Diego Barros
“De todos estes folguedos, aquele que goza de maior prestígio, mormente no seio da população mais humilde das zonas suburbana e rural de Estado, é o que tem entre nós o nome de Reisado”. A afirmação é do folclorista e pesquisador da cultura popular alagoana Théo Brandão e foi publicada no jornal Diário de Notícias, em 30 de dezembro de 1951, e resgatada pelo site História de Alagoas.
Daquela época até agora, o Reisado permanece vivo no seio da cultura popular alagoana e, como bem observou o folclorista, é praticado entre as classes populares e mais humildes de Alagoas. É o caso de Cida e Divaldo, que há mais de 40 anos são praticantes do Reisado em São José da Tapera, no Sertão do Estado.
Eles estão casados desde 1975. Antes disso, Divaldo Augusto dos Santos, que tem 73 anos, já era praticante do Reisado, que ele aprendeu, segundo conta, com duas pessoas que consegue identificar apenas como “Zé da Barra” e “Benedito”, na comunidade rural chamada de Fazenda Nova.
Após a união com Maria Aparecida de Melo, conhecida apenas como “Cida”, que hoje tem 61 anos, o casal passou a dividir o tempo entre trabalhar em lavouras, cuidar dos três filhos e fazer ensaios e apresentações para o Reisado nos grupos aos quais foram vinculados.
Atualmente, eles possuem o próprio Reisado em São José da Tapera, que se chama “Nossa Senhora do Bom Parto”, o qual é composto por 18 pessoas, incluindo sobrinhos e outros familiares dos dois. Por serem os fundadores desse grupo, eles assumem as funções de “Mestre” e “Figura”.
São eles dois, também, os responsáveis por passar para as novas gerações a prática do Reisado, ensinar as danças, os passos, os cantos, a entonação, a “baixada” e a “troca de espada”.
Os ensaios do grupo, que ocorrem o ano inteiro, são realizados na casa de uma sobrinha de Divaldo, que é integrante do mesmo Reisado. É essa mesma sobrinha, inclusive, que colabora na confecção das roupas dos integrantes, que são coloridas, com muito brilho e nas cores vermelha e azul.
“A gente gosta, acha importante dançar, se divertir, é bom pra mente”, declarou Cida ao explicar o que a motiva a praticar o folguedo popular há tanto tempo.
Origem do Reisado
Conforme a tradição europeia, o Reisado é uma manifestação folclórica que sempre ocorre no Ciclo Natalino, tendo seu início geralmente no dia 24 de dezembro e se estendendo até o dia 6 de janeiro, Dia de Santos Reis. O folguedo também homenageia os Três Reis Magos, que visitaram o menino Jesus, e faz louvações aos donos das casas onde dançam.
Segundo Cida e Divaldo, o Reisado Nossa Senhora do Bom Parto se apresenta no Sertão de Alagoas o ano inteiro, principalmente no Ciclo Natalino e no período junino. Mas não apenas nessas datas específicas. “A gente vai muito pras festas de padroeiro, pra aniversário”, disse Cida, referindo-se às celebrações religiosas das comunidades rurais de São José da Tapera.
Ainda conforme o folclorista Théo Brandão publicou no Diário de Notícias de 1951 a respeito do Reisado: “É ele, em sua essência, nos tempos atuais, uma espécie de revista popular em que os números de canto, danças e declamações de obras poéticas decoradas ou de improviso dominam quase a parte dramática do folguedo constituída pelos ”entremeios” que são representações, na sua maioria curtas e pobres, e, elas próprias, quase sempre acompanhadas de cânticos e danças”.
Adversidades e Resistência
O casal Cida e Divaldo, que sobrevive apenas de um benefício do INSS que ele recebe no valor de um salário mínimo, não tem casa própria, mora de aluguel e, por isso, vive mudando de endereço dentro da cidade, mas isso não desmotiva os dois a continuarem sua prática cultural e a aceitarem a participação de novos integrantes que quiserem se juntar ao grupo.
Não há nenhum custo, apenas interesse e vontade de manter viva uma tradição secular que há muito tempo se enraizou nas tradições culturais do interior alagoano, como já havia registrado Théo Brandão há mais de 70 anos: “E aí, brinca o Reisado — velha folgança que, embora cada vez mais relegada às classes mais humildes e deseducadas, resiste como uma força tradicional e popular merecedora de estudo e de documentação”.
Além do Reisado Nossa Senhora do Bom Parto, fundado por Cida e Divaldo, outros grupos desse mesmo folguedo popular existem em São José da Tapera. Todos eles são compostos por pessoas humildes, trabalhadores, agricultores familiares ou aposentados, que, mesmo sem apoio de órgãos públicos, resistem e mantêm vivas as tradições que tanto contribuem para a formação cultural alagoana.