Por Leonardo Sanchez, da Folha de S. Paulo
Não é novidade que o austríaco Christoph Waltz seja dado a personagens excêntricos, cáusticos, megalomaníacos até. Do nazista Hans Landa que rendeu a ele o Oscar em “Bastardos Inglórios” ao pilantra ao qual emprestou a voz em “Pinóquio por Guillermo Del Toro”, a maldade parece ser terreno fértil para o ator.
E é sério, com cara de poucos amigos, que ele ligou a câmera do computador na semana retrasada para falar com um grupo de jornalistas sobre o novo personagem a integrar esse hall perverso, na série “O Consultor”, que estreia no Amazon Prime Video.
“Mas há um enorme equívoco sobre o que é bom e o que é mau. Eu não julgo meus personagens. Se é um papel interessante, eu faço”, diz ele, sobre a insistência na vilania, alimentada ainda pelos filmes “007 Contra Spectre”, “Grandes Olhos”, “A Lenda de Tarzan” e “Água para Elefantes”.
“Não sou um moralista, só um ator. E, enquanto ator, eu gosto de trabalhar com elementos que se contradizem, porque assim ficamos mais próximos do que é a vida real”, acrescenta.
Waltz não leva para a vida o jeito ranzinza ou cruel que boa parte de seus papéis demanda, respondendo às perguntas com gentileza. Mas há ali alguém que tampouco tem interesse em ser pintado como um sujeito descontraído ou que se esforça para não cair em controvérsia, para ser amado por todos.
Durante a conversa, o ator defende uma das questionáveis atitudes do novo personagem, Regus Patoff, que demite uma mulher negra numa cadeira de rodas. Ela não é demitida por causa disso, mas porque é uma mulher negra de cadeira de rodas que se atrasou para o trabalho, frisa Waltz, indiferente ao politicamente correto.
Em “O Consultor”, ele interpreta um homem de negócios que chega a uma empresa de games munido de um contrato assinado por seu fundador poucas semanas antes de este ser assassinado -por uma criancinha que fazia uma excursão escolar, vale dizer, já que os detalhes aumentam a dosagem de absurdo do enredo.
Com o documento, ele se torna o CEO interino da popular, mas mal gerida e à beira da falência empresa de joguinhos para o celular. Regus Patoff não entende nada daquele universo, seja por puro desinteresse ou por choque geracional, e seus novos subordinados -estes ainda com acne no rosto e hormônios à flor da pele- logo desconfiam dos caminhos que o levaram à chefia.
O personagem de Waltz, afinal, não era funcionário ou parente do pós-adolescente Sang, sul-coreano que fundou a companhia, ou tampouco membro de alguma grande empresa de consultoria. Não que este seja um problema digno de levantar suspeitas naqueles jovens igualmente desinteressados.
Mas seus métodos pouco ortodoxos, que incluem cheirar funcionários em busca de odores que o incomodam, e pouco moderninhos, como a interrupção imediata do home office, geram a fúria e a curiosidade do programador Craig, vivido por Nat Wolff, e da assistente criativa Elaine, papel de Brittany O’Grady.
A volta ao presencial em “O Consultor”, aliás, encontra ecos curiosos na realidade, já que não faz muito tempo que Elon Musk, um gigante da tecnologia, ordenou, pouco depois de chegar ao Twitter, que todos voltassem ao escritório. Foi pura coincidência, diz Waltz, mas ótima para o marketing da série.
“O fato é que estamos presenciando uma mudança na forma de se liderar um negócio. Ou não. Ainda precisamos aguardar para ver, e para ver se uma mudança seria para melhor. Mas é uma trama que espelha a realidade, em especial o que é a força de trabalho millennial, que me assusta de tão conformada e obediente que é”, afirma o ator, antes de comparar os personagens da série com o que vê nos arredores da sede do Google em Venice Beach, no estado americano da Califórnia.
Baseada no livro “The Consultant”, de Bentley Little, a série tem criação de Tony Basgallop, já acostumado com o mistério e o suspense após escrever programas como “24 Horas: O Legado” e “Servant”, que M. Night Shyamalan produziu para o Apple TV+.
Ele, também, encontra laços entre ficção e realidade, dizendo que Regus Patoff não foi criado para ofender as pessoas, mas para quebrar o mundinho millennial de paz e tranquilidade daquela empresa de jogos caída em desgraça.
E é justamente o efeito que o choque geracional pintado nas telas terá no público o que mais o seduziu na hora de aceitar o trabalho em “O Consultor”. Ao menos nisso, o roteirista de 54 anos e os atores novinhos O’Grady e Wolff, de 26 e 28, concordam sem hesitar.
O CONSULTOR
Quando: Estreia nesta sexta (24), no Amazon Prime Video
Elenco: Christoph Waltz, Nat Wolff e Brittany OGrady
Produção: EUA, 2022
Criação: Tony Basgallop