19 de dezembro de 2023 2:36 por Da Redação
O poeta, escritor e compositor alagoano Marcos de Farias Costa prestou um depoimento ao 082 Noticias sobre a maneira casual e inusitada como conheceu Carlos Lyra, numa de suas passagens por Maceió. Para Marcos, o artista, que faleceu no último fim de semana, foi maior melodista da Bossa Nova.
Leia:
Carlos Lyra (1933-2023) é o nome artístico de Carlos Eduardo Lyra Barbosa, carioca nascido no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Morreu no dia 16/12. Filho mais velho de José Domingos Barbosa, oficial de marinha, e de Helena Lyra Barbosa. A sua iniciação musical foi com um piano de brinquedo aos sete anos de idade, passando, em seguida, para a gaita de boca e o violão instrumento que se consagrou mundialmente.
Estudou no Colégio Santo Inácio, foi semi-interno no Colégio São Bento e concluiu o antigo segundo grau no Colégio Mallet Soares, em Copacabana, onde conheceu o compositor Roberto Menescal, com quem montou a primeira Academia de Violão, por onde passaram Marcos Valle, Edu Lobo, Nara Leão e Wanda Sá, entre outros.
Participou da primeira geração da Bossa Nova junto com seu parceiro Ronaldo Bôscoli, os também parceiros Tom Jobim e Vinícius de Moraes e o intérprete João Gilberto, todos representados no LP “Chega de Saudade”, lançado em 1959.
Conheci o compositor Carlos Lyra no que eu chamaria de confluência de oportunidades, numa noite de verão, casualmente, por obra e graça de um amigo baiano que morava nestas plagas na época, chamado Déu, também cantor, vagamente compositor, participante de festivais e apresentações aqui em Maceió, nas orlas alegres e musicais de nosso Estado, onde em cada bar, cada restaurante praieiro, tem sempre um artista local tocando e cantando.
Déu disse-me que tinha uma surpresa (ou criei isso agora, por devaneio da memória?), e convidou-me para ir à noite em um barzinho que ele estava gerenciando. Chamava-se, se a memória não me corneia, “Blue Bar”, um ponto de encontro em Jatiúca, para conversar com os amigos, ingerindo uma geladíssima; enfim, um “locus amoenus”, como diria Virgílio em sua retorização romana. Assim que entrei no “Blue” avistei o Carlos Lyra, e como havia comemorações no país, pelos 25 anos da Bossa Nova, tive a minha primeira surpresa. Antes de sermos formalmente apresentados nós nos cumprimentamos, e ele disse ter um amigo no Rio chamado Marcos Farias, que se parecia muito comigo: esta foi a minha segunda surpresa. Na hora pensei que o Déu tinha falado já meu nome e o compositor fizera uma brincadeira, só para quebrar o gelo.
Carlinhos Lyra já estava de pé com uma garrafa de Teacher nas mãos e sentamos. Os artistas da Bossa Nova bebiam profissionalmente e o Lyra era moeda forte e aos poucos derrubamos um litro do nem tão puro malte. E a conversa rolou, ficamos juntos cerca de duas horas molhando as palavras, enquanto Déu soltava a voz e o bar se agitava no calor da noite.
O papo girava sempre em torno de música popular brasileira e, evidentemente, sobre a bossa nova, que Carlinhos Lyra considerava como um samba estilizado, nem eu diria jazzificado. De repente passamos a discutir, educada e com razoabilidade, sobre os grandes intérpretes brasileiros e o Carlinhos Lyra me veio com essa: “Não julgo Orlando Silva, nem Chico Alves, nem Sílvio Caldas, nem o Carlos Galhardo, nenhum desses, o maior cantor popular do Brasil!”.
Engoli em seco e fiquei esperando que ele me dissesse o nome de seu intérprete preferido, juro que pensei que ele iria citar o nome de João Gilberto, da santa trindade da BN, ao lado de Jobim e Vinicius. Carlinhos tomou mais um gole do dourado líquido, tilintando no gelo e afirmou alto e bom som: “O maior cantor popular brasileiro foi Augusto Calheiros, alagoano, seu conterrâneo!
Bom, certamente foi a minha terceira surpresa da noite. Mas não nego, fiquei feliz com a resposta, pois Augusto Calheiros, também chamado “A Patativa do Norte”, é, sempre foi e será um de meus interpretes favoritos.
Fecha rapidamente a cortina.