Por Luís Nassif, do Jornal GGN
Meu primeiro contato com o modelo Silvio Santos deu-se nos anos 80, quando minha então esposa adquiriu um carnê do Baú. Depois de pagar por bom tempo, no resgate conseguiu apenas um televisor. Eu tinha hábitos meio espartanos. Recusava TV no quarto para não dispersar a atenção do jornalismo. Mas acabei cedendo.
De qualquer forma, a experiência me chamou a atenção para os planos de capitalização. Eram apresentados como se fosse uma caderneta da poupança, mas os valores de resgate eram irrisórios.
Em minha coluna “Dinheiro Vivo”, na Folha, escrevi um artigo mostrando a lógica dos planos, o que era parcela referente à taxa de administração, ao sorteio e à capitalização propriamente dita. O que sobrava para capitalização era irrisório.
Pouco tempo, um jovem dirigente de Bradesco Capitalização me convidou para almoço e me disse que o banco decidira soltar a sua capitalização quando percebeu que, enfim, a imprensa passou a analisar corretamente a natureza e as diferenças dos títulos. O executivo era Luiz Trabucco que, décadas depois, assumiria a presidência do banco.
As mudanças na economia
Quando a Tupi faliu, vários grupos se candidataram ao seu espólio. Havia os Bloch, da Manchete. Não sei se o Jornal do Brasil tentou. Nos anos 80, Walther Moreira Salles ofereceu sociedade a Nascimento Britto, para colocar em pé uma concessão que o grupo tinha ganhado do governo, mas Nascimento Brito refugou.
A escolha de Golbery foi para o empresário que representasse menor risco de ativismo político. A escolha foi para Silvio Santos que, até então, alugava espaços na antiga TV Paulista, adquirido pelas Organizações Globo.
Os anos 90 foram um período de intensa transformação nas empresas. Depois de décadas de controle absoluto do governo militar sobre os principais setores, os novos tempos traziam novos desafios, acelerados por mudanças nos métodos de gestão, na própria tecnologia digital, o novo papel dos bancos de investimento, processo que se acelerou após o fim da inflação.
Em minha coluna na Folha, procurava entender os novos tempos, as mudanças na logística, na gestão, os programas de qualidade, no mercado financeiro. A newsletter Guia Financeiro, da Agência Dinheiro Vivo, chegou a tirar 10 mil exemplares.
A falta de rumo atingia todas as empresas, independentemente do tamanho. Todas aprendiam o bê-a-bá de gestão, depois de décadas apenas se defendendo da inflação.
Nas palestras para pequenas e médias empresas, procurava mostrar as vantagens da terceirização. Se o insumo mais escasso em uma empresa era a gestão, não tinha lógica desperdiçar energia administrando restaurante ou transporte de funcionários da empresa. Tinham que terceirizar tudo o que fosse secundário e concentrar no core da companhia.
A falta de rumos também atingia as grandes empresas. Certa vez, Edson Vaz Musa, presidente da Rhodia, me contratou para uma conversa com ele, com Roberto Carvalho Dias, da Danone, e com um terceiro executivo, para discutir cenários econômicos mas, principalmente, cenários de mudança nos negócios.
Quando surgiu a Internet, o quadro tornou-se mais complexo. Na primeira metade dos anos 90, na pré-Internet, montei uma aliança com uma empresa da Phillips, especializada em servidores e bancos de dados, um serviço similar ao Cirandão, da Embratel, mas como pontos em vários países. Era possível, através delas, enviar mensagens para qualquer assinante, mesmo que estivesse em outro continente atendido pela Phillips.
Na época, João Saad, presidente do Grupo Bandeirantes, do qual eu era comentarista, me convidou para assumir a ancoragem do Jornal da Band e me tornar espécie de consultor informal do grupo. Recusei percebendo, principalmente, a resistência do primogênito, Johnny Saad. Quem acabou assumindo foi Paulo Henrique Amorim.
As mudanças setoriais eram acompanhadas por uma imensa liquidez internacional, que provocava uma transformação no mercado financeiro, com as antigas corretoras começando a ensaiar os primeiros saltos para se transformarem em bancos de investimento. Cheguei a promover um almoço na Band, entre a direção e o recém-fundado banco BBA.
Foi nessa quadra da história que fui procurado pelo presidente do grupo Silvio Santos, Luiz Sebastião Sandoval, um ex-funcionário graduado do Banco do Brasil. Na época, o grupo tinha as emissoras de TV, rede de concessionárias de automóvel, o Baú da Felicidade. Acho que ainda não tinham adquirido hotéis e a empresa de cosméticos.
Ele me procurou para me contratar para uma palestra em um encontro juntando os executivos de todas as empresas do grupo. Dispôs-se a me passar todos os planos das empresas para que eu formulasse um diagnóstico. Era evidente que o grupo tinha um tamanho desproporcional em relação à sua capacidade de gestão.
Fiz-lhe ver que não tinha lógica o que me propunha. Primeiro, porque trabalhava em outro canal, na Band. Depois, o que ele queria era um trabalho de consultoria, que não dava para ser feito e apresentado em uma única palestra. Nem eu me sentia apto a esse trabalho.
Aí ele me revelou a intenção dos executivos: entender os novos tempos para convencer Silvio Santos da necessidade de mudanças em seu estilo de gestão.
Nos anos seguintes, Silvio Santos tentaria montar um canal na web, vender computadores e outras incursões que não deram certo. Mas todos seus problemas eram resolvidos devido à enorme influência política de um dono de mídia de massa. Silvio Santos apoiou todos os presidentes da República, todos os partidos no poder. Ousou certa vez sair candidato a presidente, mas recuou quando percebeu o estrago que poderia provocar nos seus negócios.
Provavelmente espelhou-se no exemplo de Olavo Setubal. Quando decidiu sair candidato a governador de São Paulo, o Banco Itaú foi alvo de uma tremenda boataria provocada pelos seguidores de Orestes Quércia.
Seu modelo de negócios era similar ao de muitos influenciadores atuais. Aproveitava a enorme audiência que tinha para vender toda sorte de produtos.
Silvio Santos acabou montando também um banco, o Pan-Americano, que quebrou por má gestão. A Caixa Econômica Federal foi acionada para comprar o banco e salvar o grupo da bancarrota. Posteriormente, o banco foi adquirido pelo Pactual.
Mas ficou uma enorme dívida com o fisco que foi recentemente julgado pelo CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). O grupo, agora, deve 1 bilhão de reais ao fisco.