Por Edu Carvalho, do Projeto Colabora
“Quem é que vai cuidar de mim? E se eu tiver uma demência, alguma incapacidade, quem vai cuidar de mim?”. Bastou essa junção de perguntas para que um mar se abrisse em minha cabeça após ouvir as dúvidas (que também são anseios) de Paula Burlamaqui no programa ‘Sábia Ignorância’, do GNT. E não foi só eu, e sim a internet – ou melhor, o falecido X – que caiu pra trás após a verdade dita num tom de desabafo.
Pudera: falamos muito de envelhecimento, mas pouco sobre a confortabilidade necessária para a referida etapa. Ou só nos damos conta de quanto ela, a velhice, demanda, quando tornamo-nos cuidadores de nossos mais velhos, num espelho sem fim que projeta ao mesmo tempo, aqui e agora, passado, presente e futuro. Dá medo pensar como podem ser meus dias de “fim”, sem que haja o mínimo de amparo, cuidado e dignidade, mesmo que apresente só 26 anos no registro geral.
Mas não é só de preocupação familiar que precisamos para evitar a solidão na idade avançada, quando surgirem os desafios mais comezinhos. Filho não é garantia de que você ou eu seremos cuidados; aliás, temos expressivos casos de maus-tratos dentro da própria casa. É preciso um cinturão de políticas públicas que assegurem dentro e também fora a boa velhice, o bom cuidado, independente da situação.
O país precisa encarar o fato de que está envelhecido. Literalmente. E não há aqui uma estrutura só jocosa de palavras, os números atestam. Em estados como o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, a população de 60 anos ou mais já é maior do que a de 0 a 14 anos. De acordo com os dados do Censo Demográfico 2022, compilados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o número de pessoas com 65 anos ou mais de idade cresceu 57,4% na população do país em 12 anos. Figura o Rio como o segundo maior do país.
Há pouco mais de um mês, entrevistei para o meu podcast, num episódio que deve sair em breve, Karen Farias e Kika Gama Lobo, duas mulheres que se tornaram sumidades no assunto envelhecimento. E as duas foram categóricas: envelhecer é uma dádiva, um presente da maturidade que apazigua o coração. Mas nenhuma velhice a qualquer preço faz sentido se não houver bem-estar social.
Riscamos no chão as questões de gênero e raça, além de classe social. Como nada é pouco e tudo intenso, a profundidade do tema parece acionar gatilhos nem sempre fáceis de digerir. Enquanto escrevo, me vejo anos-luz do meu tempo. Volto pro início do texto: “Quem é que vai cuidar de mim?”. Penso em dona Lúcia, minha mãe, com quem partilho a tarefa de uma co-responsabilidade pela sua questão etária. Penso nos mais velhos que estão ao meu lado e em minha frente.
Não tenho respostas. A conversa precisa continuar.