Por Giovanne Ramos, da Alma Preta
Uma visita do candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) aos estúdios da Love Funk, na zona leste da capital, gerou repercussão negativa nas redes sociais.
O momento foi registrado pelas redes sociais da produtora de funk — que conta com 12 milhões de inscritos em seu canal principal no YouTube — com publicações do candidato e do empresário Henrique Viana, dono da Love Funk.
Nas gravações, Marçal e Viana, conhecido como Rato da Love, ironizam o candidato Guilherme Boulos (PSOL) ao reproduzirem a tentativa de tomar uma carteira de trabalho da mão de Marçal, como ocorreu durante o debate eleitoral realizado pelo Estadão.
Essa não é a primeira vez que uma empresa relacionada ao movimento do Funk apoia um político de direita. Em fevereiro, a GR6 foi alvo de críticas após firmar parceria com a Prefeitura de São Paulo. Na ocasião, a colaboração foi anunciada com uma publicação nas redes da produtora mostrando um encontro do prefeito e atual candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB) e o presidente Rodrigo Oliveira.
A associação da Love Funk com Marçal reacendeu essa investida de políticos de direita em se apropriar do gênero para angariar votos. MC Hariel, artista da GR6, usou sua conta no X (antigo Twitter) para repudiar o apoio da GR6 e Love Funk aos candidatos Ricardo Nunes e Pablo Marçal. Em publicação feita no domingo (17), o funkeiro desmentiu rumores de estar ligado com os políticos.
“Tão girando um print fake do meu perfil seguindo merda de político. Eu não tenho nada a ver com o que cada um faz da própria vida, mas eu não compactuo com nada disso. Inclusive, me entristece ver pessoas dessa índole tendo portas abertas no nosso movimento”, escreveu o artista.
Ele também alertou seu público sobre a influência da política no funk e criticou a tentativa de alguns políticos de se aproveitarem da popularidade do gênero para angariar votos.
“Você, que é o público, e nos ama, toma cuidado com essas bocas de urna cibernética. Cuidado e se mantenha atento. Mesmo que, infelizmente, você veja pessoas que você ama e admira a história de vida se juntando com esse tipo de gente. A gente precisa saber separar”, comentou.
A mesma crítica foi feita pelo rapper Filipe Ret, que disse lamentar que movimentos marginalizados estivessem apoiando “posições políticas decadentes”.
Mano Brown, integrante do Racionais MC’s, maior grupo de rap nacional, se manifestou também sobre o tema. “Eu falei para vocês que os bagulhos estavam mudando e que nós tínhamos que antecipar os caras. E que os nossos iam tomar decisões contrárias às nossas muitas das vezes”, escreveu.
Aproximação do funk para conquistar periferia é ‘perversa’
Quando a associação de Ricardo Nunes com a GR6, em fevereiro, repercutiu negativamente, a produtora cultural e dançarina Renata Prado foi uma das vozes a alertar que o movimento do Funk, enquanto cultura periférica, não estava na negociação para empresários. Em conversa com a Alma Preta, a também pesquisadora e pedagoga discutiu sobre essa movimentação política.
“A velha política sempre busca novos métodos de se aproximar da periferia, e o bode expiatório da vez é o movimento funk. Pelo fato da direita ser um setor político sem ética, fingir que gosta de funk em período eleitoral para angariar votos é algo muito esperado”, disse.
Renata lembra que a parceria entre os empresários do funk e candidatos à Prefeitura de São Paulo visa “desenvolver uma tentativa de política pública que fomenta ‘perversamente’ o mercado da música, excluindo as demais problemáticas presentes no movimento funk”.
A pesquisadora ainda alertou que candidatos como Marçal entendem quais são os códigos sociais da juventude periférica e, a partir disso, criam personagens políticos que dialogam com a linguagem social e estética do funk para se favorecer politicamente.
“Apesar da aproximação perversa, esse tipo de político não permanece no movimento por muito tempo, é só a gente observar a grande rejeição do movimento funk pelo prefeito Ricardo Nunes nessa altura da disputa política”.
Empresas negociam monopólio do funk em nome do movimento, diz pesquisadora
Renata chama a atenção para uma prática comum da direita: “as empresas negociam o monopólio artístico do funk com políticos de direita em nome do movimento a partir de contratação de shows”, algo que já acontece no segmento sertanejo, frisa. A intenção dessas alianças é centralizar a verba pública destinada a este gênero cultural em uma única empresa.
“O movimento funk que está fora das grandes produtoras não desfruta dessas práticas políticas, então essas negociações com grandes empresários do funk favorece unicamente o setor privado, excluindo totalmente a participação social do movimento funk que não está inserido nas estruturas mercadológicas da música”, denuncia a pedagoga.
Movimentação de empresas não representam o movimento
Em entrevista à Alma Preta, a deputada estadual Ediane Maria (PSOL-SP) destacou o poder da periferia enquanto um local onde a presença da juventude é grande, “é lá onde as tecnologias de sobrevivência estão sendo criadas, onde a chamada economia criativa desponta”, apontou.
“A direita sabe a influência que a cultura funk tem nesses jovens. E isso acontece de forma geral, seja pelas músicas, bailes, pela moda e pelo consumo. Então, por que isso não poderia acontecer pela política? Eles sabem o poder que o funk tem”, pontuou.
A parlamentar reforçou que o movimento do funk não abraça essa movimentação de empresas e produtoras com candidatos da direita, “mas alguns empresários que infelizmente já se distanciaram da realidade dos bailes e das periferias há muito tempo”.
Candidaturas representativas
Para Renata Prado, a única figura que se posicionou defendendo a criação de políticas a favor do movimento funk, a partir de um olhar democrático, foi o candidato a vereador Danilo Passáro (PSOL), morador da Brasilândia, periferia da zona norte da capital.
“Após a presença de Pablo Marçal em uma das principais produtoras de funk, ele foi o único candidato a se posicionar contra o avanço da extrema-direita no movimento funk e apresentou caminhos palpáveis para construir políticas públicas de forma democrática”, defendeu.
Já para Ediane Maria, a candidata a vereadora Débora Lima (PSOL), do Capão Redondo, bairro da zona sul, e coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, é a que tem maior proximidade com as pautas e preocupações do movimento funk. Fundadora da 1ª Cozinha Solidária do MTST, Débora também atua em defesa dos direitos das mães moradoras da periferia.
Frente Parlamentar do Funk
Um movimento que defende e busca promover políticas públicas que perpassam pela construção social da vida da juventude que compõem o movimento funk ganhou espaço no poder legislativo de São Paulo neste ano. Representantes e intelectuais da cultura, juntamente com a Frente Nacional de Mulheres do Funk e o mandato da deputada estadual Ediane Maria (PSOL-SP), lançaram na semana passada a primeira Frente Estadual Parlamentar do Funk na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
“A Frente é resultado da luta e das demandas do próprio movimento, que chegaram até o mandato. Com isso, estamos fazendo um trabalho coletivo para que o funk tenha o seu lugar de respeito na história da cultura popular brasileira. Se tem gente que não concorda com esse abraço que as gravadoras de funk deram ao pessoal da direita, tem espaço para se organizar com a gente”, explicou Ediane.
A frente é composta por integrantes do movimento, desde artistas em geral (mc’s, dançarino, dj, fotógrafo, etc.), intelectuais que promovem conteúdos acadêmicos que valorizam o movimento funk no Brasil, militantes e integrantes de movimentos sociais que defendem o funk enquanto fenômeno cultural, representantes do poder público e toda a sociedade civil que reconhece a importância do diálogo entre movimento e instituição pública.
“O surgimento dessa frente é importante para garantir a participação social do movimento na elaboração de políticas públicas direcionadas para a cultura funk no estado de São Paulo, além de ser um espaço de construção política do movimento para impulsionar reivindicações necessárias ao poder público”, defendeu Renata, da Frente Nacional de Mulheres do Funk.