Por Afonso Bezerra e Pedro Stropasolas, do Brasil de Fato
A Igreja Batista do Pinheiro foi um dos últimos imóveis desocupados na área de cinco bairros destruídos pela petroquímica Braskem em Maceió (AL). Ela resistia na Rua Miguel Palmeira até a chegada da Defesa Civil durante um culto em 4 de dezembro para desocupar o imóvel.
Símbolo da resistência contra a mineração irregular na capital alagoana, a casa liderada pelo Pastor Wellington Santos esteve na lista das 23 interdições feitas pela Defesa Civil após o colapso da mina 18 da mineradora.
Com mais de 50 anos de existência, a Igreja Batista do Pinheiro aprovou, em 2016, a inclusão de pessoas LGBTQIA+ entre os membros, o que a levou a ser desligada da Convenção Batista. Em 2021, representou um marco ao realizar o primeiro casamento homoafetivo em uma igreja cristã em Alagoas. No mesmo ano, ela foi reconhecida como Patrimônio Material e Imaterial do estado.
“Mais de trinta espaços religiosos foram destruídos. Do terreiro a messiânica, católicos, pentecostais, igrejas independentes, fragmentadas, subversivas que ninguém consegue controlar porque elas surgem, somem e voltam. Uma devastação. O crime da Braskem rasga o tecido relacional. E aí quando a Igreja Batista do Pinheiro luta para continuar no território. Esse é o único espaço religioso que não pertence a Braskem”, explica o Pastor.
Sete meses após a interdição do espaço, os membros da igreja do Pinheiro se mobilizam para reverter a ordem judicial que os impede de voltar ao imóvel. O processo segue parado, sem resolução.
A comissão jurídica da igreja contesta judicialmente o mapa de risco elaborado pela Defesa Civil que colocou o imóvel em área de desocupação, usando como base estudos de professores universitários e análises técnicas da própria Defesa Civil de Maceió
“Já fizeram vários laudos junto com alguns professores aqui do estado também, mostrando que não tem o risco de afundar visto que o o afundamento que ela teria um ano seria de se eu não ser enganado em zero vírgula sete milímetros por ano. Então o crime não ia trazer o risco pra pra igreja visto que engenheiros da própria igreja já fizeram laudos dizendo que não tem risco de de afundar”, pontua o pesquisador Carlos Eduardo Lopes, de 29 anos, que conheceu a Igreja do Pinheiro ainda na infância.
Acompanhado da reportagem do Brasil de Fato, ele voltou pela primeira vez a uma das casas do bairro que ele mesmo ajudou a esvaziar. O imóvel vizinho ao espaço religioso ainda guarda, entre ruínas e goteiras, pequenas marcas da fé dos seus antigos moradores
“A gente está no meio de ruínas, mas o contraditório é que aqui do lado tem vida do outro não tem”. coloca.
A mesma indagação é feita pelo Pastor Wellington. “A cinquenta metros em linha reta aqui da igreja tem uma creche do estado funcionando. Todos os dias da semana aqui. Aqui em minha reta oitenta metros tem uma quadra que toda noite a galera joga bola”, explica.
“Nós temos uma congregação na periferia e nós temos aula de capoeira, nós temos corte e costura através do do Centro Social que foi organizado, uma ONG e a igreja. Quando você rasga esse tecido você tira o chão você estilhaça as pessoas”, lamenta o pastor
Encontros em casa improvisada
Hoje, os encontros são realizados em uma casa alugada há 500 metros da igreja interditada. O imóvel de dois andares também fica no bairro do Pinheiro, mas em uma região que não está em risco, segundo a Defesa Civil.
Inajara dos Santos, além de frequentadora, trabalhava na Igreja do Pinheiro e perdeu o emprego após a desocupação do imóvel. Além disso, perdeu a casa. Ela e a família moravam há 42 anos no tradicional bairro do Mutange, também atingido pela empresa, e precisaram sair às pressas da moradia em 30 de março de 2020. O esforço hoje é grande para conseguir frequentar os cultos.
“Da minha casa pra igreja era um trajeto de cinco minutos. E agora não, agora tem que se deslocar do Tabuleiro até aqui, entendeu? E perdi meu pai, que sofria de Parkinson, isso se agravou. Em 2022 ele começou a ter depressão e não querer se alimentar. Tudo isso afetou não só a ele, como a família em si”, explica ao Brasil de Fato.
Já Ana Lindalva nasceu e cresceu no Pinheiro. E hoje também mora longe da casa onde cresceu. “Eu morava em uma casa que era da minha avó. Então, a história da minha vó, a história da minha mãe, ela ficou na memória, pois fisicamente a gente não tem mais aquele espaço”, explica a trabalhadora.
“Quando a gente foi expulso do bairro, a nossa realidade não permitia que a gente alugasse uma casa próxima a igreja, por conta dos valores dos aluguéis que subiram, então a questão financeira foi totalmente prejudicada. Mesmo a Braskem pagando auxílio aluguel, a realidade não permitia que a gente ficasse próximo do bairro”, completa
Até 2018, quando a movimentação do solo começou a surgir, o Pinheiro possuía padrão de renda mais alto em relação a outros bairros removidos. O bairro se verticalizava com novos empreendimentos imobiliários. Por isso, para o Pastor Wellington, a luta também é contra um crime imobiliário.
Isso porque o acordo assinado em 2019 pela Braskem, Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União estabelece que a mineradora vire dona da área dos imóveis que indenizar. Desde 2018, foram mais de 14 mil imóveis que passaram para o controle da petroquímica.
“A gente não está lutando por culto. A gente está lutando para que esse espaço seja um espaço de denúncia e de resistência e de disputa da memória e do território. Porque esse espaço não pertence a Braskem. Todo o resto pertence a Braskem”, finaliza o pastor.
Outro lado
Em resposta aos questionamentos enviados pela reportagem, a Braskem informou em nota que a empresa firmou cinco acordos com autoridades federais, estaduais e municipal que estão sendo cumpridos integralmente.
A empresa reiterou ainda que no “termo de Acordo Socioambiental firmado com o Ministério Público Federal, com participação do Ministério Público do Estado de Alagoas e adesão integral do Município, se compromete a não edificar nas áreas desocupadas, para fins comerciais ou habitacionais”. E que “discussões futuras sobre a área e sua utilização poderão ser feitas a partir do Plano Diretor do Município, instrumento amplamente debatido pelas autoridades e a sociedade, ou seja, em nenhum momento a decisão sobre o futuro da área caberá exclusivamente à Braskem”.
O Brasil de Fato também procurou a Defesa Civil de Maceió, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.