domingo 22 de dezembro de 2024

100 anos do Partido Comunista Brasileiro: Uma análise sobre a história do PCB em Alagoas

“No meu governo será mantida a liberdade de imprensa”. De fato, o jornal e o PCB não foram perseguidos durante o período do governo de Muniz Falcão (de 1956 a 1961).

25 de março de 2022 3:03 por Da Redação

 

 

Jayme Miranda ao lado do líder chinês Mao Tsé Tung. Pequim, 1963.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Texto de Golbery Lessa, historiador e membro do CC do PCB.

A trajetória do PCB em Alagoas é uma dimensão da história das lutas dos trabalhadores alagoanos por liberdades democráticas e igualdade social. Na terra do Quilombo dos Palmares, o partido foi organizado em 1928 por artesãos e operários. Os membros fundadores provinham de grupos inspirados em formas ecléticas de reformismo, socialismo cristão e anarquismo presentes no início daquele século. Antes de deixarem Maceió durante a Primeira Guerra Mundial, os futuros comunistas Otávio Brandão e Antonio Canellas eram militantes de forças políticas pré-PCB. No final dos anos 1920 e durante a década posterior, o partido terá uma composição social bastante proletária, sendo raros os militantes de classe média e os intelectuais profissionais.

Na primeira metade dos anos 1930, o maceioense Alberto Passos Guimarães será um dos primeiros intelectuais a entrar no partido e oferecer contribuições sistemáticas para a reflexão sobre a realidade local, que parecem ter sido fundadoras de singularidades no pensamento do PCB em Alagoas, principalmente a centralidade da crítica ao latifúndio. Segundo se deduz dos jornais da época e já tendo sido destacado por Rubens Colaço, assim como ocorreu em outros estados, os comunistas alagoanos ampliaram sua presença na sociedade civil a partir da construção da Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma política de frente única de esquerda. Com a derrota da iniciativa revolucionária de 1935, liderada pelo PCB, oitenta militantes e simpatizantes alagoanos foram presos por autoridades militares mesmo diante de decisões judiciais favoráveis aos acusados. Entre os presos estavam militares como Jose Maria Cavalcante e Vicente Ribeiro Cavalcante, intelectuais como Sebastião da Hora e Graciliano Ramos, e operários como Olympio Santana, um dos fundadores do partido.

O médico Sebastião da Hora

Em 1936, houve nova onda de repressão contra os comunistas, acusados de preparar um novo levante militar revolucionário a partir da Guarda Municipal de Maceió. A polícia política confiscou panfletos, livros contábeis e, aparentemente, inventou “provas”: aparelhos clandestinos e artefatos explosivos. Tudo narrado em volumoso processo judicial contra o autor de Quatro Séculos de Latifúndio e dezenas de militantes, principalmente moradores dos bairros proletários da capital alagoana. Enfrentando a ditadura do Estado Novo e seguindo tendência nacional, o PCB se reorganiza em Alagoas no início dos anos 1940 e participa das campanhas pela entrada do Brasil na Segunda Guerra e pelas liberdades democráticas, entre outras. Em 1946, funda o semanário A Voz do Povo, que será seu principal meio de contato com a classe trabalhadora até 1964.

Em 1947, na eleição para a Assembleia Legislativa Estadual, o PCB venceu em Maceió na 1ª Zona eleitoral e perdeu por pouco na 2ª Zona. É comum se falar dos três deputados comunistas eleitos naquele ano, contudo não se analisa a geografia das suas votações. Os comunistas eram a força ascendente nos núcleos políticos mais importantes da época: a capital e as cidades operárias. O sufrágio rural era menos importante porque os analfabetos não votavam; as cidades comerciais e industriais possuíam uma super-representação eleitoral. Os dados do Diário Oficial do Estado de Alagoas demonstram que os operários têxteis com título de eleitor representavam cerca de quinze por cento do eleitorado, número que poderia ter crescido posteriormente se as campanhas de alfabetização do PCB não fossem atrapalhadas pela repressão que recomeçaria a partir do governo de Silvestre Péricles.

Há outros dois aspectos relevantes a sublinhar nessa fase do PCB: a ampla presença de militantes e dirigentes negros e a participação das mulheres na base e na direção, a forte conexão subjetiva com os períodos anteriores de sua existência e o nível de maturidade e experiência das lideranças. Os nomes das células elencadas pela polícia em documento da época demonstram que o partido reverenciava seu passado recente e seus “pais-fundadores”. Junto aos nomes de inspiração nacionalista (como “Baependi”, navio brasileiro torpedeado pelos alemães no litoral de Sergipe, e “Guararapes”) e internacionalista (como “1º de Maio” e “Comuna de Paris”), há nomes de militantes do início dos anos 1930, como Benon Roberto, lideranças do sindicato dos trabalhadores em carne verde. Existem também referências a heróis alagoanos de causas progressistas do início do século XX, como Bráulio Cavalcante (jovem advogado morto no conflito contra a oligarquia de Euclides Malta, em 1912) e Otávio Brandão, o que demonstra preocupação com as peculiaridades históricas da sociedade alagoana.

José Maria Cavalcante (frente), Júlio Santana e Clodoveu Santana, na sede do PCB, em Maceió.

O TSE cassou o registro do PCB em 07 de maio de 1947, fato que abriu a possibilidade de o governador Silvestre Péricles perseguir “legalmente” os comunistas. O jornal do partido foi empastelado, as células foram fechadas, várias prisões arbitrárias efetivaram-se e, em outubro do mesmo ano, os três deputados eleitos foram presos sob as acusações mais inverossímeis. Além de ser motivada pelo contexto da Guerra Fria, esta perseguição também tinha relação com o fato de o PCB local disputar o operariado com os varguistas (corrente política do chefe do Executivo estadual) e ter se aliado à União Democrática Nacional (UDN) contra o governador eleito. Em janeiro de 1948, o TSE cassou o mandato de todos os parlamentares comunistas. Sem a imunidade, André Papini, José Maria Cavalcante e Moacyr Rodrigues Andrade tiveram que deixar Alagoas, junto com vários outros militantes do PCB, como Murilo Leão Rego e Auristela P. Leão Rego, ambos dirigentes do núcleo de Maceió.

André Papini Góis

A ação dos comunistas diante das circunstâncias foi persistente, organizada e ligada às bases operárias, com foco nos trabalhadores da indústria têxtil da capital (Fábrica Alexandria, no bairro do Bom Parto, e Fábrica Carmem, no bairro de Fernão Velho) e do centro industrial mais próximo (Fábricas Progresso e Alagoana, no município de Rio Largo), ambiente em que a repressão política era menos eficiente do que na zona rural, com seus núcleos de moradia e trabalho isolados. Mesmo já contando com a emigração de vários de seus quadros mais experientes para outros Estados (devido às frequentes prisões e outras formas de coação), o PCB demonstra clareza quanto ao que era essencial para a sua sobrevivência e a continuidade de sua influência. Além de colocar em prática uma estratégia de proteção para seus membros e instituições (como a oficina do jornal e suas células de base), o partido percebe que tem de continuar a chegar à subjetividade da classe operária e da opinião pública por meio de um órgão de imprensa contestador do status quo.

Após o suicídio de Vargas, o PCB (nacional e regional) abandona a caracterização sectária das forças que apoiavam o falecido presidente e acelera a aproximação com os trabalhistas que já havia começado antes, quando os militantes de base perceberam que a linha do célebre Manifesto de Agosto de 1950 era inaplicável. A seguinte frase do então governador Muniz Falcão aparece, ao lado de sua foto, como subtítulo da manchete do jornal A Voz do Povo de 07 de outubro de 1956: “No meu governo será mantida a liberdade de imprensa”. De fato, o jornal e o PCB não foram perseguidos durante o período do governo de Muniz Falcão (de 1956 a 1961), exceto no interregno em que o governador foi afastado durante o processo de impeachment e o Palácio dos Martírios foi ocupado, sucessivamente, por um general interventor e, depois, pelo vice-governador Sizenando Nabuco, que tramava contra o titular da pasta e buscava atrapalhar as manifestações de apoio popular a Muniz por meio da perseguição aos seus aliados comunistas.

O líder comunista Luiz Carlos Prestes e o governador de Alagoas, Muniz Falcão, em 1958.

Em Alagoas, os resultados políticos e ideológicos da aliança com os trabalhistas e da liberdade de expressão garantida pelo governador foram notáveis e ainda não suficiente medidos pela pesquisa historiográfica. Os comunistas ampliaram sua influência nos sindicatos operários, multiplicaram o número de seus militantes e criaram uma larga faixa de simpatizantes em todos os estratos sociais, alcançando uma influência ainda maior do que aquela que tiveram no imediato pós-guerra.

O constante trabalho de esclarecimento político e jurídico, a personalidade equilibrada e a coragem pessoal transformaram Jayme Miranda num herói no meio operário bem antes de seu trágico assassinato, em 1975. Os operários idosos, qualquer que tenha sido sua posição política no passado, ainda guardam essa bela imagem do militante do PCB, de resto compartilhada por toda a sociedade civil alagoana, com exceção dos direitistas mais fanáticos. Em 1960, a presença dos comunistas era tão significativa que Jayme Miranda foi cogitado para ser advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil de Fernão Velho (com uma base de 4.500 operários), declinando do convite devido ao acúmulo de outras tarefas organizativas e políticas.

Nilson Miranda e Rubens Colaço

No nível nacional, o golpe de 1964 e a Ditadura que o seguiu causaram uma profunda ruptura na trajetória do PCB. Houve três principais elementos: 1) o anticlímax e a derrota destroçaram a hegemonia intelectual e política que o partido tinha construído entre 1955 e 1964; 2) as várias dissidências do PCB formaram dezenas de pequenos grupos envergando teses táticas antagônicas às do seu partido de origem, o que representou uma ruptura com grande parte da nova geração de lideranças de esquerda, fato que teria repercussões decisivas a partir do fim da Ditadura Empresarial-Militar; e 3) a derrota, a repressão aos seus quadros e a destruição da estrutura do partido facilitou o trabalho dos grupos intelectuais rivais dentro do espectro do marxismo, principalmente os grupos radicados nas universidades paulistas, o que contribuiu para a emergência do Partido dos Trabalhadores (PT), principal competidor do PCB após o processo de redemocratização.

O historiador Dirceu Lindoso

Lideranças centrais como Jayme Miranda, Nilson Miranda e Dirceu Lindoso (os dois primeiros, no espaço da política e da agitação, o último, no campo da elaboração teórica), entre vários outros nomes, tiveram que emigrar para outros Estados da Federação, procurando espaços sociais mais complexos e, portanto, mais difíceis de serem garroteados pela repressão policial. Após prisões, torturas e perseguições de vários tipos, os militantes de base que não ingressaram em organizações guerrilheiras tenderam a abandonar temporariamente a atividade política e sindical, por pressão de suas famílias ou esperando prudentemente uma conjuntura mais favorável para esboçarem uma reação. Os simpatizantes passaram a viver o tormento de não ter certeza de qual seria o alcance da repressão; uma tortura psicológica menos destrutiva que a física, mas não menos paralisante.

Após uma tênue tentativa de rearticulação do partido em 1967, quando alguns remanescentes organizaram uma conferência estadual, e a perda do contato com o Comitê Central em 1971, o próximo marco decisivo será a primeira reunião de rearticulação ocorrida em outubro de 1980, na Rua Paraguaçu, bairro do Farol, em Maceió. Estavam presentes dois jovens recém-aceitos no universo do PCB, Geraldo de Majella e Cícero Péricles de Carvalho, e seis nomes da velha guarda do partido: Rubens Colaço, Mário Correia, Geraldo Oliveira, Antônio Omena, Sebastião Barbosa de Araújo (Betinho) e José Graciano dos Santos. Este era um militante exemplar, considerado um herói por grande parte dos operários têxteis por sua atuação desassombrada em defesa da classe e convicções políticas. José Graciano fora preso em várias das ondas repressivas contra os comunistas desde o início dos anos 1950; desenvolvera até um ritual próprio para esperar a polícia política: fazia a mala, vestia uma roupa de domingo e se sentava na varanda de casa esperando que o levassem à prisão. Por sua vez, Rubens Colaço tinha um temperamento difícil e instável, no entanto, era um vulcão na agitação política e na combatividade. Teve coragem sobre-humana diante das torturas que sofreu imediatamente após o golpe de 1964.

O empresário Antônio Moreira (bigode) e Sebastião Barbosa de Araújo (Betinho).

Durante a década de 1980, apesar das dificuldades postas pela complexidade da conjuntura e a perda de energia no conflito entre alguns militantes históricos e a geração mais jovem, o PCB realizou com grande empenho as tarefas de se reorganizar e dialogar mais de perto com a classe trabalhadora. Apresentou candidaturas em 1982 (ainda formalmente pela sigla do PMDB) e em 1985 (já com a própria sigla), lutou nas campanhas pelas Diretas Já e pela própria legalização. Voltou a ter um vereador na Câmara de Maceió (Freitas Netto) e participou de todos os grandes debates políticos na sociedade. Mesmos sem conseguir significativos êxitos eleitorais ou expressiva expansão sindical, reafirmou os seus compromissos históricos com as liberdades democráticas, a soberania nacional e a luta pelo socialismo.

Como acorreu no nível nacional, uma interpretação equivocada do significado do fim da União Soviética fez surgir em Alagoas forte corrente interna disposta a liquidar o partido, fato que causou a desarticulação do PCB no estado durante a década de 1990. Em meados da primeira década do presente século, o partido se rearticula na terra de Graciliano Ramos, no contexto nacional marcado pela reconstrução revolucionária iniciada em 1992 e aprofundada em 2005, quando foi aprovado um novo programa revolucionário superador da tradição etapista. Lança candidaturas a vice-governador em 2006, a governador em 2010 e 2014, além de senador e deputados estadual e federal em 2018, e uma candidatura coletiva à câmara de vereadores de Maceió em 2020. O novo momento, que chega até o presente, é marcado por uma reorganização a partir do Movimento Estudantil e dos sindicatos/oposições sindicais de trabalhadores do setor de serviços, principalmente na áreas da saúde e da educação, mas também com presença relevante entre operários, camponeses e produtores culturais. As adversidades continuam as mesmas, a classes dominantes alagoanas continuam tão reacionárias e autoritárias como em 1928, porém, o atitude do PCB também continua aquela do passado: altiva, combativa, corajosa. Sua bandeira já tremula há cem anos na terra de Zumbi dos Palmares, e continuará tremulando, já que um partido revolucionário é uma necessidade estrutural em sociedades capitalista, e somente sairá das ruas com a realização plena de uma sociedade comunista.

Sede do PCB, em 1946 (preto e branco) e em 1985.

Fonte: www.vozdopovo.org

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