Por O Globo
O Brasil parou diante da televisão, há 35 anos, para assistir ao último capítulo da novela “Vale tudo”. As ruas, bares e restaurantes das grandes cidades estavam vazios naquela sexta à noite, quando a Globo exibiu o episódio que revelou, depois de muito mistério, quem havia matado Odete Roitman. Uma das maiores vilãs da teledramaturgia nacional, a personagem de Beatriz Segall fora assassinada a tiros no capítulo transmitido na noite do Natal de 1988, mas a cena não mostrou quem fizera os disparos. Nas semanas seguintes, então, o país se viu engolido pelo segredo.
O mistério foi mantido até o episódio final, exibido no dia 6 de janeiro de 1989, graças a uma série de medidas “drásticas” adotadas pelos autores Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. Eles fizeram de tudo para evitar vazamentos. Chegaram a enviar o script do capítulo final para os atores e atrizes com sete páginas faltando. Para preencher a lacuna, foram planejados cinco desfechos, cada qual com um assassino diferente. As cenas foram todas rodadas no dia da exibição, logo pela manhã, e editadas na correria. Nem os intérpretes envolvidos sabiam qual delas seria levada ao ar.
Esse enorme ponto de interrogação coroou uma novela que já vinha prendendo a audiência. Destaque para a personagem Raquel (Regina Duarte), que espalhou bordões como “te mete” e “o sangue de Jesus tem poder”, para Maria de Fátima (Glória Pires), considerada a “filha mais ingrata da TV”, e para a inigualável Heleninha Roitman (Renata Sorrah), até hoje uma espécie de sinônimo de gente que perde as estribeiras quando bebe demais. Mas a menção principal vai mesmo para Beatriz Segall e sua Odete Roitman, odiada nacionalmente até que sua morte se tornou o maior segredo do Brasil.
O sigilo em torno da identidade do assassino motivou rodas de conversas, campanhas publicitárias e até apostas do jogo do bicho. De acordo com uma reportagem do GLOBO em 31 de dezembro de 1988, os chefes da contravenção decidiram faturar em cima do mistério, aceitando apostas com os palpites sobre quem havia dado cabo da grande vilã. Até aquele momento, cerca de 40 mil pessoas já haviam feito a sua “fezinha” apenas no Estado do Rio, segundo um banqueiro veterano que trabalhava para o bicheiro José Petrus Khalil, o Zinho, então chefe do jogo ilegal no Centro do Rio.
Todo mundo só falava disso. Até o então diretor da Polícia Federal, Romeu Tuma, foi acionado pela imprensa para dizer quem era o assassino, na opinião dele. O mistério motivou uma grande campanha publicitária promovida pela marca do caldo de galinha Maggi. Os organizadores da ação receberam cerca de três milhões de cartas com nomes de suspeitos. A maioria absoluta das pessoas achava quem o atirador era o doleiro Marco Aurélio, sócio de Odete Roitman na novela, interpretado pelo ator Reginaldo Faria. Pode-se dizer, então, que revelação surpreendeu o público da trama.
Naquela noite de sexta-feira, 6 de janeiro de 1989, a atriz Cássia Kiss completava 30 anos de idade e estava em busca de um papel de destaque na televisão. Leila, sua personagem em “Vale Tudo”, não era uma das principais na trama. Seu nome, aliás, era bem pouco citado entre os prováveis autores dos disparos que mataram Odete Roitman. A artista gravou uma das cinco sequências, como a assassina, mas não sabia se iria ao ar até a exibição. À noite, o público acompanhou, estupefato, a cena em que Leila atira na vilã por engano, achando que estava disparando contra Maria de Fátima.
“Gravei o dia todo e fiz questão de assistir à cena junto com os milhões de espectadores. Trabalhei fazendo o melhor que pude, mesmo que o resultado nem sempre tenha sido o melhor, já que meu papel era de apoio, e muitas vezes tive que tirar leite de pedra”, desabafou a atriz aniversariante. “Fora dos personagens, a iluminação nunca é fantástica, os closes não são demorados, enfim, nada é ideal. Mas me considero pé quente por pegar personagens que no começo não dizem muito mas acabam se revelando, como a Lulu, esposa do Zé das Medalhas, de ‘Roque Santeiro.'”