22 de abril de 2023 4:51 por Geraldo de Majella
Maceió cresceu e, num piscar de olhos, atingiu a marca – indesejada para mim – de 1 milhão de habitantes. A cidade cresceu ou inchou? A resposta é clara, inchou. Em pouco mais de 20 anos, milhares de famílias chegaram a Maceió e se instalaram da maneira que foi possível nos bairros periféricos e nas grotas.
Essa transformação é irreversível e danosa para os pobres que não têm acesso a bens essenciais como educação, saúde, habitação e transporte coletivo decentes. Como se percebe, nem sempre as transformações acontecem para melhorar a vida das pessoas.
A cidade de aspecto quase interiorano tinha as ruas livres como espaço para recreação das crianças e dos jovens, longe do trânsito e dos perigos causados pelos automóveis.
As famílias nas calçadas acomodadas em cadeiras conversavam esperando o tempo passar lentamente. O “pãozeiro” era aguardado logo cedo, ao amanhecer e no entardecer, com pães quentes, anunciando a boa-nova.
Escolhi Jatiúca para viver, melhor dizendo, a escolha foi dos meus pais – Josias e Marinalva – há meio século, em março de 1973. Jatiúca, àquela época, era um arrabalde da cidade, quase uma colônia de pescadores, mas também de estivadores, catraeiros, jangadeiros, pedreiros, empregadas domésticas, lavadeiras de ganho, gente simples e trabalhadora.
Esta cidade que me refiro, há muito não existe, salvo em minha memória esmaecida. O bairro foi se agigantando, ruas e avenidas foram abertas; os sítios de coqueiros foram engolidos pela especulação imobiliária, os botecos e mercearias – onde se bebia cachaça e cerveja com tira-gostos de torresmo, tripa, charque e guisados de galinha – não existem mais, os proprietários morreram ou venderam as suas casas para gente mais abonada que chegou para morar ou comercializar.
O privilégio em desfrutar a beleza dos coqueirais imponentes à beira-mar, das fruteiras nativas como as mangabeiras, acabou. A vida sem pressa e afobação deu lugar ao burburinho de automóveis.
A última referência física do bairro, o Sítio Jatiúca, propriedade do médico e folclorista Théo Brandão, foi transformada num maciço de prédios residenciais. Não ficou vestígio do sítio que originou o nome bairro batizado pelo intelectual alagoano.
A década de oitenta do século XX é um marco na história do bairro quando as noitadas se tornaram em programa boêmio e gastronômico. Os bares e restaurantes atraíam cada vez mais frequentadores. As ruas ainda pouco habitadas serviam de passarelas.
Para quem anda cotidianamente pelas ruas do bairro é surpreendido com o adensamento que torna a convivência quase impessoal.
Tenho mantido, na medida do possível, vida comunitária sem cair na tentação do consumismo, o corte de cabelo e barba faço numa barbearia do bairro. As compras diárias são feitas na feira livre, sapateiro, mercadinho, botecos e padarias ficam na vizinhança.
Há no bairro áreas segregadas e que, de fato, são as referências históricas que antigos moradores continuam chamando de Jatiúca Velha. É um encrave delimitado pelas ruas Santo Amaro (atual Hamilton de Barros Soutinho), Santa Fernanda, São Francisco de Assis e Santa Sofia espremidas pelo conjunto Santo Eduardo, Avenida Jatiúca e Avenida deputado José Lages.
Jatiúca é um bairro recente e em construção. A preservação do que restou do passado como a orla e os poucos coqueiros que ainda restam, as casas de vila e cortiços que remontam à vida comunitária na parte interna do bairro é o fio condutor da memória que resiste à transformação em curso.
Os espaços públicos disponíveis para uso da população são raros em Maceió. Jatiúca dispõe de três, o Corredor Cultural Vera Arruda, as praças Carlos Nogueira e da Bíblia. O que resta de áreas de convivência empresários e prefeitura querem, em comum acordo entre eles, destruir, argumentando ser necessário para fluir o trânsito por entre as ruas do bairro.
A memória faz parte da construção da identidade coletiva e individual. A luta pela preservação da memória coletiva que, além de uma conquista, é poderoso instrumento e objeto de poder.
*É historiador
1 Comentário
Toponímia de Jatiuca – Fonte: Livro Jatiuca – Uma inspiração poética de Vanessa Omena
O nome Jatiuca vem do tupi Y-ATI-UCÁ, que significa carrapato, pode ter sido dado em função do aracnídeo ou fruto da carrapateira, planta que, antigamente, era comum da região, daí a denominação.