domingo 24 de novembro de 2024

Crime socioambiental da Braskem atingiu patrimônio cultural da capital alagoana

Professora da Ufal explica como medidas sugeridas pelo Ministério Púbico Federal podem reduzir impactos sobre patrimônio de Maceió
A professora Adriana Capretz | Divulgação

Depois de ter ouvido os representantes de grupos culturais do bairro de Bebedouro, no inicio deste mês de setembro, o Ministério Público Federal (MPF) enviou ofício à Diagonal Empreendimentos e Gestão de Negócios, à Braskem e à Secretaria Municipal de Educação (Semed) em que aponta medidas para garantir a preservação do patrimônio cultural afetado pela desocupação de imóveis na região.

Bebedouro é um dos cinco bairros de Maceió afetados após o afundamento do solo causado pela exploração de sal-gema pela Braskem. Entre as medidas que foram apresentadas pelo MPF estão:

  1. Elaborar um inventário do patrimônio cultural nos bairros do Pinheiro, Bebedouro, Farol, Bom Parto e Mutange;
  2. lançar editais de fomento para apoiar atividades culturais dos grupos originários dessas áreas afetadas, preferencialmente em um formato não competitivo. Além disso, é requerida a comprovação de que esses grupos já estavam em atividade antes do desastre;
  3. desenvolver um programa de apoio aos grupos culturais pré-existentes nas áreas afetadas e comprovadamente ligados aos bairros atingidos;
  4. iniciar discussões com a Prefeitura de Maceió para disponibilizar um local temporário para ensaios dos grupos culturais.

O MPF também solicitou à Semed que informe sobre a possibilidade de disponibilizar o prédio da Escola Municipal Dom Miguel Fenelon Câmara, localizado no bairro Jardim Petrópolis II, que é considerado central pelos grupos culturais, para a realização de ensaios.

Para analisar as iniciativas, o 082 Notícias ouviu a professora Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Adriana Capretz. As opiniões dela podem ser lidas nesta entrevista:

Sobre a elaboração de um inventário do patrimônio cultural nos bairros do Pinheiro, Bebedouro, Farol, Bom Parto e Mutange, qual a sua opinião?

Cabe iniciar esclarecendo que a concepção de “patrimônio” se transformou, e hoje é mais complexa e plural com a ampliação dos sentidos de patrimônio atribuídos aos bens, com ênfase no reconhecimento da diversidade cultural como um valor essencial da humanidade e sobretudo com questionamentos sobre a legitimidade da atribuição de valores e sobre os sujeitos dessa atribuição.

Até a Constituição de 1988, “patrimônio” eram imóveis, sítios e objetos valorizados por suas qualidades arquitetônicas e artísticas e pela vinculação a fatos memoráveis da história (história que era contada e escrita a partir de uma pequena parcela da sociedade, segundo seus valores). A Constituição de 1988, no Artigo 216, ampliou o conceito de patrimônio para os “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988, art. 216).

O inventário é um modo de produção de conhecimento sobre bens culturais para identificá-los e valorizá-los como patrimônio cultural, sendo o instrumento que servirá para justificar a seleção dos bens (materiais e imateriais) a serem protegidos pelo poder público.

Assim, é de suma importância a realização deste Inventário do Patrimônio Cultural, seguindo metodologias específicas para isso (como a do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que tem como princípio a participação popular, para que então as providências em relação ao futuro daquele conjunto sejam tomadas (envolvendo o que se pretende fazer da área, quais edificações preservar e quais finalidades serão dadas a elas).

O PAS divulgado pela Diagonal seis meses atrás já previa esta necessidade, e que este inventário fosse realizado por pesquisadores locais. Cabe agora à Braskem colocar em prática o que já era sabido e acordado por ela própria.

Os editais de fomento para apoiar atividades culturais dos grupos originários dessas áreas afetadas, preferencialmente em um formato não competitivo, atendem a expectativa?

Concordo que esses editais devam ser lançados de modo a contemplar o maior número possível de fazedores de cultura que foram severamente prejudicados ou até mesmo impedidos de continuar com suas práticas individuais e coletivas mas ressalto que a empresa Braskem deva constituir uma Fundação que crie e gerencie esses editais de modo que eles não sirvam para atender aos interesses da empresa e sim, das pessoas afetadas e da população de Maceió que teve o seu patrimônio cultural atingido.

Você concorda que as ações devem ser direcionadas aos grupos culturais pré-existentes nas áreas afetadas e comprovadamente ligados aos bairros atingidos?

Certamente esta é uma exigência que deve ser colocada em prática imediatamente, pois já era uma solicitação dos próprios grupos culturais durante as escutas realizadas pela Diagonal em março de 2023 (especialmente a quarta escuta, focada no patrimônio e cultura), quando os representantes dos grupos culturais já deixaram claro que as pessoas que integram os grupos têm idade avançada e por isso o tempo é o principal fator a ser considerado. Uma das condições para a existência e riqueza do patrimônio imaterial é justamente a transmissão dos conhecimentos de geração para geração de forma oral, e quanto mais idosos, mais saberes e conhecimento acerca das tradições as pessoas acumulam.

Essas pessoas não podem esperar porque tem idade avançada e também porque as práticas culturais eram o modo de subsistência e também da manutenção da saúde emocional daqueles grupos. Ficou muito claro, durante as escutas, sobre o impacto que a inviabilidade de continuidade das atividades culturais afetou outros aspectos da vida daquelas populações.

Representantes de grupos culturais em reunião no MPF | Ascom MPF/AL

Sobre o local temporário para ensaios dos grupos culturais, em parceria com a Prefeitura de Maceió, existe alguma restrição?

Neste aspecto não concordo que as discussões sejam apenas “iniciadas com a prefeitura”, elas devem ser executadas imediatamente e sem a intermediação da Prefeitura, pois isso pode levar mais tempo do que o necessário (haja vista a demora com o Plano Diretor). Além do mais, tenho dúvidas sobre a disponibilização de um “local temporário” para os ensaios por dois motivos:

1. Braskem tem que construir locais permanentes urgentemente, com todas as condições necessárias (armazenagem de instrumentos, fantasias e cenários, bem como locais para se alimentarem e vestiários), bem como condições de acesso – isso inclui transporte livre e ilimitado para essas pessoas, pois quando eram moradores da área afetada, os ensaios aconteciam em locais próximos e acessíveis a todos.

2. Esses locais tem que ser identificados pelos moradores. Como eles se encontram dispersos pelo município, é necessário mais de um local e a empresa precisa levantar, entre os fazedores de cultura onde são os melhores locais para seus ensaios, considerando suas necessidades. Não se pode esquecer que antes de serem retirados de suas casas, os fazedores de cultura não tinham nenhum problema com locais para ensaio e a proximidade geográfica era o principal fator para que as práticas acontecessem. Com as remoções, este fator deixou de existir. Portanto, se a empresa criou este problema, ela precisa resolvê-lo integral e urgentemente.

 

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1 Comentário

  • Infelizmente me sinto excluído dessas demandas e reuniões, pois para meu grupo Mamulengo Caxapá que desde 2009 tenta sobreviver através da cultura popular do Teatro de Mamulengo, sofre até hoje os impactos causados pela Braskem que tirou nosso chão, nossa casa nossa comunidade cultural deixando uma lacuna imensa na história do nosso bairro Pinheiro. Espero que possamos ser contemplados juntamente com os demais grupos de fazedores de cultura dos bairros afetados pela minerado Braskem.

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