Por Mariana Moura*
Em tempos de desespero, talvez nem possamos dizer que é sorte de uma infeliz coincidência, que no dia de combate ao trabalho infantil, o congresso nacional, ao invés de ter se debruçado a discutir uma pauta tão sensível a uma parcela imensa da nossa gente, que por exploração consciente ou não, encontra na mão-de-obra infantil, uma fonte mínima de subsistência, tenha aprovado a urgência de um PL que vilipendia ainda mais, os corpos de vítimas de um inescrupuloso senso de poder.
Obviamente, esse debate não se expressa por inteiro neste parágrafo e muito menos nesse caráter sugerido aqui, no entanto, nenhum verbo sobre essa campanha em defesa de condições que permitam que a criança seja criança fora da violência da exploração, foi tratado pela qualidade estúpida dos nossos parlamentares, que vivem de lacração antipovo na internet ou com seus uísques entre um falo e outro.
Ao contrário de como deveria conduzir os debates acerca da segurança e do cuidado, a Casa legislativa aprovou, em caráter de urgência, uma lei que equipara o crime do aborto com o do homicídio, desconsiderando as várias camadas sociais que estão sob esse grande colchão onde se deitam os estupradores de crianças e adolescentes que, além de serem vítimas de todos os abusos socioemocionais, ainda poderão ficar presas no submundo de penitenciárias por mais tempo do que seu próprio violador.
Não sou jurista, não sou filósofa, não sou moralista, não sou teóloga, nem religiosa. Mas sei que todas essas áreas de conhecimento possuem total liberdade de fazer suas análises e refletir posicionamentos sobre qualquer tema a partir de suas perspectivas, mas sempre compreendendo que temas de penetração de opinião pública precisam esgarçar-se ao debate até que tudo seja conduzido da forma mais democrática no sentido de entender e atender a maioria do povo, entendendo que existem as parcelas específicas da população para onde deve-se fazer um trabalho de dedicar atenção e políticas públicas.
Para além do tema “aborto”, cuja legislação existe desde Vargas e para além do símbolo corpo dentro do debate da corporeidade e da autonomia feminina sobre o seu conceito de existência a partir de um, o PL vem rasgando o seio do Estado Laico com a Teoria do Domínio patrocinada pelo que há de mais sórdido e hipócrita dos empresários de Deus.
Para além da discussão sobre a partir de quando há vida ou não, para além de questionar se há desejo ou não na gestação, para além de comparar qual vida tem maior validade perante a sociedade, o PL que considera o estupro menos crime que o aborto, trata nossas meninas em vilãs da vida.
No entanto, mesmo a partir dessas considerações, o que mais me causa escárnio, é que o relator, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) encontrou seu melhor ângulo para testar a crença cristã do presidente Lula, utilizando nossas filhas como iscas de uma sede de crueldade.
Segundo afirmou em entrevista, o macho-moralista-cristão deputado, o objetivo do PL é testar se Lula é mesmo contra o aborto como disse a pastores durante sua campanha presidencial. Sequer, o deputado evangélico citou qualquer preocupação com vidas e blá-blá-blá, ele declarou para olhos e ouvidos que ter útero nos torna nada menos que iscas ou depósitos de esperma.
Eu rio porque é minha reação natural quando estou assustada. Mas a verdade é que a gente precisa abusar de todas as formas de educar uma sociedade mais afetiva do que esta.
*É psicanalista, escritora, comunicóloga, mestre em Sociologia Histórica da América Latina e regatiana