subcomissão sobre Ética da Água Doce, presidida pelo Lord Selborne, da Comissão Mundial sobre a Ética do Conhecimento Científico e Tecnológico (COMEST[ii]).
Embora a referida publicação tenha 20 anos, suas reflexões continuam atuais e são úteis para subsidiar discussões sobre o tema. Ressalto alguns:
- “Os debates sobre a administração dos recursos hídricos refletem debates mais amplos sobre a ética social, relacionando-se com o que muitos consideram princípios éticos universais…”;
- “… a falta de acesso à água de beber segura e ao saneamento básico relaciona-se diretamente com a pobreza e a saúde precária […], mais de cinco milhões de pessoas morrem anualmente com doenças causadas pela água de beber pouco segura e a falta de saneamento e de água para fins de higiene”;
- A cúpula Mundial sobre a Alimentação, em 1974, adotou como meta a erradicação da fome no mundo dentro de uma década (?!)…, e “garantiu a vontade política e o compromisso dos Estados para alcançar a segurança alimentar para todos – isto é, o acesso a uma alimentação segura, nutritiva e adequada”.
- A COMEST afirmou: “A segurança alimentar é um imperativo moral e as exigências da indústria e as necessidades da irrigação devem ser coordenadas de modo a garantir que os agricultores de subsistência tenham direito à água, inclusive ao pleno uso da precipitação e coleta de chuva, assim como de fontes adequadas à irrigação.”;
- Consideração especial deve ser dada ao papel exercido pelas mulheres que, nas numerosas vilas e comunidades de pequenas dimensões, são as principais administradoras da água disponível”. Entretanto, elas, “raramente estão envolvidas nos processos decisórios estratégicos relativos ao fornecimento da água”;
- “… a indústria tem a responsabilidade de economizar água, e utilizá-la com eficiência, para evitar o esgotamento de água contaminada, tendo em vista as necessidades dos que vivem a jusante, a conservação e restauração da natureza, a observação do Princípio do Pagamento pelo Poluidor e, talvez acima de tudo, as medidas de precaução que precisam ser tomadas para evitar possíveis tragédias”.
Em Conclusão
Esses são apenas alguns pontos que destaquei para nos darmos conta de que é necessário compromisso com seriedade na gestão das ÁGUAS. O que foi feito até agora desde aquele início do século 21?
Creio que a Carta da Ecopedagogia[iv] pode auxiliar nessa luta. Dali, destaco um dos itens: “A mudança do paradigma economicista é condição necessária para estabelecer um desenvolvimento com justiça e equidade. Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa ser economicamente factível, ecologicamente apropriado, socialmente justo, includente, culturalmente equitativo, respeitoso e sem discriminação”.
[i] Ver https://www.youtube.com/watch?v=IHiR8TgtBts. Nesse vídeo, o cantor fala sobre a sua criação.
[ii] World Commission on the Ethics of Scientific Knowledge and Technology.
[iii] SELBORNE, Lord. A ética do uso da água doce: um levantamento. Brasília: UNESCO, 2002. 80p. [A publicação encontra-se disponível para download].
[iv] GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. 3 ed. São Paulo: Peirópolis, 2000. 217p. (p. 184).