19 de dezembro de 2022 4:35 por Da Redação
Por Cícero Albuqueque*
Três comunicados iniciais:
1- O meu propósito nas linhas que seguem é problematizar e combater a afirmação de que Maceió é uma cidade conservadora. Já ouvi isso muitas vezes. Curioso é que tal equívoco não parte de pessoas conservadoras ou reacionárias apenas, mas, principalmente, de progressistas, e até de alguns militantes de esquerda;
2- sei que o termo “progressista” é muito amplo e dúbio, por isso evito usá-lo no cotidiano, no entanto, aqui, ele comunica: sem maiores rigores conceituais, chamo de progressistas os que estão politicamente situados no centro-esquerda (sociais-democratas) e na esquerda (socialistas e comunistas). Sei que, bem situados, os dois lugares representam conteúdos bastante diferentes;
3- não assumo o compromisso de responder a todas as questões que levanto neste espaço, apresento inquietações que, estou certo, ensejarão diferentes respostas.
Dizer que Maceió é uma cidade conservadora é uma sentença maldita. Repudio tal afirmação. Rechaço o sacramento que isso parece significar. Divirjo da pertinência desse dito corrente, mas como estudioso da realidade e como ator político, preciso indagar o que leva tanta gente a repetir isso como um mantra entre nós.
Por que insistentemente isso vem sendo dito e repetido? A quem interessa isso? Como consertar esse desajuste de entendimento e ajudar Maceió a se pensar diferente? Como posso simplesmente dizer que Maceió é uma cidade conservadora quando há pouco mais de duas décadas ela elegeu Ronaldo Lessa prefeito? Como posso chamar simplesmente Maceió de conservadora quando ela elegeu e reelegeu Kátia Born? Como taxar de conservadora uma cidade que ainda recentemente, numa disputa equilibradíssima, decidiu entre duas mulheres de esquerda quem a governaria? Como rotular como conservadora uma cidade que deu votações majoritárias a um candidato de esquerda ser governador do Estado em duas eleições consecutivas? Ainda, dialogando dialeticamente com a história, por que Maceió, durante toda a ditadura militar e no período imediatamente seguinte, foi um front progressista e hoje parece representar a retaguarda política alagoana?
Antes de seguir adiante, cabe registrar que as eleições de Ronaldo e Kátia têm significados outros que não cabem aqui, mas é importante que procuremos compreendê-los no combate a essa afirmativa equivocada de que somos uma cidade conservadora.
Quem diz que Maceió é uma cidade conservadora observa especialmente os dados das últimas eleições, cujos resultados têm sido, sem dúvida, francamente favoráveis a candidaturas conservadoras. Vejamos. Em 2020, duas candidaturas conservadoras, beirando o reacionarismo, disputaram o segundo turno para a prefeitura de Maceió e a Câmara de Vereadores foi ocupada por vários parlamentares de extrema direita, fascistas.
Nas eleições de 2018 e 2022, Bolsonaro venceu em Maceió e nos legou para a história a triste marca de sermos a única capital nordestina em que isso aconteceu. Para completar, candidaturas reacionárias como Alfredo Gaspar, Fábio Costa e Cabo Bebeto tiveram votações expressivas na capital, enquanto as candidaturas progressistas tiveram votações tímidas ou pífias.
A partir de disso, alguns incautos tomam esses fatos como suficientes para sacramentar que o povo maceioense é conservador/reacionário, refratário a outros rumos e a boas mudanças. Calma! Esses acontecimentos são graves e preocupantes, mas não dizem tudo. A realidade é mais complexa, é dialética e nunca segue uma linha reta.
Observando apenas as últimas eleições, de certo, Maceió é uma cidade com hegemonia conservadora. Hegemonia é uma categoria central para entender o que acontece em Maceió hoje. Gramsci existe! Hegemonia significa domínio, assim como também significa liderança. Não estamos diante de um jogo de soma zero em que quem ganha leva tudo.
Ter hegemonia nas urnas, sem dúvida, pode ser um indicador de hegemonia na sociedade. Reconhecer a hegemonia atual da direita em Maceió não é, como alguns fazem, diferente de dizer que nossa capital é uma cidade conservadora. Não confundamos hegemonia com domínio absoluto como dado conjuntural. Hegemonia não é um fato encerrado.
A olho nu, observamos larga hegemonia da direita nas corporações policiais alagoanas, nas igrejas evangélicas, entre ruralistas (fenômenos nacionais), mas não significa que não haja movimentos importantes de contra-hegemonia.
Eles estão nos ambientes da educação, na comunidade lgbtqi+, entre os negros, entre artistas e intelectuais, por exemplo. Ocorre que esses segmentos, e outros, não estão organizados em torno de um projeto político-eleitoral, pois, há muito, a esquerda e setores progressistas não apresentam um projeto assim para a capital.
Dizer que Maceió é uma cidade conservadora é o lugar fácil que setores da esquerda e, de forma estendida, muitos progressistas criaram para justificar as suas incapacidades de formar unidade, disputar, vencer e bem comandar a nossa capital. A repetição desse senso comum, fato corrente entre nós, penso, demonstra que temos sido incapazes de realizar uma boa leitura da realidade e, consequentemente, definir uma linha acertada de atuação política. Dizer que Maceió é uma cidade conservadora é um subterfúgio relativamente recente que a esquerda inventou para esconder o fato de que ela não tem um projeto para Maceió. Não havendo um projeto, não tem organização, não tem direção, não tem liderança. Enquanto for assim, pouco será, será exatamente o que é hoje.
Falta aos setores progressistas um projeto para Maceió, particularmente à esquerda. Faltam também lideranças e coerência política. Começo lembrando a última eleição municipal de Maceió. Desde o primeiro turno, setores progressistas, muito equivocadamente, apoiaram a horrenda candidatura de Alfredo Gaspar. Lembro também que o PSB, conscientemente, emprestou a legenda para militantes das hostes bolsonaristas, como JHC, Fábio Costa e outros. Lembro ainda que o PDT fez aliança com JHC e companhia limitada. Ronaldo Lessa foi vice com o apoio consciente de outros setores progressistas. Mais, o campo da esquerda apresentou quatro candidaturas diferentes: Valéria Correia (PSOL/PCB), Ricardo Barbosa (PT), Lenilda Luna (UP) e Cícero Filho (PC do B).
Um período demarcador do que vivemos hoje está no início dos anos 2000, especialmente a partir do final da primeira década. O que acontece nesse período para gerar tal crise nos setores progressistas e na esquerda alagoana? Essa é uma questão que precisamos responder urgentemente. O curioso é que isso acontece exatamente num período posterior aos governos de Ronaldo Lessa, Luís Abílio e Teotônio Vilela e, mais curioso ainda, em contexto dos governos progressistas de Lula e Dilma Roussef no comando do país.
Como explicar que o conservadorismo tenha avançado entre nós em tais contextos? Esses fenômenos têm relação ou são mera coincidência? Esse enfraquecimento, desparecimento ou crise de hegemonia da esquerda maceioense, é um fenômeno local ou tem relação direta com a forma como os governos citados conduziram suas políticas regionais?
Como o que proponho é um debate, pergunto ainda, olhando o mesmo fenômeno nas capitais da região Nordeste, por exemplo, o que dizemos? Antes que tal inventário seja feito, considerando a possibilidade de que esse fenômeno seja eminente local, o que fazer para revertê-lo? Temos saída? Quais os caminhos?
Por fim, como não temos projeto para Maceió, não temos partidos orgânicos à altura dos desafios que a realidade de Maceió exige. Consequente, também não temos lideranças com tal envergadura. O que explica, por exemplo, que a cidade que teve num mesmo período figuras públicas como Ronaldo Lessa, Heloísa Helena, Kátia Born, Eduardo Bomfim, Régis Cavalcante, Paulão, Maria José Viana, Judson Cabral, Aliomar Lins, Jarede Viana, entre outros e outras, hoje padeça tanto de referências públicas no campo progressista e de esquerda?
Depois de tantas questões, sem receio de mexer em formigueiro, arrisco uma resposta: o personalismo, a vaidade e a imaturidade de lideranças de outrora, com poucas e raras exceções, jogaram a esquerda alagoana num abismo insano do qual ela precisa se soerguer. Outra resposta é a falta de compromisso de amplos setores da intelectualidade alagoana com projetos de transformação social.
Muitos e muitas vivem de bajular as oligarquias, frequentam as casas grandes, dão as costas para o povo (segundo o IBGE, mais de 50% são pobres) e sua triste realidade. Muitas outras respostas poderiam ser dadas, não faltará oportunidade. A provocação inicial está feita. Espero que renda!
*É professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), é filiado ao PSOL e foi candidato a governador nas últimas eleições.