15 de abril de 2022 11:34 por Da Redação
Por Octavio Costa, do portal Ultrajano
Costuma-se dizer nas redações que boas notícias não vendem jornais. Mas nem sempre é assim. Nestes dias de farta compra de Viagra pelas Forças Armadas e de confirmação de propinoduto no MEC, fiquei emocionado com uma reportagem do premiado repórter Luiz Ernesto Magalhães no Globo. Ele conta que a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Rio decidiu batizar com o nome do profeta Gentileza o futuro terminal que fará a conexão entre o BRT, os ônibus convencionais e as três linhas de VLT. O Terminal Gentileza vai ocupar o terreno do antigo Gasômetro, que foi desativado em 2012.
Naquela região, Gentileza deixou registrados, com os caracteres peculiares, suas frases e poemas nas 56 pilastras do Elevado da Perimetral e do próprio Viaduto do Gasômetro, ao lado da Rodoviária, numa extensão de 1,5km. Lá, as inscrições coloridas, tombadas em 2000, deixaram a marca de seu pensamento alternativo. de Cafelândia, o paulista José Datrino chamava a atenção no Centro do Rio com seus longos cabelos e barba e uma impecável bata branca. Levava às mãos um enorme caderno e cumprimentava os passantes. Todos o conheciam e sua frase mais famosa, que se vê hoje em adesivo nos automóveis, é “Gentileza gera gentileza”.
Por muito tempo, acreditou-se que Gentileza perdeu a família no incêndio do Gran Circus, em Niterói, em dezembro de 1961, que matou mais de 500 pessoas. Mas ele mesmo esclareceu em entrevistas que tinha cinco filhos e não perdeu parentes na tragédia. Na verdade, seis dias após o incêndio, na antevéspera do Natal, o profeta alegou ter ouvido “vozes astrais”, que o orientaram a se dedicar apenas ao mundo espiritual. Gentileza plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo e lá morou por quatro anos. Confortou e consolou os familiares das vítimas e passou a se chamar “José Agradecido” ou “Profeta Gentileza”.
Merece aplausos, portanto, a decisão de homenagear o profeta do povo. Mas é obrigatório lembrar que a história de outro brasileiro está ligada ao Gasômetro do Rio. Falo do capitão Sérgio Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco, integrante da brigada paraquedista do Para-Sar. que em 1968 se recusou a cumprir ordens do brigadeiro João Paulo Moreira Burnier para explodir o Gasômetro na hora do rush, o que mataria cerca de 100 mil pessoas. O plano de Burnier era atribuir o atentado à esquerda, o que justificaria a prisão de vários intelectuais e políticos. Entre seus alvos, estavam Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, dom Helder Câmara e o líder estudantil Vladimir Palmeira.
Indagado pelo brigadeiro Burnier (responsável pela tortura e morte de Stuart Angel, filho de Zuzu) se concordava com o plano, Sérgio Macaco respondeu: “Não. Não concordo. E enquanto eu estiver vivo isso não acontecerá. Não me calo e darei conhecimento de tais fatos ao ministro”. O capitão pagou um preço alto pelo heroísmo. Sua denúncia sobre o plano criminoso de Burnier foi ignorada pela cúpula da Aeronáutica. O único punido no episódio foi Sérgio. Reformado pelo AI-5, ele perdeu a patente de capitão. Só em 1992 o Supremo Tribunal Federal reconheceu os direitos do capitão, estabelecendo que deveria ser promovido a brigadeiro. Mas a decisão só foi cumprida pela Aeronáutica anos após a morte de Sérgio Macaco, em 1994.
Portanto, é mais do que justo que no espaço que abrigará o Terminal Gentileza também seja lembrado o ato heróico do capitão que impediu a explosão do Gasômetro.