sábado 11 de janeiro de 2025

Nem The Crown nos convence de que precisamos de monarquias no mundo moderno

Dos 194 Estados reconhecidos pela comunidade internacional, 43 são regidos por monarquia

Por André Cintra, do portal Vermelho

Volta e meia, os criadores de The Crown são acusados – com razão – de edulcorarem a imagem da monarquia britânica, em especial a da rainha Elizabeth 2ª (1926-2022). Mas um episódio da sexta e última temporada da série, lançada pela Netflix em novembro passado, deixa a condescendência de lado e expõe em detalhes um dos muitos anacronismos que cercam a família real.

O capítulo é batizado de “Ruritânia”. Nele, Elizabeth, incomodada com os elevados índices de aprovação do primeiro-ministro Tony Blair, quer entender por que a monarquia não goza mais de prestígio semelhante. Um conselheiro tenta dissuadi-la: “A Coroa não faz perguntas existenciais sobre si mesma”. Mas a monarca não desiste.

Após encomendar uma ampla pesquisa de opinião pública, a Corte pede ajuda ao próprio Blair. Em resposta, ouve conselhos que vão da mudança nas regras de sucessão à demanda por mais transparência. O premiê insiste particularmente no que chama de “pompa e esplendor”. Para exemplificar essas aberrações, cita um punhado de profissionais que servem à casa real com “papéis cerimoniais” obsoletos.

Lá estão, entre outros, o caçador de falcões hereditário, o espalhador de ervas da rainha, o lavador de mãos do soberano, o guardião dos cisnes e o arauto de cerimônias. “Acho que estamos sugerindo uma purga de honoríficos. Uma extinção de sinecuras pode ser uma concessão bastante útil – e uma vitória das relações públicas”, diz Blair para uma rainha estupefata.

Numa das cenas seguintes, a família real discute as propostas do premiê em tom de ironia e desprezo. Apenas Charles concorda que fazer “uma ou duas concessões” beneficiaria a imagem pública da realeza. “Vai nos deixar menos aberto a acusações de elitismo e grandiosidade”, diz o primogênito da rainha. “Não há nada de errado em administrar a monarquia de uma maneira mais racional ou democrática.”

É nesse ponto que Elizabeth abre mão da ideia de burilar a reputação real. Contrapondo-se ao filho, a rainha conclui que a monarquia “não é racional, ou democrática, ou lógica, ou justa”. Seu discurso atribui uma espécie de missão espiritual – quase sagrada – aos ocupantes do Palácio de Buckingham.

“As pessoas não querem vir ao palácio real e ter o que já têm em casa”, filosofa. “Quando vêm para uma investidura ou uma visita de Estado, quando nos encontram, querem magia e mistério – e o secreto, o excêntrico, o simbólico e o transcendente. Querem sentir como se tivessem entrado em outro mundo. Este é o nosso dever: elevar e transportar as pessoas para outro reino, e não trazê-las de volta à terra e lembrá-las o que já possuem.”

The Crown é uma obra de ficção, ainda que livremente inspirada em fatos verídicos. Não sabemos se o vaivém da rainha Elizabeth realmente ocorreu – da inclinação inicial em remodelar a monarquia até o abortamento completo do plano. Mas é inegável que a família real tem de se preocupar não apenas com sua popularidade – mas, acima de tudo, com sua razão de existir.

Entre os séculos 18 e 19, as revoluções burguesas ajudaram a exterminar a monarquia em diversos países europeus, como a França, a Itália e a Alemanha. O comunismo também deu sua contribuição no século 20, ao depor reis, imperadores e czares na Rússia, na Iugoslávia, na Romênia e em outras nações. Mesmo assim, o sistema monárquico sobreviveu na Europa, onde famílias reais continuam à frente de sete países e cinco principados.

Um levantamento Deutsche Welle mostra que, dos 194 Estados reconhecidos pela comunidade internacional, 43 são regidos por monarquia. Na Europa, reis e rainhas com décadas de trono têm abdicado nos últimos anos, mas a coroa continua em família. São funções representativas e, por vezes, decorativas – o termo “rainha da Inglaterra” é usado há décadas para descrever políticos que têm cargos, mas pouco poder.

Ora, para que servem, então, as monarquias no mundo moderno – e, em especial, as monarquias parlamentaristas europeias? Qual o sentido de mantê-las para além de valores como “magia e mistério – e o secreto, o excêntrico, o simbólico e o transcendente”? O dia e a dia em um e outro palácio real pode render até filmes e séries atraentes, a exemplo de The Crown. Mas podemos viver felizes sem essas produções, assim como o mundo não tem exatamente o que perder se as dinastias hereditárias chegarem ao fim.

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