Remakes, mudanças de nome, novos preços, cancelamento de projetos, fim das senhas compartilhadas, assinaturas com comerciais, retirada de conteúdos.
Todas essas armas estão no arsenal recente dos estúdios hollywoodianos que comandam alguma plataforma de streaming. Mas, em meio à chuva de balas, a munição parece estar se esgotando.
O mercado de conteúdo sob demanda dá sinais de se aproximar de seu pico, depois de crescer sem parar por pouco mais de uma década. Em abril de 2022, a Netflix perdeu assinantes pela primeira vez em dez anos. A queda se manteve nos meses seguintes e só foi revertida no fim do ano, quando o serviço começou a oferecer uma modalidade mais barata, com publicidade, em alguns países.
Mas não é possível dizer que estancou-se a sangria. Os números permanecem instáveis em vários mercados importantes, como o britânico.
Por lá, analistas projetam que a empresa deve perder 700 mil assinantes em dois anos. Na Espanha, um milhão de pessoas abandonaram a plataforma depois que a Netflix estabeleceu regras mais rígidas sobre o uso de uma mesma conta em lares diferentes.
Por outro lado, o primeiro quadrimestre de 2023 viu um aumento de assinaturas. É uma boa notícia, mas eclipsada pelo comparativo do crescimento que ocorria no mesmo período em anos anteriores.
Na concorrência, o Disney+ divulgou no começo do ano sua primeira perda de inscritos, de 2,4 milhões. No mesmo período, os lucros da empresa subiram, impulsionados não por entretenimento, mas pela divisão de parques temáticos.
Outras plataformas crescem num ritmo lento demais, como é o caso do Peacock, da Universal, que não tem planos de desembarcar no Brasil. Por isso, o streaming trouxe uma perda de US$ 704 milhões aos cofres do estúdio neste primeiro quadrimestre. Já o Paramount+ ficou US$ 511 milhões mais pobre no período.
Os dados ajudam a explicar a onda de demissões que atinge esse mercado, em que entretenimento e tecnologia, outro setor em crise, se embaralham. Netflix e Warner Bros. Discovery picotaram seu plano de dispensas ao longo do ano passado, e incluíram nele altos executivos.
Na Disney, 7.000 vagas estão sendo cortadas. Na Amazon, uma centena de trabalhadores que atendiam o Prime Video foram mandados embora, somando-se às quase 30 mil demissões anunciadas em outras áreas da empresa.
Assim, analistas de Hollywood batizaram o momento de “a grande correção da Netflix”, marcada por cintos apertados e austeridade. Acionistas mudaram de ideia sobre a filosofia do crescer a qualquer custo e, agora, querem ver produtos que gerem lucros de forma mais imediata.
Além da oferta de um novo plano de assinatura custeado, em parte, por publicidade, várias outras medidas estão sendo estudadas por Netflix e companhia. Qualidade em vez de quantidade, já disse seu CEO, é o novo foco da empresa, que se notabilizou por produzir em larga escala.
A HBO Max, no próximo dia 23, vai ser relançada nos Estados Unidos com o nome Max, depois de um longo imbróglio nos bastidores da fusão entre a WarnerMedia e a Discovery, Inc. O Starzplay, também, já passou por um banho de loja, que o renomeou Lionsgate+ e deixou clara sua intenção de ter um catálogo mais adulto, com mais curadoria.
Seguindo a máxima do menos é mais, a antiga HBO ainda anunciou que vai interromper a produção de filmes e séries na Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia, Holanda e Turquia -países com bom histórico de produção, mas com séries e filmes que sofrem para viajar longas distâncias.
“Esses últimos anos foram um sonho de uma noite de pandemia. Houve certa euforia, uma correria que causou um aprendizado acelerado. Agora todo mundo está se reorganizando, voltando ao que deveria ter sido uma curva natural dessa adaptação do mercado ao streaming”, diz Fabio Lima, fundador da Sofa Digital, agregadora de conteúdo para o sob demanda.
Para ele, ainda há espaço para que as plataformas cresçam, mas é preciso, antes, desinchar, cortar excessos e políticas que faziam sentido para um mundo pandêmico de gente trancada em casa e menor concorrência.
O grande desafio que se impõe é a retenção. Se na era da televisão a cabo os consumidores assinavam um pacote que incluía tanto canais que lhe interessavam, quanto outros dos quais não era possível se desvencilhar, agora as pessoas podem migrar de plataforma em plataforma com facilidade e rapidez.
Por isso, boa parte das apostas está em conteúdo original. Ou não tão original assim. Apesar de séries e filmes novos, exclusivos, serem anunciados com frequência, uma parcela significativa deles tem um pé no passado, reciclando personagens e universos já testados e aprovados.
Não é de hoje que Hollywood aposta em remakes, mas a onda de agora está mais para tsunami. O anúncio que melhor ilustra isso é o de uma nova versão para os livros de “Harry Potter”, dessa vez em formato de série, para o Max. Vale lembrar que o último filme do bruxinho, extremamente popular, lucrativo e bem avaliado, tem só 12 anos.
Tempo, no entanto, não parece ser um problema para os altos executivos de Hollywood. “Crepúsculo”, com seus 11 anos de idade, também foi mandado para a linha de produção em forma de série. “Moana”, animação da Disney lançada em 2016, vai ganhar uma versão em live-action tão precoce que Dwayne Johnson vai conseguir reprisar o papel do deus Maui.
Eles quase seguem os passos de “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder”, que ao menos criou uma nova saga ambientada no mundo fantasioso de J.R.R. Tolkien em vez de contar a mesma história, no Amazon Prime Video.
“Gremlins”, “Scooby-Doo”, “Meninas Malvadas”, “Peter Pan”, “Pinóquio”, “Lilo & Stitch”, “Percy Jackson” e “Grease” são outros filmes e séries amados que já viraram ou devem virar, muito em breve, novos conteúdos no streaming.
“É muito difícil pôr uma nova marca no mercado. É um princípio do marketing. Todo mundo quer muita variedade, mas quando se tem muita oferta, é difícil escolher. Então quando as pessoas se deparam com isso, elas tendem a abandonar a plataforma ou procurar o que é familiar. É um comportamento inconsciente”, diz Lima.
Enquanto isso, a indústria redescobriu o cinema e tem reservado a ele lançamentos mais premium, digamos, com maior valor de produção, efeitos especiais de ponta e grandes astros. O Apple TV+, que demorou para entrar no ramo de longas-metragens, agora tem um Scorsese para ser lançado e já fechou parcerias milionárias de distribuição com Paramount e Sony.
As bilheterias americanas ainda estão cerca de 23% atrás do que eram em 2019, mas analistas já dizem que a arrecadação durante a temporada de verão, que começa no meio do ano, pode rivalizar com os níveis pré-pandemia, impulsionadas por filmes como “Guardiões da Galáxia Vol. 3” e “Super Mario Bros.”, com resultados acima do esperado.
No Brasil, 2022 viu o público de cinema crescer 82% em comparação com o ano anterior, de acordo com dados da Ancine. Os números ainda estão 46% menores que os de 2019, mas são suficientes para causar otimismo e decretar que há uma recuperação acontecendo. Lenta, é verdade, em especial para produções nacionais, mas em curso. O número de salas em atividade, também, está próximo dos níveis pré-Covid, 3.401 contra 3.507.
Nessa reconfiguração do mercado, estúdios e exibidores parecem ter feito as pazes. Se durante a pandemia estavam em pé de guerra, agora a CinemaCon, maior convenção do setor nos Estados Unidos, deu um clima de lua de mel para o relacionamento, com barulho e discursos bonitos sobre a tela grande.
Entre as obras recentemente licenciadas para outras janelas está “Avatar: O Caminho da Água”, que fez quase US$ 2,4 bilhões de bilheteria e, ao contrário do que vinha acontecendo com os lançamentos da Disney, foi disponibilizado para aluguel e compra digital antes de chegar ao Disney+ para os assinantes.
“É caro produzir e lançar no cinema, mas ele muda o status do produto, dá um selo de qualidade. Com o encurtamento do intervalo entre a estreia e a disponibilização em outras plataformas, faz ainda mais sentido investir nele, porque não há mais um buraco grande o suficiente para que o público perca o interesse num filme”, diz Lima, atestando que a simbiose nessa indústria é mais fundamental do que nunca.