Por Karina Dantas, da Agência Tatu
Desmatamento; impedir e dificultar a regeneração natural de floresta nativa; destruir vegetação nativa; vender, transportar ou guardar madeira ou outros produtos de origem vegetal sem licença válida. Estas são algumas das infrações cometidas por 248 candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito ou vereador nas Eleições Municipais de 2024. Juntos, eles acumulam R$ 31.954 milhões em multas ambientais.
Os dados, analisados pela Agência Tatu, foram registrados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e se referem àqueles candidatos que disputaram as Eleições Municipais de 2020 e também estão disputando as de 2024, mesmo que não tenham sido eleitos. Do total, 114 desses políticos disputam a reeleição do cargo nas eleições atuais.
Com valores que variam de R$ 50 a R$ 17,4 milhões, ao todo são 164 candidatos ao cargo de vereador, 58 candidatos ao cargo de prefeito e 26 ao de vice-prefeito da região. Ao observar os partidos dos infratores, a maior frequência é pelo MDB, com 39 candidatos autuados, enquanto o PSD possui 29 políticos e o PSB e o PP figuram com 24, cada um.
O estado que possui o maior número absoluto de candidatos infratores é a Bahia, com 73 políticos. Em seguida, 42 candidatos do Ceará foram autuados pelo Ibama e, em terceiro lugar, o Maranhão com um total de 33 pessoas nessa condição.
Ao observar as infrações cometidas entre os estados, é possível perceber alguns padrões relacionados à localidade. Em Alagoas, por exemplo, muitas das descrições dos autos de infração estão relacionadas à destruição ou desmatamento de vegetação nativa da caatinga, bioma presente em 14 unidades de conservação do estado, segundo o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL).
Já na Bahia, estado que possui a terceira maior cobertura de vegetação nativa da Mata Atlântica (49,6%), segundo levantamento do MapBiomas, infrações relacionadas ao desmatamento desse bioma e ao transporte ou comercialização de carvão vegetal ou material lenhoso sem autorização de órgão competente são recorrentes nas descrições das infrações.
No Ceará, algumas das recorrências notadas nos autos de infração são referentes à pesca indevida, à manutenção em cativeiro de espécies da fauna silvestre nativa ou à prática de maus tratos contra essas espécies, como os pássaros canário-da-terra, além de infrações relacionadas ao transporte de madeira sem licença ambiental, desmatamento, entre outras.
Candidatos com mais infrações do Nordeste
Somente os cinco candidatos com maiores valores em multas de todo o Nordeste acumulam R$ 23,5 milhões, o que equivale a 74% do total de toda a região. É como se a cada quatro multas aplicadas, três fossem cometidas por um desses cinco candidatos.
O primeiro lugar está com o candidato a vereador Romerinho Jatobá (PSB), que é o atual presidente da Câmara Municipal do Recife (PE) e busca a reeleição. Sozinho, ele possui R$ 17,4 milhões em multas ambientais por infrações cometidas em 2020, no município de Altamira, no Pará.
Romero Jatobá Cavalcanti Neto é responsável por destruir 404,27 hectares de floresta nativa, impedir a regeneração natural de mais de 1.129 hectares, além de descumprir embargo em área de Altamira, para implantação de atividade de pecuária sem autorização do órgão ambiental.
De acordo com a base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Romerinho Jatobá (PSB) possui R$ 2,4 milhões de bens declarados.
Ao ser questionado pela reportagem, o candidato alegou, em nota, que as autuações foram fruto de uma pesquisa inadequada no Google, realizada pelos fiscais do Ibama. Romero Jatobá também alegou não ser proprietário de terras no Estado do Pará, e nem possuir qualquer tipo de rebanho bovino naquela região ou em qualquer outra.
Apesar de ter negado a autoria dos crimes e posse dos terrenos, a Agência Tatu já mostrou em reportagem produzida a ligação do candidato com o caso. Confira a nota completa de Romerinho Jatobá (PSB) ao final desta reportagem.
O candidato Fábio Lauck (PSD) é atualmente vereador pelo município Luís Eduardo Magalhães, localizado no extremo oeste baiano. Ele disputa a reeleição para o cargo nas Eleições Municipais 2024 e possui mais de R$ 1,7 milhão em multas ambientais, por infrações cometidas entre 2014 e 2016 em Mateiros, no estado do Tocantins.
O político foi autuado por desmatar a corte raso 1.131,72 hectares de cerrado nativo sem autorização de órgão ambiental competente, descumprir embargo de área e apresentar informação falsa em procedimento administrativo ambiental. Fábio Lauck (PSD) declarou R$ 9,5 milhões em bens.
Em Alagoas, o atual prefeito de Craíbas, Teófilo Pereira (PP), é candidato à reeleição e acumula R$ 1,68 milhão em infrações ambientais cometidas a 78 km da cidade, em 2018 e 2021, no município de São Brás, no mesmo estado. Ao TSE, ele declarou que possui R$ 5,8 milhões em bens.
Os motivos das autuações, segundo o Ibama, são por desmatamento de 15,5 hectares de florestas do bioma caatinga, fora da reserva legal e sem autorização ambiental competente. O candidato também foi multado por descumprir embargo de propriedade, por impedir e dificultar a regeneração natural de 269,75 hectares de floresta nativa, além de deixar de atender às exigências legais quando devidamente notificado por autoridade ambiental.
Outro candidato de Alagoas que chama atenção pelo alto valor em multas ambientais é o prefeito do município de Junqueiro, Leandro Silva (MDB), que disputa a reeleição. O candidato totaliza R$ 1,35 milhão em multas ambientais por infrações cometidas em 2023 no município alagoano Traipu. Leandro declarou ao TSE possuir R$ 508 mil em bens.
Segundo a descrição das autuações do Ibama, Leandro Silva (MDB) é responsável por desmatar e destruir, com uso de fogo, 150,56 hectares de vegetação nativa do bioma caatinga em Área de Preservação Permanente (APP) — aquelas que podem ser ocupadas apenas em situações muito específicas, como de extremo interesse público e baixo impacto ambiental —, sem autorização ambiental.
Com R$ 1,27 milhão em multas ambientais, Alexandre Carvalho de Oliveira, que possui o nome na urna Leko Leko (PSD), tenta novamente a eleição para o cargo de vereador no município Cândido Sales, na Bahia. O candidato possui o maior valor em bens declarados ao TSE dentre os mencionados nesta reportagem: R$ 33 milhões.
Seu patrimônio é composto, por exemplo, por uma fazenda no estado do Amapá, no valor de R$ 20 milhões, e uma área monetária no município de Pedra Branca, também no Amapá, que vale R$ 10 milhões.
As infrações ambientais foram cometidas entre 2005 e 2011, nos municípios de Barreiras (BA), Montes Claros (MG) e Eunápolis (BA). Leko Leko (PSD) foi autuado por transportar 2.393 metros de carvão sem licença válida, por comercializar 50 m³ (metros cúbicos) de carvão vegetal nativo de cerrado e por vender mais de 200 m³ de carvão vegetal sem licença ambiental válida.
A reportagem entrou em contato com os cinco candidatos mencionados acima, mas até a publicação obteve retorno apenas de Romerinho Jatobá.
Responsabilidade com o meio ambiente
Com mudanças climáticas que cada vez mais impactam a vida da população, observar o histórico dos candidatos em relação ao meio ambiente é essencial para escolher os gestores municipais, como afirma a especialista em desenvolvimento sustentável, geógrafa e socióloga Edilma de Jesus Desidério.
“O direito ao meio ambiente saudável, que possa te dar um bem-estar, é também garantido pelo gestor municipal. Então, no momento que ele já tem multa, isso já significa que ele não tem a mínima capacidade de gerir o meio ambiente. Está claro que as multas ambientais de candidatos nas eleições refletem o que ele sabe e na sua responsabilidade com o meio ambiente”, explica Edilma Desidério.
De acordo com a doutora em geografia e professora colaboradora na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a educação ambiental ainda não está enraizada na cultura da população brasileira e isso é um ponto de atenção.
“(…) Na região nordeste, onde não se tem, ainda, um avanço na educação ambiental, isso sempre fica como segundo, terceiro ou último assunto a ser realmente considerado na pauta da gestão municipal. (…) É que tudo começa e termina na educação ambiental”, relata Desidério.
Para a geógrafa, existe uma cadeia de responsabilidade das autoridades competentes que vai além dos gestores municipais. Ela esclarece: ”tem a responsabilidade do gestor, do órgão executor, do órgão legislador, do órgão judiciário, e todos estão aí atuando, mas [o cuidado com o meio ambiente]não está sendo atendido em sua devida forma”.
NOTA DE ESCLARECIMENTO – Romerinho Jatobá (PSB)
A respeito dos equívocos envolvendo autuações ambientais emitidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), venho esclarecer que, após uma fiscalização em terras em Altamira (PA), estas autuações, relacionadas ao meu nome, Romero Jatobá Cavalcanti Neto, foram fruto de uma pesquisa inadequada no Google, com o objetivo de encontrar o proprietário, onde houve a busca pelos termos “Romero” e “Recife”. Ressalto que jamais fui proprietário de terras no Estado do Pará, nem possuo qualquer tipo de rebanho bovino naquela região ou em qualquer outra, como comprovam os documentos em anexo.
As medidas cabíveis já foram tomadas na Justiça Federal, com o objetivo de anular as autuações mencionadas. O IBAMA, em sua defesa, reconheceu que até o presente momento não foi imposta nenhuma multa contra mim, uma vez que os processos administrativos estão ainda em tramitação.
Apresentei todas as defesas no prazo estabelecido pela lei, e elas agora aguardam a devida análise pelo órgão competente. Além disso, a certidão negativa que acompanha este esclarecimento comprova que não há qualquer débito em aberto junto ao IBAMA.
Estou plenamente confiante de que, com a análise justa dos fatos e das provas apresentadas, ficará demonstrado que não tenho qualquer envolvimento. Mantenho-me à disposição das autoridades para fornecer quaisquer esclarecimentos adicionais que se façam necessários.
Romero Jatobá Cavalcanti Neto
MetodologiaConsiderando que nas Eleições Municipais de 2024 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não disponibilizou o CPF dos candidatos, como vinha fazendo nas eleições anteriores, sob a justificativa de se tratar de dado sensível, a Agência Tatu precisou cruzar os dados dos candidatos de 2020 com os de 2024 para obter o CPF de cada um.
Após isso, foi realizado um novo cruzamento, entre os candidatos de 2024 que também concorreram em 2020 — incluindo os eleitos, não eleitos, suplentes, eleitos por quota partidária ou média e os que tiveram candidatura anulada —, com os dados do Ibama sobre as pessoas infratoras. A partir dessa análise de dados, foi possível obter o resultado apresentado na reportagem.
Candidatos que não concorreram nas eleições de 2020, mas concorrem nas eleições deste ano também podem ter multas ambientais não registradas nesta reportagem, devido à mudança na disponibilização dos dados mencionada anteriormente.