segunda-feira 23 de dezembro de 2024

No Nordeste, apenas Pernambuco realiza cirurgia de afirmação de gênero pelo SUS

Atendimento para quem busca a hormonização também apresenta dificuldades; dados são do Ministério da Saúde
Reprodução

Por Karina Dantas, da Agência Tatu

Iniciar o processo transsexualizador, seja pela hormonização ou com a cirurgia de afirmação de gênero, é algo que demanda tempo, saúde física e mental, além de muita coragem. Quando se fala em cirurgia de afirmação de gênero, o acesso se torna ainda mais difícil. No Nordeste, apenas um lugar realiza o procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que fica no Recife, capital de Pernambuco. A região Norte não possui sequer uma unidade que realiza a cirurgia pelo SUS.

De acordo com a endocrinologista Izabelle Cahet, que é também a médica responsável pelo Espaço Trans no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a demanda em Pernambuco é tão grande que mal comporta a população trans do próprio estado.

“No Norte e Nordeste, [Pernambuco] é o único local que faz cirurgias, tanto as secundárias como as de afirmação de gênero. Então, assim, eles estão com a lotação máxima, porque a fila só para o estado de Pernambuco é gigantesca. Então para quem está procurando, talvez seja melhor tentar por outros estados, como São Paulo, talvez Rio de Janeiro ou Rio Grande do Sul, apesar da distância”, conta a médica.

Procedimentos pelo Brasil
Agência Tatu analisou dados sobre cirurgias de redesignação sexual e complementares realizadas pelo SUS de 2014 até maio de 2022, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas. Esses serviços foram incluídos na Tabela de Procedimentos do SUS em novembro de 2013.

No período de 2014 a maio de 2022, foram registradas 233 cirurgias de afirmação de gênero, masculino e feminino, pelo SUS. Desse quantitativo, pouco mais de 62% (145) foram no Nordeste, no único local em que se realiza os procedimentos.

Entre os procedimentos hospitalares que constam no processo transsexualizador estão: cirurgias de redesignação sexual no sexo masculino e feminino, tireoplastia, histerectomia com anexectomia bilateral e colpectomia, mastectomia simples bilateral, plástica mamária reconstrutiva e cirurgias complementares de redesignação sexual.

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Com os dados, também é possível ver que a quantidade de procedimentos relacionados ao processo transsexualizador teve o maior número em 2019, mas nos anos seguintes o quantitativo caiu para menos da metade. No caso de 2022, o somatório vai até maio.

Procedimentos por ano

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Terapia Hormonal

O processo de terapia hormonal, apesar de mais acessível do que as cirurgias, também enfrenta dificuldades, principalmente quanto à aquisição de medicamentos. Este é um problema que prejudica toda a população trans, sobretudo as pessoas que vivem em situação de extrema vulnerabilidade social e, portanto, não possuem condições financeiras de arcar com a compra dos hormônios necessários.

Agência Tatu conversou com a psicanalista e advogada Luz Vasques, que é mulher trans e integrante da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL). Luz explicou que iniciou seu processo de hormonização pelo SUS, no Hospital Universitário da Ufal, em Maceió, mas que adquire os hormônios por conta própria.

“A equipe é composta por profissionais competentes e preparados para atender as demandas e especificidades da saúde dos corpos trans, promovendo um acompanhamento seguro e responsável, imprescindível sobretudo para quem decide se submeter ao delicado processo de hormonização. Algumas dificuldades encontradas é que os ambulatórios trans costumam enfrentar a falta de medicamentos e um descaso político. Mas ainda assim há muitas pessoas corajosas e resilientes”, contou Luz Vasques sobre sua experiência pessoal.

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Ter uma equipe multiprofissional, normalmente formada por médica/o endocrinologista, enfermeira/o, psicóloga/o, assistente social e psiquiatra é fundamental para atender àquelas pessoas trans que estão iniciando o processo de hormonização. Outras áreas da saúde como dermatologia, fonoaudiologia, otorrinolaringologia, mastologia, dentre outras, também são importantes nessa equipe multidisciplinar e podem ser necessárias a depender da demanda de cada paciente.

O acolhimento em ambiente hospitalar deve ser realizado por uma equipe que esteja preparada para atender, sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito.

Segundo a endocrinologista Izabelle Cahet essa é uma preocupação recorrente no Espaço Trans do Hospital Universitário da Ufal. Por isso, são realizadas oficinas de sensibilização anualmente, que buscam conscientizar a equipe do hospital quanto ao tratamento a pessoas trans.

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“É preciso sensibilizar e ter o respeito a como cada pessoa quer ser chamada, ou mesmo à questão do nome social. Por exemplo, uma pessoa trans aguardar um atendimento e ser registrada com o nome do registro de nascimento, imagina o constrangimento, né? E imagina quanta disforia isso não traz para essa pessoa. Então assim, tem que realmente existir essas oficinas”, contou Izabelle.

Entrada do Espaço Trans, no Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas

Quanto à disforia que uma pessoa trans pode sentir em casos como o mencionado acima, que é a mudança repentina e transitória do estado de ânimo, a psicanalista Luz Vasques também reforça a importância de ampliar os debates sobre os estudos de gênero, inclusive nas áreas de psicologia e psiquiatria.

“A falta de aceitação e acolhimento familiar, a falta de estrutura pedagógica nas escolas, a ausência de referências positivas e de redes de afeto, produzem senão o óbvio: sofrimento e marcas na alma que nenhuma ‘clínica’ ou ‘farmácia’ são capazes de dar conta”, afirma Luz.

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