Dentre as muitas consequências da intensa urbanização de nossas cidades, tão bem-vinda pela população, surgem questões novas e preocupantes, em sua maioria, derivadas de aspectos ambientais. Uma das mais visíveis, tem sido a impermeabilização dos espaços, antes ávidos por água a ser infiltrada. Com a terra impermeabilizada, as águas das chuvas se avolumam e escorrem, velozmente, transbordando galerias, canais, riachos e rios adormecidos, provocando os graves transtornos das enchentes urbanas.
Com a marcha incessante da mudança climática e os denominados eventos extremos dessa transformação, essas questões impactam as populações, em todo o mundo. Especialmente, no início da estação chuvosa, as águas lavam calçadas e ruas e transportam cargas poluidoras difusas, provenientes de nossos veículos, cada vez mais numerosos, nossos pés, nossos lixos e uma série de outros fatores poluidores, de elementos nocivos à saúde, sobretudo se acumulados, advindos com o nossos viver “moderno”.
Essa carga poluidora chega em nossos mananciais hídricos e em cidades litorâneas como Maceió, às nossas praias, nossas belíssimas e valiosas praias, além da generosa Lagoa de Mundaú. Portanto, compromete a balneabilidade dos principais pontos de lazer de maceioenses e turistas, independente do lançamento ou não de águas servidas que, porventura esteja ocorrendo.
Não se limitam, ao relatado, os pontos negativos da impermeabilização das cidades, com espaços ocupados por edificações e pavimentadas ao extremo. Também dificulta a realimentação dos aquíferos e o abastecimento de água. Para Maceió, que tem 70% de seu suprimento de água oriunda de fontes subterrâneas, essa consequência é mais grave ainda. Acrescente-se o desconforto térmico, as “ilhas de calor”, influenciadas pelo aumento da temperatura e da sensação térmica que a impermeabilização provoca.
Nessa sequência de malefícios, some-se a sub-reptícia e perigosa poluição visual. Ainda, a poluição luminosa que nos “cega” para observações dos astros, dos fenômenos naturais e outras visões que alimentam nossos humores e reflexões. Ruas monótonas, semelhantes, sem árvores, sem jardins, sem vida.
É costumeira a expressão moderna de que nossa capital é uma cidade instagramável, ou seja, faz sucesso no Instagram. Aproveitando essa linguagem, percorre-se outro caminho que alerta para uma cidade, crescentemente, impermeável. Observando-se as obras de urbanização, dos últimos tempos e em curso, na cidade, percebe-se a absoluta despreocupação técnica com impermeabilização dos espaços, das terras, sejam públicos ou privados.
Não há distinção de bairros ou localidades: as intervenções desconsideram a permeabilidade, como fator essencial no bem-estar da comunidade citadina. Grandes e pequenos exemplos ilustram essa “tendência”. Foi assim na Fernandes Lima, com a implantação de uma deserta ciclovia para “inglês ver” ou nos estreitamentos dos canteiros centrais das avenidas do Benedito Bentes. Inúmeras outras pequenas obras, atestam essa insensatez ecológica da impermeabilização generalizada de Maceió.
Conhecer a lógica e enfrentar as enchentes urbanas, requer um entendimento gerencial comum nas diferentes instâncias operacionais da Prefeitura. Em função dessa constatação inquestionável é preciso um esforço conjunto do governo e da sociedade para deter o mal silencioso da impermeabilização, com a cidade recuperando a capacidade de reter e acumular as águas das chuvas, tão abundantes em nosso clima. Com precipitações pluviométricas alcançando até 2.200 milímetros por ano, significa cerca de 2.200 litros despejados em um metro quadrado de superfície, com sua maior parte impermeável.
Os problemas ambientais devem ser enfrentados com inteligência, inventividade e imaginação e para permeabilizar e embelezar nossa cidade não é necessário banir o asfalto, o calçamento, o cimentado, as edificações, mas conviver com esses inegáveis avanços da civilização, inserindo soluções e conceitos que diminuam esses efeitos. No licenciamento de edificações, dispõem-se de regras e parâmetros de urbanização que se aplicados aos novos empreendimentos como, fundamentalmente, os coeficientes de área livre e de impermeabilização, contribuem para minorar o problema. Além disso, surgiram alternativas que se contrapõem à impermeabilização.
Os pisos intertravados que permitem a infiltração da água na terra é uma tecnologia de larga utilização. As calçadas verdes é uma tendência da arquitetura e do paisagismo, em que o desenho dos passeios públicos, reserva espaços para árvores e jardins, facilitando a infiltração da água da chuva. Não caberiam políticas públicas que estimulassem os donos dos imóveis à implantação de faixas ajardinadas, em suas calçadas? Na mesma direção projetam-se tetos verdes, que igualmente, absorvem parte das águas das chuvas e, ainda, as denominadas paredes vivas com objetivos semelhantes.
Contudo, o mais importante nesse contexto de soluções é a compreensão, do poder público e da coletividade, da necessidade de, primeiramente, reconhecer o problema e, a partir desse sentimento, encontrar inúmeros caminhos para minorar as consequências da impermeabilidade. Assim, passaremos a ter uma cidade permeável, com mais saúde ambiental.
*É engenheiro agrônomo e ambientalista