Por Mauro Ferreira, do G1
♪ OBITUÁRIO – É inevitável associar o toque lisérgico da guitarra de Alexander Gordin (28 de novembro de 1951 – 28 de novembro de 2023) à Tropicália porque o instrumentista de origem chinesa – radicado no Brasil desde os seis anos, vindo de Israel – foi músico fundamental em álbuns igualmente essenciais das discografias de Caetano Veloso, Gal Costa (1945 – 2022) e Gilberto Gil.
Contudo, é justo também ressaltar que o toque marcante da guitarra elétrica de Lanny Gordin – como era conhecido o músico morto em São Paulo (SP), na madrugada de hoje, dia do 72º aniversário do instrumentista – transcendeu a Tropicália e qualquer outro movimento pop do Brasil.
Primeiro músico a imprimir uma assinatura no toque da guitarra elétrica, instrumento demonizado pela ala conservadora da MPB nos polarizados anos 1960, Gordin deixa um seguidor, Guilherme Held, guitarrista sobressalente na cena musical paulistana do século XXI, sem deixar de ter sido único, singular, insubstituível.
Com Held, Gordin integrou o Projeto Alfa, quarteto com o qual gravou dois discos nos anos 2000, tentando se inserir novamente em cena no embalo da gravação e da repercussão do primeiro álbum de Chico César, Aos vivos, lançado em 1995 com o registro de show captado em 1994.
Em atividade desde 1968, ano em que debutou no mercado fonográfico em disco de Eduardo Araújo, cantor da Jovem Guarda, Lanny Gordin embarcou como poucos na viagem psicodélica da década de 1960. O LSD foi o passaporte que transportou o guitarrista para um universo particular, colorido, do qual Gordin nunca mais voltaria para valer a partir de meados dos anos 1970 quando um ácido mexeu com o psiquismo do artista.
Até então, o músico já tinha tocado nos álbuns lançados por Caetano, Gal e Gil em 1969, ano em que Gordin consolidou o toque da guitarra na música brasileira na carona das conquistas estéticas da Tropicália.
Guitarrista original do show Gal a todo vapor (1971), mais conhecido pelo título posterior Fa-Tal, Gordin ajudou a cantora a manter hasteada a bandeira da contracultura em álbuns como Le-Gal (1970), disco feito por Gal com Gordin e Jards Macalé quando Caetano e Gil já estavam exilados na Europa.
Após a volta de Gil do exílio londrino, em 1972, Gordin tocou no emblemático disco Expresso 2222, lançado pelo cantor baiano naquele ano de 1972 em que Macalé apresentou o primeiro álbum com o toque decisivo da guitarra (e do baixo) de Gordin.
Antes, em 1971, o músico tivera presença determinante em Carlos, Erasmo, disco que consolidou a carreira de Erasmo Carlos (1941 – 2022) após a Jovem Guarda. Influenciado por Jimi Hendrix (1942 – 1970), Lanny Gordin soube ir além da trilha pavimentada pelo mestre norte-americano da guitarra.
Esquizofrênico, o artista enfrentou problemas mentais agravados com o consumo de ácidos. Por isso, a partir da segunda metade da década de 1970, Lanny Gordin alternou longos períodos fora de cena, alguns vividos em sanatórios, com voltas esporádicas em que invariavelmente foi aclamado como um guitarrista referencial. Uma lenda viva da guitarra brasileira pelo timbre inimitável que conjugava influências do rock, do blues e do jazz.
Também compositor, Gordin deixa quatro álbuns na discografia solo, com destaque para o autoral Lanny Gordin (2001) e para o estelar Lanny Duos (2007), gravado com nomes como Gal, Gil, Macalé, Chico César, Rodrigo Amarante e Adriana Calcanhotto.
Filho de pai pianista, o músico optou desde sempre pela guitarra, detectando no instrumento a porta de entrada para um mundo tão próprio como a afinação incomum da guitarra do instrumentista.
A viagem começou na casa paulistana Stardust – boate de propriedade do pai de Gordin, espécie de laboratório para o guitarrista então adolescente que lá conheceu Hermeto Pascoal (com quem integraria o octeto Brazilian Octopus) – e se estendeu por todo o Brasil quando os discos de Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil amplificaram a partir de 1969 o som da guitarra de Lanny Gordin.