quinta-feira 19 de setembro de 2024

Crime da Braskem no Francês ameaça vegetação e animais migratórios

Professora mestra da Ufal explica que local de retirada de areia é importante ecossistema de restinga
Terreno na AL-101 Sul, região do Francês, de onde a areia é retirada | Edilson Omena

Mais um crime ambiental da Braskem em Alagoas, que vem comprando areia retirada de Área de Preservação Permanente (APP) em Marechal Deodoro para preencher as minas de sal-gema no subsolo de Maceió, destrói o refúgio de aves migratórias e animais em extinção, além de afetar um ponto de desova de espécies de tartaruga marinha.

A denúncia é da professora mestra Neirevane Nunes de Souza, bióloga e especialista em Biodiversidade e Manejo de Unidades de Conservação pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Segundo ela, ao contrário do que informou o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) em matéria na Tribuna Independente de 31 de janeiro, as Dunas do Cavalo Russo constituem um ecossistema de grande relevância ecológica e de interesse turístico. O local representa um dos últimos remanescentes de ecossistema de vegetação de restinga em terras alagoanas.

“A área utilizada na extração de areia consiste em ‘regiões de cordões arenosos’ e não de dunas. A literatura resultante de pesquisas por especialistas comprovam que, na realidade, trata-se de uma área contínua de Restinga, com vegetação fixadora de dunas”, explicou.

Região é local de desova de tartarugas | Reprodução

A professora cita que a área já era caracterizada como de restinga em 1961, na obra “Maceió a cidade restinga”, de Ivan Fernandes Lima. “O que ocorreu nesta área ao longo de décadas foram sucessivos crimes ambientais responsáveis por sua degradação, com a remoção da vegetação originária de restinga, ficando os amontoados de areia. Daí, o IMA utiliza essa situação pra justificar a retirada do que resta”, afirma a professora Neirevane.

Essa descaracterização da região não anula o crime ambiental dos muitos sofridos por esta área desde a década de 1980. “Há ONGs inclusive que já vem lutando pela preservação dessa área há anos recorrendo aos órgãos competentes”, acrescenta.

Legislação protege restingas

Em relação à legislação ambiental brasileira, a restinga passou a receber destaque desde a Constituição Federal de 1988, nos termos do parágrafo 4º, do art. 225, onde é reconhecida como patrimônio nacional. Já no novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a restinga é reconhecida como Área de Preservação Permanente (APP), conforme o artigo 3º. A Lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), também estabelece regras para a conservação das restingas.

Áreas de restinga devem virar APPs por lei | Divulgação

Empresa não assume responsabilidade

A professora mestra Neirevane Nunes de Souza destaca que Braskem, mais uma vez, não assume a responsabilidade por mais um crime ambiental, transferindo a culpa para os órgãos ambientais que realizam o licenciamento de tal atividade. “O IMA, por sua vez, se defende alegando que a licença foi concedida pela Secretaria de Meio Ambiente de Marechal Deodoro e não por ele”, revela.

Sobre esses dois órgãos, ela considera que o IMA consta como réu em duas ações civis publicas na Justiça Federal: ACP nº 3884-68.2010.4.05.8000 e ACP nº 1301-42.2012.4.05.8000, que tramitam na Justiça Federal de Alagoas e um deles está no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, onde tanto o IMA como o Cepram são acusados pelo MPF de fraudar licenças ambientais para viabilizar um empreendimento imobiliário de alto luxo na região que compreende a área de restinga envolvida na extração de areia para a Braskem, pois engloba a restinga, a berma litorânea e as dunas de toda a região, inclusive as Dunas do Cavalo Russo.

“Esta região deveria destinar-se à implantação, pelo Estado de Alagoas, de Unidades de Conservação de Proteção Integral, situado entre trechos da Praia do Francês e da Barra de São Miguel. Tais unidades teriam sido exigidas como medidas compensatórias aos prejuízos ambientais causados pela duplicação da Rodovia AL-101 Sul”, explica.

Ela lembra que em 2014, a Justiça Federal em Alagoas (JFAL), por meio do juiz federal da 13ª Vara, Raimundo Alves de Campos Jr., ao apreciar duas ações civis públicas (ACP nº 3884-68.2010.4.05.8000 e ACP nº 1301-42.2012.4.05.8000), determinou o cumprimento de várias medidas protetivas ambientais para evitar a degradação da maior área costeira natural na região central do Estado de Alagoas.

Já em relação à Secretaria de Meio Ambiente de Marechal Deodoro, a professora Neirevane afirma que esta não deveria autorizar tal atividade de extração de areia porque, simplesmente, vai contra ao que foi estabelecido no Plano Diretor de Marechal Deodoro que, no seu Art. 22º, propõe a obrigatoriedade da preservação em pontos de maior fragilidade ambiental.

“Muitas dessas regiões demonstram um aspecto em comum, o de desenvolver a economia do Estado, seja ela no Rio Catita, que traz um domínio da cana de açúcar; ou nas Dunas do Cavalo Russo, que oferece a matéria prima para a construção civil e por ser um local de pouco acesso acaba servindo como local de despejo dos resíduos provenientes dessa atividade”, ressalta a professora mestra da Ufal.

Órgãos ambientais não cumprem seus papéis

Tanto o IMA, como a Secretaria de Meio Ambiente de Marechal Deodoro devem obrigatoriamente fazer valer as determinações da legislação ambiental que asseguram a proteção de áreas de restinga como APP, como também devem cumprir com as determinações judiciais que foram direcionadas para essa área anteriormente.

Areia seria utilizada para tapar minas de sal-gema em bairros de Maceió | Divulgação

“Consta que o processo que se arrasta desde 2010 envolvendo as referidas ações civis públicas está parado desde 2019. Cabe ao MPF e Justiça Federal dar continuidade as tratativas exigindo que haja o cumprimento das determinações judiciais por parte dos envolvidos. Se tais determinações tivessem sido cumpridas integralmente, crimes ambientais como este em questão poderiam ter sido evitados”, lembra.

A professora Neirevane cobra da empresa uma postura condizente com o próprio discurso. “A Braskem, como se declara publicamente como empresa que supostamente se preocupa com a sustentabilidade ambiental, não deveria aceitar como fornecedor de areia uma empresa que estivesse causando um impacto negativo dessa magnitude em uma área que deveria ser preservada”, ironiza.

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