quinta-feira 21 de novembro de 2024

Sobre a eleição dos EUA e a esquerda brasileira

26 de julho de 2024 10:16 por Magno Francisco

 

Kamala Harris. Foto: Jim Vondruska / Getty Images via AFP.

Não resta dúvidas que a vitória eleitoral de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos fortalece a direita fascista internacionalmente. O bolsonarismo está serelepe com essa possibilidade, visto que, a ausência conjuntural de apoio do Partido Democrata aos planos golpistas dos fascistas brasileiros prejudicou a tentativa de imposição de uma nova Ditadura Militar no país.

Basta lembrar, entre as centenas de crimes cometidos contra os povos do mundo nos governos do Partido Democrata, que foi por intermédio da intervenção direta de John Kennedy e, após o seu assassinato, de Lyndon Johnson, que o Golpe Militar de 1964, que resultou numa Ditadura Militar de 21 anos, foi realizado no Brasil. É necessário repetir: a rejeição de Biden e do Partido Democrata dos Estados Unidos a um novo golpe militar no Brasil foi apenas conjuntural, decorrente da atual disputa interna com o Partido Republicano e o trumpismo.

A verdade é que o Partido Democrata e o Partido Republicano concorrem principalmente ao título de quem consegue adotar a política mais imperialista, mais beligerante, mais genocida e mais agressiva contra os povos do mundo. Ambos são defensores do neoliberalismo, o Partido Republicano exibe o neoliberalismo fascista e o Partido Democrata, para garantir seu território político interno, assume o discurso de um suposto neoliberalismo progressista.

Por motivos óbvios o que Democratas e Republicanos apresentam em relação a agenda interna, vale muito pouco ou nada em relação à agenda externa. Se dizem que vão proteger trabalhadores, negros e mulheres ou lgbts dos Estados Unidos, assassinam trabalhadores, negros e outras etnias, mulheres e lgbts de outras partes do mundo, para roubar-lhes a riqueza, controlar a economia internacional e ampliar a extração de mais-valia da classe trabalhadora mundial.

Esse fenômeno não chega a ser uma novidade, desde o início da modernidade, enquanto a burguesia europeia falava em liberdade, igualdade e fraternidade, direitos humanos e expansão da ciência para eliminar a ignorância, escravizava e colonizava populações inteiras da África, Ásia e América.

Chama a atenção o comportamento político no Brasil em relação à eleição presidencial estadunidense. Muitos setores gostariam de copiar integralmente a política dos Estados e reproduzi-la no Brasil. Queriam que houvesse apenas dois partidos, outros se comportam como se fossem eleitores dos Estados Unidos e assumem integramente a identidade dos Republicanos ou Democratas.
Não se propõe aqui a indiferença em relação aos eventos políticos, sejam nacionais ou internacionais, seria uma estupidez sugerir isso, mas, parece evidente que a tentativa de imitar a política estadunidense, seja numa perspectiva de direita ou de esquerda, demonstra uma espécie de colonização da política brasileira.

Trump. Foto: Prensa Latina

Mais lamentável é identificar tal comportamento em setores da esquerda brasileira. O Partido Democrata decidiu substituir o atual presidente dos EUA, Joe Biden, aparentemente por problemas de saúde, pela sua vice-presidente, Kamala Harris. Por se tratar de uma mulher negra, podendo ser a primeira mulher a assumir a presidência dos EUA, parte da esquerda brasileira foi tomada por uma verdadeira euforia.

É evidente que é necessário radicalizar a participação das mulheres e de todos os oprimidos na política. O grande impedimento para isso é o capitalismo, pois o conjunto das opressões são efeitos diretos ou indiretos da exploração do trabalho. Até porque não basta a representatividade para que mudanças efetivas na vida dos explorados e oprimidos aconteçam.

Barack Obama foi o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, governou entre 2009 e 2017, qual o grande saldo de mudanças na vida da população negra do país? Os Estados Unidos seguem sendo o país mais racista do mundo e os casos de assassinatos de negros pela polícia seguem repercutindo internacionalmente. Também foi no mesmo governo Obama, que tinha como secretária de estado, uma mulher, Hillary Clinton, que a política imperialista e belicista dos EUA seguiu massacrando povos, como demonstram as ações no Afeganistão, Libia e em todo Oriente Médio. Diante disso, qual o sentido de tanta euforia com a candidatura de Kamala Harris?

Joe Biden. Foto: Poder 360

A política que transforma a identidade como um fim em si mesmo, eliminando a universalidade em detrimento da afirmação da segmentação decorre da ideia ingênua ou oportunista de que é possível para os explorados e oprimidos obterem algum tipo de reconhecimento e melhoria das suas condições de vida no capitalismo. Essa ideia é uma prisão que consolida a ideologia capitalista, transformando-a em um pensamento único que elimina o potencial explosivo e disruptivo dos explorados e oprimidos.
Com a consolidação do neoliberalismo e o seu domínio em todas as dimensões da vida, os espaços de disputa por reformas em favor dos trabalhadores deixaram de existir. Ao mesmo tempo que é um equívoco dizer que não há diferença entre direita e esquerda, também é preciso dizer que os setores hegemônicos da esquerda se adequaram ao neoliberalismo (o identitarismo é uma expressão disso) e os segmentos revolucionários da esquerda ainda estão em processo de reorganização e crescimento.

Independente do resultado da eleição dos Estados Unidos, a esquerda brasileira deve se mobilizar para enfrentar o fascismo e passar a desenvolver uma atuação que ultrapassa a dimensão eleitoral. É preciso retomar a capacidade revolucionária da esquerda, isso significa derrotar do ponto de vista das ideias às tentativas de reproduzir a política estadunidense e a submissão ao ideário neoliberal disfarçada de progressismo. Fora isso, resta a mentalidade colonizada e derrotada de parcelas de uma esquerda que aderiu completamente ao complexo de vira-latas.

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